*Por Brunna Condini
Inícios de anos são cheios de possibilidades, esperança, fé nas mudanças, mas também podem ser ‘gatilho’ para ansiedade e pressão. E aí, a beleza nos novos caminhos a serem desbravados se enche de autocobrança pelo porvir. O mundo nos cobra desde sempre, mas por que não nos damos sossego? Por que não colocamos limites para quem não nos dá sossego? Vivemos em uma sociedade que impõe padrões e convenções e isso mais aprisiona que liberta. Mas que tal começar a deixar esses ‘pesos’ pelo caminho? Convidamos a atriz Mariana Xavier, que nos últimos anos vem iluminando temas relevantes através de seu trabalho e relação nas redes sociais, para compartilhar o que tem feito diferença em sua vida e pode fazer também na de quem nos lê.
A atriz indica ainda, vídeos e podcasts ao alcance de todos, como investimento em autoconhecimento. Porque para fazer um ano valer a pena, é bom que o botão da conexão interior esteja ativado. Afinal, fundamental mesmo é que a gente agrade a pessoa mais importante das nossas vidas: nós mesmos. Mariana, que faz terapia há 20 anos e se diz uma entusiasta do processo, aponta a importância de identificarmos os comportamentos que pesam mais do que deveriam em nós. “É uma eterna busca para encontrar esse equilíbrio para não transformar o amor próprio em egoísmo, mas também não transformar a empatia e a solidariedade em esquecimento de si mesma. Esse é um tema frequente na minha vida, porque eu sei que tenho uma forte tendência a comportamentos codependentes. De me fazer validar pela minha utilidade, me fazer necessária. É um comportamento que vem de uma ambiguidade muito louca, porque ao mesmo tempo que parece uma baixa autoestima – do tipo, se eu não me fizer presente, não vou ser amada como mereço – também pode ser encarado como arrogância, porque parece que só vai funcionar se eu meter a mão. É um pêndulo muito frenético, muita terapia e conexão com a espiritualidade para não nos perdermos da gente”, divide.
Quando eu descobri lá atrás o transtorno de ansiedade foi por que me senti pressionada pela fama, por ter que estar sempre bem, disponível. Percebi neste momento que o primeiro passo para saber colocar alguns limites é parar essa autocobrança de ser sempre amada, aceita e querida. É entender que de vez em quando alguém pode te achar grossa e tudo bem. Se para dizer ‘sim’ para mim, eu precisar dizer ‘não’ para o outro, vou dizer. Isso não quer dizer que seja confortável, mas se esse exercício é importante para preservar meu bem-estar e saúde mental, assim será – Mariana Xavier
“Adoro podcasts e ao longo do ano passado, um que me marcou muito foi o ‘Café com cuscuz’, do Alexandre Coimbra Amaral e da Elisama Santos, que tem episódios maravilhosos, como o ‘Não existe disponibilidade infinita para o outro’, e o ‘Empatia e Limite: como estas duas palavras se encontram?’. Estamos em um momento de extremo individualismo, em que precisamos ser mais empáticos, com toda a certeza: fazer o exercício de enxergar mais o mundo sob a perspectiva do outro. Como viemos de um período de conflitos, de olhar muito para o que nos separava, precisamos respirar, olhar para o que nos une. Mas até a empatia tem limite, porque se pensarmos demais no outro, pode acabar sendo violento com a gente”.
Totalmente em conexão com o tema, Mariana estará no Rio de Janeiro, a partir do dia 20, com o monólogo ‘Antes do Ano Que Vem’, que após temporada de sucesso em várias cidades do país, será apresentado no Imperator (Centro Cultural João Nogueira), no Méier. “A minha peça fala disso em alguma medida. A Dezuite, personagem principal, é essa pessoa que não consegue não ajudar. Então, vai transbordando seus limites. A peça acontece na noite da virada de Ano Novo e ela, que se programou para passar a data com a família e está terminando seu trabalho como faxineira em uma associação que realiza trabalho voluntário de apoio emocional para as pessoas, vai mudar os planos. A psicóloga plantonista não aparece para trabalhar e ela não consegue não atender os telefonemas e tentar ajudar aquelas pessoas que ligam desesperadas. É bonito a personagem fazer isso, mas já pensou se começa a fazer isso todo dia? Se ela sempre deixar de estar com os dela, ter o prazer dela, para se doar para o outro? Repito sempre: tudo é veneno e é remédio, depende da dose. Nossas características que temos como qualidades, quase sempre são nossos piores defeitos também, dependendo da dosagem. Por isso é importante esse chamado da busca pelo equilíbrio”.
Limites: mais leveza
Para a atriz, identificar e impor fronteiras é algo fundamental para transitar melhor pela vida e pelas relações. E isso inclui falar sobre o que desejamos e também sobre o que não queremos. “Temos muitas coisas culturais que nos levam a transbordar os nossos limites, a ignorar, nos anular, principalmente nós, mulheres. Fomos ensinadas a cuidar, aguentar. Se nos posicionamos mais veemente, geralmente somos chamadas de grosseiras, mal educadas, mas felizmente estamos neste momento de reavaliar isso. De entender que, às vezes, é só a objetividade que temos o direito de exercer”, observa.
“Como, por exemplo, se alguém fizer um comentário inconveniente, preconceituoso, não sou eu que tenho que ficar com o desconforto. Escolho devolver, quando possível. Teve um episódio recente em que precisei exercitar isso. Fui fazer um evento no qual a maior parte das pessoas contratadas era de corpo padrão. Primeiro aconteceu de ir com uma roupa, que não ficou a contento do empregador, que pediu que eu usasse uma produzida por eles. E aí aconteceu o clássico, de provar várias na hora e nada caber. Tiveram que produzir em cima da hora, até achar um vestido que ficasse minimamente ok. Depois, quando precisei ser microfonada, o responsável fez um comentário em voz alta afirmando que eu estava grávida. O confrontei e perguntei quem disse para ele que eu estava grávida, ficou um climão mesmo. Acho que aquelas pessoas que estavam ali, mais ‘dentro do padrão’, nunca deviam ter presenciado uma situação assim de gordofobia”.
O cara supôs que eu estava grávida. Disse para ele: “Isso é uma barriga de uma pessoa gorda e nós existimos”. Fiz questão também de dizer para que ele nunca mais comentasse o corpo de uma pessoa, não é ok – Mariana Xavier
E conclui: “Hoje estou em uma posição que posso agir assim. Tenho a minha autoestima consolidada, meu senso de valor. Não quer dizer que algo assim não me afete, mas respondo e sigo adiante. Fiquei pensando em todas as pessoas que passam por isso e não podem responder. Ou porque ficam abaladas demais e não conseguem ou porque têm medo de ficar com fama de chiliquentos. É delicado. Por isso faço questão de usar meu lugar de privilégio para fazer diferença no mundo. Se posso chamar à atenção para algo importante, educar as pessoas, para que outras não passem pelo mesmo, é um papel social meu. Começar um ano mais leve, é também tirar de cima de nós os rótulos, ‘pesos’, que nos atribuem. Entendendo o queremos, e principalmente, o que não queremos mais E ir fazendo essa limpeza. Descubra sua receita de felicidade, seja sempre seu próprio padrão. Não estamos aqui para suprir as expectativas de ninguém, até porque isso é inalcançável”.
Para começar o ano inspirado
“Sou uma entusiasta da terapia, por isso não entendo a resistência que muitas pessoas têm à ela. É preciso romper preconceitos e entender que nossa saúde é integral e a saúde mental é muito importante. Sei que terapia ainda não é tão acessível para todo mundo, mas hoje em dia podemos usar o melhor da internet, que tem muita coisa ruim, mas também boa. Existem pessoas, vídeos, podcasts, que vão nos ajudando a fazer reflexões, essa investigação, dão a possibilidade de começarmos a investir em autoconhecimento. Isso vai criando uma intimidade também com esse universo terapêutico de certa forma. Amigos não substituem a terapia e a terapia não substitui os amigos. São abordagens diferentes”, diz Mariana.
E aproveita para dar algumas indicações. Só tomar nota:
https://www.autoconscientepodcast.com.br/
Vídeos do Youtube da Jout Jout (Julia Tolezano)
“Tudo bem algumas pessoas não gostarem de você”
“Tipo o Dublemdore”
Podcast “Café com cuscuz”, de Alexandre Coimbra Amaral com Elisama Santos
Podcast “Para dar nome às coisas”, da jornalista Natalia Sousa
Uma ótima pedida também é assistir Mariana em ‘Antes do Ano Que Vem’, que após temporada de sucesso em várias cidades do país, estará no Imperator (Centro Cultural João Nogueira), no Méier, nos dias 20, 21, 22 27, 28 e 29 de Janeiro, com preços populares. A comédia fala das nossas dores emocionais e capacidade de resiliência e reinvenção diante da vida. Em cena, ela vive intensamente sete personagens, que terão suas histórias conectadas através da Central de Apoio aos Desesperados. “A peça se passa na noite de Réveillon, quando há um aumento significativo no número de ligações com pedidos de ajuda. Datas como esta, de “felicidade obrigatória”, fazem aflorar ainda mais as emoções de quem não está lá muito satisfeito com a própria vida. A peça também se propõe a discutir questões fundamentais para a sociedade contemporânea, como solidão, empatia, solidariedade e a nova ditadura de felicidade imposta pelas interações virtuais. Vejo a comédia como ferramenta não só de entretenimento, mas de crítica e reflexão. Acredito também no poder transformador da empatia e é através dela que esperamos que o público saia do teatro leve, afagado e um pouco transformado também”, diz, sobre o solo dirigido por Lázaro Ramos e Ana Paula Bouzas.
O espetáculo também contará com bate-papo na pós sessão, nos dias 20 de janeiro, com Raul Santiago ativista do Complexo do Alemão; e no dia 27, com Pablo Dutra psiquiatra e Cecília Dassi, ex atriz e psicóloga.
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