Considerada uma das maiores e mais importantes intérpretes brasileiras de todos os tempos, Clara Nunes (1942-1983), enredo da Portela neste Carnaval, também ganhará uma homenagem à altura no folia mineira deste ano: o bloco Filhas de Clara, que irá desfilar pelo bairro Renascença, onde a artista morou e trabalhou como tecelã em uma fábrica de tecidos na juventude . O projeto é liderado por Aline Calixto que, em entrevista exclusiva para o site HT, expressou a sua empolgação:
“Clara foi uma cantora das mais primorosas, lançou e divulgou o trabalho de dezenas de compositores. Cantava e contava a história do nosso povo, da nossa cultura e, principalmente, da nossa religiosidade. Havia muito tempo que pensava em desenvolver algo no período carnavalesco em relação à Clara. Há motivos de sobra para homenagem essa mulher que tanto contribuiu com a cultura brasileira. Admiração, respeito e conexão com a sua obra é algo que cultivo desde a infância. Afinal de contas, o objetivo é dos mais nobres: espalhar a obra imortal dessa mineira guerreira por todos os cantos”, destaca
O bloco está marcado para sacudir Belo Horizonte no dia 17. Porém, no próximo sábado, haverá um ensaio aberto, no Contemporâneo Gastrô Show, com o objetivo de arrecadar fundos para o evento oficial. Embora essa seja a primeira edição, Aline não esconde o interesse em transformá-lo em clássico cultural. “A ideia é manter a tradição para que o bloco saia todos os anos. O protagonismo feminino também é uma forte característica presente no Filhas de Clara, em que musicistas, instrumentistas e percursionistas ajudarão a dar o tom da folia, destaca.
O bloco conta com um time composto apenas por mulheres. Todas são cantoras e instrumentistas da cena musical mineira. Tia Elza traz o canto forte da velha guarda, Marina Machado, intérprete de referência nas Minas Gerais, também integra o elenco, além das percussionistas Analu Braga, Nanda Bento, Alcione e Chris, da flautista Marcela Nunes, da violonista Alessandra Sales e da cavaquinista Maria Elisa”.
Diante de um legado singular, como o deixado por Clara Nunes, a escolha das músicas se tornou um grande desafio. A cantora afirmou que o repertório irá abranger toda a versatilidade da guerreira, que morreu em 1983 em decorrência de choque anafilático durante uma cirurgia de varizes.
“Fiz a curadoria de 40 músicas, algo extremamente difícil, ja que a obra dela é vasta e repleta de pérolas. Tentei ir além do samba, pois Clara gravou forró, afoxés, ijexás e é pertinente que todos esses estilos estejam contemplados durante os shows para fazer jus a sua trajetória. Apenas uma canção do set list não foi gravada por ela. Trata-se de “Um ser de luz”, homenagem póstuma composta por João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro.
Aline também defendeu a importância das manifestações artísticas na atual cena da cultura brasileira:
“Fundamental nestes tempos inglórios levantarmos e defendermos a bandeira da arte e da cultura. Nosso país tem um patrimônio artístico-cultural imensurável. Enfrentamos, hoje, movimentos que tentam cercear e denegrir as ações no campo simbólico da arte. Não podemos nos calar, jamais”.
Ainda segundo a artista, os blocos de rua cumprem a função de reafirmação das minorias nos espaços públicos e promete uma homenagem às vítimas de Brumadinho.
“Para além do divertimento, manifestações carnavalescas como os blocos de rua servem para mostrar que estamos aqui, vivos. Vamos ocupar os espaços públicos, vamos entoar os nossos cantos, expor os nossos corpos e fazer bastante barulho. Estamos preparando uma surpresa, durante o desfile, sobre o ocorrido em Brumadinho. Não dá para ignorar uma história catastrófica como essa. Foi um crime e nos afeta diretamente”, sinaliza.
Artigos relacionados