Prêmio do Cinema Brasileiro: “Faroeste Caboclo” ganha duelo ao sol e Domingos de Oliveira afirma: “vivemos uma má fase!”


Nesta 13ª edição do evento, a supremacia da qualidade visual se divide entre “Flores Raras” e “Serra Pelada”, enquanto o diretor de “Todas as mulheres do mundo” reafirma que o cinema comercial precisa subsidiar o cinema útil

* Por Alexandre Schnabl e João Ker

“Velho pessimista ainda é tolerável, agora velho otimista é dose!” É com essas (demoradíssimas!) palavras bem-humoradas – o discurso teve cerca de 12 minutos que pareceram 120 – que Domingos de Oliveira, o homenageado do 13º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, sobe ao palco no final do evento na noite desta terça-feira (26/8). Realizada no suntuoso Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a premiação contempla a produção cinematográfica nacional lançada no ano passado e teve a maior parte dos discursos de agradecimento assim: à brasileira, alguns com frases de efeito polêmicas, outras com piadinhas sem graça, quase todas despreparadas, mas cheias de charme, sem aquela cronometragem meio “corrida de jóquei” que regula cada segundo gasto em cima do palco, como nas celebrações americanas, tipo o Oscar.

Sim, a malemolência carioca impera, e um dos pontos altos dessa tendência é quando o produtor Luiz Carlos Barreto e os cineastas Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues – fina flor da inteligetsia cinematográfica nacional – entram para anunciar o momento mais esperado da noite, o prêmio de  ‘Melhor Longa-metragem de Ficção’ (para dar uma treguinha para os mestres de cerimônia trocarem de figurino) e ainda aproveitam para chamar Roberto Farias (o presidente da Academia de Cinema Brasileira, entidade por trás do prêmio), informando de tacada (a ele mesmo e ao público, assim, de lambuja), que o diretor de filmes e ex-dirigente da antiga Embrafilme será o homenageado do ano que vem. “Maurício trabalhava para o governo militar, mas, na Embrafilme, fazia o que era melhor para o cinema nacional, e não para o governo. E ainda filmou o ‘Pra Frente Brasil’ em 1982, contrariando o Presidente Figueiredo em todos os aspectos, sem mudar nem o nome da obra”, citou Barreto. Sim, celebração brazuca é assim, repleta daquela mesma informalidade de mesa de bar que permitiu que movimentos como o Cinema Novo pudessem eclodir.

Domingos de Oliveira

Domingos de Oliveira (Foto: Zeca Santos)

Domingos ainda menciona em cena a necessidade de o cinema comercial criar condições para aquilo que ele chama de “cinema útil” se mantenha em atividade: “Aquele tipo de produção que faz pensar, que leva o espectador a uma ideia, a viver melhor, a construir um Brasil melhor. Senão temos no máximo bons produtos”. Após a premiação, HT troca rápidas palavras com o cineasta, já que ele estava emocionadíssimo, depois de posar para os cliques dos paparazzi encostado em um piano de caudas, copo de uísque na mão. Mais emblemático, impossível. No Salão Assírio, ele estende o conceito daquilo que proferiu no palco: “O cinema útil é fundamental. Não acredito que o cinema nacional esteja bem. Vivemos uma má fase, maquiada por certa efervescência de produção cinematográfica e sucessos de bilheteria do cinemão comercial, tipo as comédias ligeiras. Onde está o cinema autoral, aquele que leva a pensar de verdade?”

Ao longo da noite, o casal de apresentadores Caio Blat e Maria Ribeiro repetem a dobradinha que estão fazendo em “Império”  e interpretaram a dupla Paulo (Paulo José) e Maria Alice (Leila Diniz), protagonistas do clássico “Tôdas As Mulheres do Mundo” (assim, mesmo com circunflexo no ‘O’, já que o longa é de 1966, de antes da reforma ortográfica dos anos setenta), considerado a primeira comédia romântica nacional e dirigido por Domingo em 1966 em sua estreia. Auxiliados por um jogo multimídia digno de Hollywood – muito bem produzido e executado, conjugando planos de projeções e elementos cênicos que criam um diálogo entre aquilo que é visto na tela e as interpretações dos atores ao vivo, ponto para a produção! -, os dois conseguem arrancar risadas espontâneas da plateia enquanto citam o filme, em uma apresentação muito diferente de outra recente, mais formal e de DNA midiático, que trouxe outro duo como mestres de cerimônia, o Prêmio Contigo de TV, com Taís Araújo e Lázaro Ramos à frente. Apesar da completa diferença de propostas dos dois eventos, fica a dúvida: ter marido e mulher do showbizz apresentando premiação é nova regra por aqui?

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Fotos: Zeca Santos

Entre os indicados, “Faroeste Caboclo”, que traduz em história contemporânea a famosa música do Legião Urbana, protagonizada por Ísis Valverde Fabrício Boliveira, foi o grande vencedor da noite, abocanhando prêmios de ‘Melhor Roteiro Adaptado’, ‘Melhor Montagem de Ficção’, ”Melhor Som’, ‘Melhor Fotografia’  e ‘Melhor Trilha Sonora Original’. A produção conseguiu levar para casa sete das 13 categorias às quais estava indicada, incluindo ‘Melhor Longa-Metragem de Ficção’ e ‘Melhor Ator’ para Fabrício. Este, por sinal, é só sorrisos ao final do evento: “Esse prêmio significa muito para mim, ainda mais considerando os outros concorrentes maravilhosos da categoria” disse o cara, que ganhou de nomes como Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa e Wagner Moura. “O filme é ótimo e eu fiquei muito feliz com o resultado final. Sempre gostei de Legião [Urbana] e agora virei um amigo da família do Renato Russo“.

Fabricio posa para fotos ao lado de Bianca Comparato, que abocanhou o prêmio de ‘Melhor Atriz Coadjuvante‘ por sua participação em “Somos tão jovens”. Fulgurante, ela é questionada sobre o momento atual do cinema nacional e, inclusive, dá sua opinião sobre a questão da excelência técnica contemporânea, quando comparada, por exemplo, com aquele delicado charme, repleto de significados, que suplanta a falta de recursos de produções como ‘Todas as mulheres do mundo”. Afinal, a exuberância visual das produções atuais maquiaria a falta de contundência do conteúdo? Ela responde: “Vejo uma evolução como um todo, não só da técnica, como de todo o cinema nacional, e isso é bom”.  Cláudia Ohana, atriz com 18 filmes no currículo, muitos deles nos anos 1980, época difícil em que a produção audiovisual vivia uma crise, faz coro com Bianca: “A  evolução é essencial e esse prêmio faz parte do processo, é importantíssimo!”.

Fabrício Boliveira e Bianca Comparato, cada um com seu troféu

Fabrício Boliveira e Bianca Comparato, cada um com seu troféu (Foto: Zeca Santos)

Quem também explode de felicidade durante o evento é Jesuíta Barbosa. O ator, que tem se destacado em papeis significativos e sido bem aproveitadíssimo nos últimos dois anos, participou de dois dos principais filmes concorrentes na competição: “Serra Pelada”de Heitor Dhalia, e “Tatuagem”de Hilton Lacerda. O primeiro, empatado com “Faroeste Caboclo” como líder nas indicações (13 cada), conseguiu levar três troféus, incluindo o de ‘Melhor Ator Coadjuvante’ para Wagner Moura, que não compareceu porque está na Colômbia filmando a nova série de José Padilha, “Narcos”. “Eu estou um pouco triste pelo desempenho de ‘Tatuagem’ aqui no Prêmio, porque é um filme muito querido. Mas eu entendo que ele não se encaixa muito bem nesse tipo de premiação e estou feliz por estar aqui assim mesmo. Tem muita gente de Fortaleza e eu estou me sentindo bem à vontade, começando a me acostumar com o Rio”, comenta Jesuíta, que está se preparando para seu novo longa-metragem, “Língua Seca”, de Homero Olivettoo qual ele filmará ao lado de Nanda Costa e Cauã Reymond em pleno sertão nordestino.

Jesuíta Barbosa sendo lindo e talentoso (Foto: Zeca Santos)

Jesuíta Barbosa, como seus olhos de garoto que quer descobrir a vida, custe o que custar, ainda mais no modelito da coleção fall-winter14 da Prada  (Foto: Zeca Santos)

Outro destaque da noite é “Flores Raras”, que arrematou quatro prêmios, incluindo o de ‘Melhor Atriz’ para Glória Pires (estupenda!) e ‘Melhor Direção’ para Bruno Barreto. Glória, assim como Wagner Moura, também não pôde comparecer ao evento e mandou a filha Ana Morais, tão simpática quanto a mãe.

No início da premiação, tudo parecia indicar que “Flores Raras”, mesmo concorrendo em 12 categorias, seria aquele que é esnobado pela Academia, talvez por se tratar de cinemão tradicional, mesmo com sua excelente qualidade técnica, a delicadeza da história, a mão firme de Bruno Barreto e as interpretações comoventes de Glória e Miranda Otto.  E quando a produção, no início da noite, perde ‘Melhor Roteiro Adaptado’ para “Faroeste Caboclo”‘Melhor Efeito Visual’ para “Serra Pelada”, isso parecia se confirmar. Mas, pouco depois, o longa arrebata os prêmios de ‘Melhor Figurino’ (Marcelo Pies) e ‘Melhor Maquiagem’ (Ancelmo Saffi, Lucila Robirosa e Uirande Holanda), mas perde o de ‘Melhor Direção de Arte’ para “Serra Pelada”, o que dá a entender que esta edição do Prêmio contemplaria essas duas produções somente nas categorias visuais em um meio a meio. Sem dúvida, ambos os filmes revelam a tal supremacia técnica do momento atual que vive o cinema brasileiro, mas, dada a força de seus conteúdos, estão longe de se enquadrarem na tal ausência de utilidade que Domingos de Oliveira alertou.

Por isso, “Flores Raras” receber, no final da noite, dois prêmios importantes é, sem dúvida, bastante significativo, mesmo considerando o roteiro convencional e a maneira clássica de Bruno dirigir. Afinal, é importante valorizar também o cinema formal em seu aspecto mais tradicional, como Hollywood faz com cineastas ainda atuantes como Clint Eastwood, mesmo com a visível torcida de parte da plateia por produções como “Faroeste Caboclo”, ovacionadíssimo a cada vez que era destacado entre os concorrentes ou quando ganhava algum Troféu Grande Otelo.

Curiosamente, foi “Django Livre” quem venceu nas categorias ‘Melhor Longa-metragem Estrangeiro’ e ‘Melhor Longa-metragem Estrangeiro – Voto Popular’, desbancando produções como “A Grande Beleza” (de Paolo Sorrentino), “Amor” (de Michael Haneke) e “Azul é a cor mais quente” (de Addellatif Kechiche) e “Blue Jasmine” (de Woody Allen). Inesperado, considerando a qualidade dos concorrentes e o fato desta última produção de Quentin Tarantino ser boa, mas um filme menor na filmografia do diretor americano. Executiva da Sony Pictures no Brasil, Eloisa Winther recebeu as duas estatuetas, mas comentou com HT após a cerimônia: “Ficamos felizes por sermos agraciados por este fabuloso filme, mas é peculiar recebermos por um filme americano nesta premiação brasileira, quando a Sony também investe no cinema nacional hoje em dia”.

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No mais, impossível não destacar a presença de Paulo José, tanto nas cenas exibidas de “Todas as mulheres do mundo” quanto durante a cerimônia, de bengala, ao vivo e a cores, na hora de homenagear Domingos no palco. Aplaudido de pé no momento mais quente da noite, essa lenda viva prova que, mesmo com a idade avançada de 77 anos, ainda consegue magnetizar atenções, emocionando o público em pé de igualdade com outra parte da cerimônia que também puxou palmas calorosas: a hora em que o telão evocou aqueles que fizeram história na cinematografia nacional: Arduíno Colassanti, Eduardo Coutinho, Paulo Goulart, Ricardo MirandaVirgínia Lane, o produtor Roberto Bakker e José Wilker.

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Fotos: Zeca Santos

Confira abaixo o badalo da festa que aconteceu no Salão Assírio, do TRMRJ, após a premiação.

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Foto: Zeca Santos

Abaixo, a lista completa com os vencedores d0 13º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro

Melhor longa-metragem de ficção:
“Faroeste Caboclo”. Produção: Bianca De Felippes por Gávea Filmes e Produções, Marcello Maia por República Pureza e René Sampaio por Fogo Cerrado Filmes (108minutos)

Melhor longa-metragem de documentário:
“A Luz do Tom”, de Nelson Pereira dos Santos. Produção: Márcia Pereira dos Santos por Regina Filmes Ltda e Maurício

Melhor longa-metragem de animação:
“Uma História de Amor e Fúria”, de Luiz Bolognesi. Produção: Caio Gullane, Fabiano Gullane, Débora Ivanov e Gabriel Lacerda por Gullane Entretenimento, Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi e Marcos Barreto por Buriti Filmes

Melhor longa-metragem infantil:
“Meu Pé de Laranja Lima”, de Marcos Bernstein. Produção: Katia Machado por Pássaros Films do Brasil Audiovisuais Ltda.

Melhor longa-metragem de comédia:
“Cine Holliúdy”, de Halder Gomes. Produção: Halder Gomes e Dayane Queiroz por ATC Entretenimentos

Melhor direção:
Bruno Barreto por “Flores Raras”

Melhor atriz:
Gloria Pires, como Lota de Macedo Soares, por “Flores Raras”

Melhor ator:
Fabrício Boliveira, como João de Santo Cristo, por “Faroeste Caboclo”

Melhor atriz coadjuvante:
Bianca Comparato, como Carmem Tereza, por “Somos Tão Jovens”

Melhor ator coadjuvante:
Wagner Moura, como Lindo Rico, por “Serra Pelada”

Melhor direção de fotografia:
Gustavo Habda, por “Faroeste Caboclo”

Melhor direção de arte:
José Joaquim Salles, por “Flores Raras”

Melhor figurino:
Marcelo Pies, por “Flores Raras”

Melhor maquiagem:
Siva Rama Terra, por “Serra Pelada”

Melhor efeito visual:
Daniel Greco e Bruno Monteiro, por “Uma História de Amor e Fúria”
Robson Sartori, por “Serra Pelada”

Melhor roteiro original:
Kleber Mendonça Filho, por “O Som ao Redor”

Melhor roteiro adaptado:
Marcos Bernstein e Victor Atherino – adaptado da música “Faroeste Caboclo” de Renato Russo, Legião Urbana – por “Faroeste Caboclo”

Melhor montagem ficção:
Marcio Hashimoto, por “Faroeste Caboclo”

Melhor montagem documentário:
Marília Moraes e Tina Baz, por “Elena”

Melhor som:
Leandro Lima, Miriam Biderman, ABC, Ricardo Chuí e Paulo Gama por “Faroeste Caboclo”

Melhor trilha sonora:
Paulo Jobim por “A Luz do Tom”

Melhor trilha sonora original:
Phillipe Seabra por “Faroeste Caboclo”

Melhor curta ficção:
“Flerte” de Hsu Chien

Melhor curta documentário:
“A Guerra dos Gibis” de Thiago Brandimarte Mendonça e Rafael Terpins

Melhor curta animação:
“O Menino que Sabia Voar” de Douglas Alves Ferreira

Melhor longa-metragem estrangeiro:
“Django Livre”/Django Unchained de Quentin Tarantino. Distribuição: Sony Pictures