Wendy Andrade posta uma foto de negro por dia para o projeto ‘Retrato Negro’: “A ideia é que as pessoas se vejam naquela imagem”


O projeto começou no dia 13 de maio de 2016, data em que é comemorada a abolição da escravatura no Brasil. Em entrevista, o artista contou que não importa se o fotografado é homem, mulher, jovem, criança, idoso e nem onde mora. O único pré-requisito é que a pessoa se reconheça negra

Postar uma foto de um negro diferente por dia durante um ano. Essa é a missão do fotógrafo Wendy Andrade, autor do projeto “Retrato Negro”, até o dia 13 de maio de 2017, data em que é comemorada a abolição da escravatura. A ideia, que foi colocada em prática no mesmo dia histórico desse ano, busca promover o reconhecimento de pessoas negras através da fotografia. Em entrevista ao HT, Wendy, contou que o projeto surgiu a partir de uma inquietação pessoal. “Foi uma época em que eu passei a me perguntar o que o meu trabalho estava representando e transmitindo para as pessoas. Então, parecia que eu estava vivendo um momento de robô, em que eu ia, apertava um botão e voltava. Não tinha significado nenhum, qualquer pessoa poderia fazer aquilo. Isso acabou me assombrando por um bom tempo. Nós estamos sempre buscando a satisfação, tentando fazer história. E, embora eu estivesse ganhando espaço no mercado da fotografia, não estava me satisfazendo como pessoa”, explicou Wendy.

*Confira algumas fotografias do projeto Retrato Negro ao longo da matéria.

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Em tempos de redes sociais, em que existem diversas campanhas a favor de mulheres, negros e gays, por exemplo, Wendy disse que, apesar de acompanhar todos esses movimentos, nunca havia se manifestado em prol dessas causas. E, após a apresentação de Beyoncé no Super Ball desse ano, em que as bailarinas da musa vestiram o uniforme do “Partido das Panteras Negras” – movimento anti-racista que tinha como objetivo proteger os cidadãos negros contra a violência praticada pelos policiais de Oakland, na Califórnia –, Wendy Andrade percebeu que era o momento de deixar sua marca. “Estava todo mundo falando sobre esses assuntos e eu percebi que precisava achar uma forma para abordar a questão do negro. Mas eu ficava em uma linha tênue sem saber como falar de racismo. Eu quero que sintam pena de quem está na fotografia, mas sim, empoderamento, beleza. E, em um desses pensamentos, eu vi que tinha que falar sobre o preconceito contra os negros com o que eu sei fazer de melhor, que é fotografar”, explicou Wendy que, embora afirme que ainda não sabe onde quer chegar com o projeto, já recebeu convites de museólogos para exposições em centros culturais do Rio de Janeiro. “Retorno muito positivo”, completou.

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Hoje em dia, é inegável que esses grupos, que antes eram tratados como minorias, estejam ganhando mais representação a partir de movimentos e campanhas, principalmente com o uso das redes sociais. E, fazer um trabalho como esse e nesse momento de empoderamento pelo qual estamos passando, é motivo de orgulho para o fotógrafo. “É me reconhecer como negro. Em um momento tão importante no qual estamos vivendo e discutindo valores que antes eram fixos e inquestionáveis, participar de uma mudança de mundo é importante não só para minha história, mas para história do meu país. Quando me perguntam se eu estou ganhando dinheiro com esse projeto e respondo que não, as pessoas se surpreendem e indagam porque gasto meu tempo fotografando pessoas de graça. Mas para mim, não é um trabalho, e sim uma causa”, afirmou.

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Homem, mulher, criança, idoso. Não importa a idade, a orientação sexual e a região que mora na urbe maravilhosa. Segundo ele, o único pré-requisito necessário é que a pessoa se reconheça negra. “A escolha é muito sensível. A primeira pergunta que eu faço antes de convidar para fazer parte do projeto, é como ela define a sua cor. Se a resposta não for negra, eu nem prossigo a conversa. Porque, independente se é moreno claro ou índio, ela precisa se reconhecer negra”, afirmou o fotógrafo que procura pessoas desconhecidas pelas redes sociais e entra em contato por inbox para fazer o convite. Inicialmente, Wendy nos contou que queria fotografar só pessoas de fora do seu grupo de amigos. Porém, com o sucesso do trabalho e a solicitação dos companheiros, o fotógrafo acabou ampliando o leque de opções. “Não fazia sentido fotografar só os meus amigos e pessoas que estivessem a minha volta. Só que está acontecendo de eu tirar foto de gente que eu conheço, porque olham e me pedem para fazer parte. E não tem como dizer não. Estou abrindo um campo para todos. Até porq ue eu não tenho critério para escolha, pode ser qualquer negro”, explicou.

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Em relação ao lugar do registro, o autor do projeto “Retrato Negro” é bem direto: “Topo tudo!”. O principal objetivo de Wendy com a escolha do lugar, de acordo com ele, é que o fotografado se sinta à vontade e reconhecido naquele ambiente. “Eu geralmente pergunto onde e como a pessoa quer ser fotografada. Se ela não tem referências e nem ideias, eu sugiro alguns lugares. Mas se ela já tem um lugar em mente, eu topo. A ideia do projeto é que as pessoas se vejam naquela foto. A partir desse reconhecimento, minha ideia começa a fazer sentido, porque emporderá-las fora do contexto que ela se reconhece não tem sentido nenhum para mim”, declarou Wendy.

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No entanto, um projeto tão denso como esse não poderia ter uma produção muito simples. Wendy, que também é estudante de Publicidade e Propaganda da PUC-Rio, disse que um dos desafios para a rotina diária de shottings é combinar os seus horários de aulas e trabalhos com os da pessoa fotografada. “Quando eu abordo alguém e ele topa, ainda existe um processo para combinar o horário e o local que sejam adequados para fazer a foto. Cada um tem o seu tempo e é preciso respeita-lo”, citou. Porém, não é a única. “Outro desafio é encontrar pessoas idosas. Eu quero muito fotografar os mais velhos, mas ainda existe uma dificuldade muito grande em achar essas pessoas. Já estou começando a marcar algumas datas esse mês para um trabalho de campo e fotografar na rua mesmo”, disse.

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Ah, e, infelizmente, tem mais um obstáculo até a foto ser postada. Além de se assumir extremamente crítico com o seu trabalho, Wendy, para se complicar, ainda tira entre 200 e 300 fotos por ensaio. Sim, caros leitores, para escolher apenas um retrato, o fotógrafo faz mais de 200 cliques para garantir. E depois? “Eu fico confuso, passando foto para lá e para cá. Peço ajuda a alguns amigos que estão trabalhando como curadores, mas ninguém consegue dar muita certeza. Na maioria das vezes, fico entre 3 e 5 fotos que são muito boas. Mas é horrível, fico me matando para escolher apenas uma foto”, afirmou. Realmente, não deve ser fácil, ? Porém, Wendy nos contou que pretende fazer alguma coisa, que ainda não sabe o que, com as fotos que não foram escolhidas. Afinal, não é justo que sejam arquivadas e esquecidas na nuvem. Vamos esperar!

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*Para acompanhar as postagens diárias do projeto, clique aqui ou siga o autor no Instagram (@_wendyandrade).