*Por Rafael Moura
Mulheres negras, mulheres lésbicas, mulheres da periferia, mulheres marginalizadas que gritam e berram as agruras da sociedade machista, racista e homofóbica. O Slam das Minas é um protesto em forma de arte, que reúne legítimas poetas urbanas, de todas as idades, para tratar de temas voltados para o lugar da mulher no mundo contemporâneo. O movimento está espalhado pelo Brasil inteiro. Uma batalha lúdico poética é organizada por Andrea Bak, Carol Dall Farra, Débora Ambrósia, Genesis, Lian Tai, Rejane Barcellos e DJ Bieta. Para entendermos esse movimento que estará no Espaço Favela, no Rock in Rio 2019, no dia 28 de setembro, o site HT conversou com a capitã desse protesto-arte, Letícia Brito. “A poesia urbana é a única forma de sobrevivência do artista contemporâneo. A linguagem que se aproxima das pessoas e dialoga com as realidades das pessoas que sofrem opressões. Meu pai era poeta. Ele me levava em rodas de poesia sempre que eu o visitava, em Porto Alegre. Ele faleceu quando eu tinha 11 anos e, em seguida, eu escrevi meu primeiro poema numa redação na escola”, revela Letícia.
A poesia urbana é uma forma das mulheres declamarem textos normalmente críticos, de forma incisiva e contundente. “Minhas inspirações vêm de minhas dores e das questões sociais que me atravessam”, pontua Letícia. O Slam das Minas é um dos muitos herdeiros brasileiros do Poetry Slam, movimento fundado pelo poeta Marc Smith, em Chicago (EUA), nos anos 80. “Ele, um homem branco, realizava batalhas de poemas na tentativa deixar os saraus de poesias menos chatos. Logo depois, o hip-hop também abraçou o movimento”, explica Letícia. E completa dizendo que não se considera mulher. “O gênero é uma invenção do patriarcado para cercear direitos de um grupo restrito de pessoas. Mulheres não escrevem somente sobre dramas, dores e amores. Aliás, tem sido cada vez mais difícil falar de amor nos dias atuais. A gente vive ressignificando luto em luta, né? Mas vejo como um movimento potente, que move as estruturas acadêmicas literárias com a força da oralidade. Uma nova forma de fazer revolução pela arte”, dispara.
Na busca de um espaço seguro e livre de opressões para desenvolvimento da potência artística de mulheres (héteras, lésbicas, bis, ou trans) pessoas queer, agender, não bináries e homens trans optou-se pela ocupação da rua para acabar com a invisibilidade dessas pessoas e para estimular os encontros e afetos. Com participação de poetas, musicistas, performers e transeuntes, o microfone aberto para o empoderamento. Nenhuma forma de opressão é aceita no Slam das Minas RJ. As campeãs da temporada 2019, até agora foram: Taiane Ribeiro, Ryane Leão, Luíza Loroza e Valentine.
Uma recente polêmica envolvendo músicos nas barcas, metrô e trens foi motivo de decisão judicial, que proíbe artistas de realizarem apresentações nos dentro dos transportes. No Rio, os eventos normalmente acontecem em ruas ou praças públicas, respaldados pela Lei do Artista de Rua. “Tem que estar sempre com ela (a lei) no bolso, para evitar qualquer problema. O crescimento do conservadorismo quer também que a população não aprenda. A presença dos artistas no metrô é oportunidade de informação e quem tem informação tem mais poder de decisão sobre suas questões cotidianas. O conservadorismo jamais permitiria isso. As estruturas institucionais estão sendo demolidas e nem é um processo esquerda-direita, porque se fosse, ao menos as estruturas se manteriam privatizadas. Não entendo a privatização como solução, eu gostaria de ver a queda do capital. Mas nem isso eles estão fazendo. Eles estão simplesmente roubando direitos e ruindo instituições. Acredito que vem também disso a potência do poetry slam. A gente ocupa os espaços públicos, a gente não precisa das estruturas para fazer nossa arte”, ressalta a poeta.
Letícia Brito dedica-se à poesia falada (spoken word/poetry slam) e às micro revoluções político-sociais nas quais a poesia incinera, afaga, afeta e transforma. Como produtora da cena carioca de slam e sarau já fez: Mulherau, Pizzarau, Batalha da Pizza, Tagarela e atualmente integra a produção e realização do Slam das Minas RJ. Em 2017, representou o Brasil, no Rio Poetry Slam, que acontece na Festa Literária das Periferias (Flup) e reuniu dezenas de países competidores. Integra também as antologias ‘On dystopia’, organizada por Porsha e ‘On sisterhood’, organizada por Melissa Lozada, com poemas em português e inglês.
O movimento foi convidado para uma ‘batalha’ na edição de 2019, do Rock in Rio, no Espaço Favela. Segundo a produção, o palco terá “cenografia bem colorida e lúdica”. Além do Slam, o palco terá apresentações diárias do grupo de teatro Nós do Morro, com 40 componentes da companhia. No line up estão ainda mais de 30 apresentações de música, dança e outras manifestações culturais. A programação tem rappers, cantores, bandas de rock, jazz, heavy metal e samba. “A expectativa é de aproveitar bem o tempo que me for dado e alcançar um público diferente do que estou acostumada com a minha arte. E por meio dessa forma de arte, muitas mulheres, muitas pessoas negras, muitas pessoas de periferia encontram informação e estimulam suas potências. É arte urbana, é pedrinha nas engrenagens do sistema, é microrevolução”, enfatiza.
O Rock in Rio será nos dias 27, 28 e 29 de setembro e 3, 4, 5 e 6 de outubro, no Parque Olímpico, na Zona Oeste do Rio.
Fique de olho na programação completa do Espaço Favela, no Rock in Rio 2019:
27 de setembro
Nós do Morro Baile, Heavy Baile com MC Carol e Tati Quebra Barraco, Gabz e ABRONCA
28 de setembro
Nós do Morro Baile, Orquestra da Maré apresenta Rock Symphony, Batalha do Slam “A Palavra e o Rock” e Setor Bronx
29 de setembro
Nós do Morro Baile, BK, Malía, Dudu de Morro Agudo
3 de outubro
Nós do Morro Baile, Roda de Samba Festa da Raça, P-Tróleo, Dughettu
4 de outubro
Nós do Morro Baile, Canto Cego, Agona, BK-81
5 de outubro
Nós do Morro Baile, Cidinho & Doca, Jonathan Ferr, Lucas Hawkin
6 de outubro
Nós do Morro Baile, Delacruz e Maria, Xamã, Tuany Zanini
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