Em meio ao triste cenário de desvalorização cultural que assola o país, os trabalhadores da cultura têm buscado manter de pé o colorido universo artístico brasileiro, contribuindo com incríveis iniciativas, que vão da música às artes plásticas, passando pela dança, teatro e literatura. Neste mês de fevereiro, o advogado e pesquisador Onésio Meirelles aquece o mercado editorial com Zé Ketti e suas andanças por aí, importante registro biográfico de um dos maiores nomes da música brasileira, portelense e sinônimo de resistência. A biografia, lançada no último dia 12, é repleta de depoimentos de ícones da cultura nacional. Tem até mesmo um singular depoimento de Cartola, morto em 1980, sobre o amigo e autor da contundente “Opinião”, que o evidenciaria nacionalmente por compor o repertório do antológico espetáculo homônimo, na década de 1960, do qual Zé foi protagonista ao lado de Nara Leão e João do Vale.
“O Zé não era apenas cantor e compositor, mas um artista que também se engajou politicamente nas discussões sobre a luta de classes. Da MPB, foi inegavelmente um dos maiores contribuintes”, avalia Onésio, casado há trinta anos com Geisa Ketti, filha do compositor.
Quase 20 anos após a morte do compositor, Onésio confessa a tristeza e a decepção pela falta de reconhecimento: “Nós lutamos para que o nome dele estivesse em uma lona cultural da Prefeitura, mas infelizmente não conseguimos. Logo em seguida, observamos um movimento para que o nome de outros artistas viessem a batizar esses equipamentos. Sem desmerecer o trabalho alheio, mas não existe alguém tão bom quanto Zé Ketti”.
Justamente para preservar a memória do sogro, Onésio abraçou a responsabilidade de recontar a trajetória do artista. “Há uma grande negação de quem Zé Ketti e de sua importância, bem como de seu trabalho. Até hoje não vimos nada que o reverencie à altura. Não poderia ficar me lamentando, testemunhando o apagamento de sua memória. Decidi me dedicar ao livro”, explica.
Durante o processo de pesquisa e criação, que durou cerca de um ano, Onésio contou com a ajuda de Geisa. Em casa, pautado por materiais da própria família, o autor decupou uma série de depoimentos dos que conviveram com o compositor. E após se debruçar sobre as falas de Monarco, Cartola, Tânia Machado, Geisa e principalmente do irmão de Zé, Adilson Soledad, ele deu início ao trabalho. “Eu quis fazer uma obra com linguagem menos formal, que tivesse relação com a história do biografado. O Zé era um homem simples, diz.
Nascido e criado na Mangueira, tornou-se frequente desenvolver exercícios de comparação entre as realidades do presente e do passado: “Eu e o Zé éramos de tempos em que o Carnaval era cultura, hoje é comércio. Tudo mudou. A nossa festa está descaracterizada. É estranho ver como as escolas de samba se transformaram em um produto da classe média alta ao invés de se manterem no meio do povo preto e do morro, como era inicialmente. Agora, é difícil encontrar um presidente ou dirigente negro e nós, da velha guarda, não temos nenhum espaço. Se o Zé estivesse vivo, com certeza estaria lutando pela preservação das origens do samba”.
A importância de Zé Ketti para a cultura brasileira é indiscutivel. Tanto que já foi homenageado em várias ocasiões em projetos importantes. Zé Renato, integrante do Boca Livre, lançou em 1995, um trabalho inteiro dedicado ao sambista batizado “Natural do Rio de Janeiro”. Em 2007, o Prêmio Tim de Música (atual Prêmio da Música Brasileira) celebrou o portelense. E em 2016, o Bloco Timoneiros da Viola o exaltou como grande homenageado pelas ruas de Oswaldo Cruz e Madureira. Onésio destaca que no meio musical majoritariamente, sobretudo entre os sambistas, o trabalho de Zé Ketti é reconhecido e que a omissão se dá em decorrência da hostilidade da mídia. “Pergunte ao pessoal do samba quem é Zé Ketti e te dirão. O MC Livinho pode não conhecê-lo, mas a Dona Ivone Lara, o Cartola, que já se foram, bem como o Paulinho da Viola, ainda em plena forma, sempre souberam o o que ele significa para a nossa música”, alfineta o biógrafo.
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