*Por Karina Kuperman
“É impossível esquecer o que vivi”. Foi esse o título que Bruno Gouveia, vocalista do Biquini Cavadão, escolheu para sua autobiografia, lançada essa semana, na Livraria da Travessa, no Shopping Leblon. No livro, o cantor mistura sua própria história com a do rock brasileiro, lembra o início da banda e entra em detalhes profundos de sua vida, como a morte do filho, Gabriel, vítima de um acidente de helicóptero em 2011, quando tinha dois anos. “Várias partes foram muito marcantes na hora de escrever e eu sabia que precisaria falar dessa de alguma maneira, e que seria bom para quem passa por algo desse tipo. Uma das primeiras coisas que eu tive que dizer a mim mesmo foi, logo no começo, em vez de me perguntar ‘por que isso aconteceu comigo?’, era ‘por que não? Por que só poderia acontecer com os outros?'”, relata. “Fui salvo pelo amor de tantas pessoas, meus familiares, minha mulher Izabella (Brant), amigos da banda, pessoas que eu não conheço, mas que em algum momento, emanaram força positiva. Eu tenho certeza que isso ajudou”, diz.
Menos de uma semana após o ocorrido, Bruno já havia retornado aos palcos: “Era necessário. O palco curou minhas feridas. Depois de dois dias trancado dentro de casa, eu precisava estar ali para superar tudo aquilo. Liguei para o escritório e pedi ‘não desmarquem nada’, porque, aí sim, eu ia entrar em parafuso”, explica. “Os primeiros shows foram marcantes e difíceis, mas eu entendi que a vida é esse livro que temos que continuar escrevendo. Que não devemos olhar com dor o que vivemos, e que, depois de uma perda horrível, ainda podemos viver novas alegrias. Queria que as pessoas pudessem ter essa visão”, destaca.
Elogiado por público e crítica pela narrativa – quase como se tivesse contando sua história a amigos -, Bruno revela que a experiência com o “Blog do Biquini” durante dez anos (ele escreveu entre 2002 e 2012) ajudou muito. “Era uma maneira de bater um papo com quem gostava da gente. Depois criei a fanpage no Facebook, com textos, sempre busquei ter essa conversa, então essa narrativa do livro foi muito natural”, diz ele, que elege as 50 primeiras páginas como as mais prazerosas de lembrar: “Foi muito especial contar minha infância. É um processo de busca na memória de sensações que eu tinha naquela época. Falar de antes do Biquini foi muito importante para, como disse Steve Jobs, ligar os pontos”, descreve, referindo-se ao discurso do CEO da Apple em Harvard e que viralizou pelo mundo.
O rock, atualmente, ainda é deleite para Bruno, que consegue traçar um paralelo entre os anos 80 e os dias atuais. “Acho que falar que o Biquini é grande representante do rock nacional é legal, mas falar ‘até hoje’ é melhor ainda, porque refere-se a continuidade de um trabalho criado e desenvolvido por garotos que tinham 18 anos e, hoje, aos 50, ainda estão na preferência de um público que se manteve e se renovou. Isso é motivo de muito orgulho”, ressalta. “O rock começou na década de 80 com a Blitz quebrando as paredes das gravadoras mostrando que era viável, sim, termos grandes bandas de rock cantando em português. Isso abriu espaço para que várias outras contratações fossem feitas e novos talentos aparecessem, como Herbert Vianna, Renato Russo, Arnaldo Antunes, Cazuza… e muitos outros. Era uma época em que havia o funil das gravadoras. O Biquini surgiu em uma época que tínhamos que ganhar o radialista na base do fã pedindo música. Quando começamo a falar daquela época parece que fica perdida no século passado. Depois veio uma segunda leva de pessoas da nossa década, mas que só vieram a estourar 10 anos mais tarde, como foi o caso do Skank, Charlie Brown Junior…”, cita.
Mas o sucesso não era um sonho para Bruno. “No meu caso, virar um rockstar aos 18 foi apavorante. A gente ouve histórias de pessoas ralando a vida toda, que querem isso desde pequenos, e não era meu caso. Tanto que às vésperas de assina o contrato pensei em desistir, porque achava que não era meu caminho, acabei convencido de que se fosse ruim a gravadora seria a primeira a desistir”, lembra, aos risos. “Eu me toquei do sucesso logo na primeira música, mas foi no terceiro disco que eu vi que não tinha mais volta. O Biquini já era parte de tudo que eu queria e amava fazer e a faculdade ficou em segundo plano”, conta ele, que, aos 18, era um menino tímido. “Na verdade ainda sou, para algumas coisas. Mas perdi um pouco, porque precisei aprender a falar em público, me expressar. Mas sempre que existe uma pessoa que tenho interesse em conhecer, ou que admiro, me sinto acanhado. Mesmo quando é em uma roda de amigos. Sou mais recluso, mas, com o tempo, vou me soltando”, revela.
E qual será a visão de Bruno do ritmo no cenário atual? “Tem muita gente boa. As pessoas ficam tentando falar que nós éramos os ‘bons tempos’, mas a verdade é que muita gente tem preguiça e olhar o cenário. Eu curto muita coisa nova, vejo gente fazendo e acontecendo, só que é um universo grande e competitivo, e, por conta da internet, muita gente acaba ficando no escuro, mas com uma garimpada descobre-se muita coisa boa”, garante.
Artigos relacionados