*Por Fabiane Pereira
Cantora, compositora, percussionista, atriz, escritora e feminista: Karina Buhr executa, como toda mulher moderna, muitos papeis. Equilibrar pratos – e dar conta de todos eles – tornou-se, já há algumas décadas, uma característica intrínseca da mulher que vive em sintonia com seu tempo.
Karina Buhr nasceu em Salvador e ainda criança mudou-se pro Recife onde viveu a forte cena musical da cidade nos anos 1990. Desde 2003 mora em São Paulo e vive da sua arte, que é composta por música, poesia, cartas, recados, bilhetes, crônicas e desenhos. E foi de toda esta mistura que nasceu seu primeiro livro, o ótimo “Desperdiçando Rima”.
Já no prefácio – que apesar da tentação do trocadilho é uma peleja – Karina deixa claro que não há um assunto específico que ligue os textos: “Não existe isso de tema. Tema é qualquer coisa que respirar ou que a gente suspirar quando vê,” escreve. A autora confessa ainda que fez as pazes com os livros, e consequentemente com a leitura, dentro do avião já que “lá em cima” não tem internet e ela pode “ler em paz”.
Amor, guerra, a rua, a luta, o feminino (os desenhos do livro retratam, quase sempre, o corpo da mulher), o tempo, o feminismo (“campo minado/o inimigo de dentro é o mais forte”), olhares para dentro e para fora são encontrados em prosa, verso, fragmentos e ilustrações. Não tem como o livro ser uma coisa só já que sua autora é tantas ao mesmo tempo. Há quem diga ser um livro de intersecções, entre música e literatura, poesia e crítica, pessoal e público.
“Desperdiçando Rima” faz bom uso das palavras. Assim como os versos do seu terceiro e mais recente disco, “Selvática”. Quem mergulha na obra de Karina certamente vai perceber que ela é bem-sucedida tanto em sua narrativa escrita quanto na oralidade de suas canções. Acompanhar Karina nas redes sociais ou através de sua obra é ter a certeza de estar “próxima” de uma mulher com uma trajetória interessante, com objetivos urgentes e com posicionamentos políticos bem definidos. Os cariocas que ainda não conhecem a verve cantora de Karina Buhr terão a chance de vê-la no palco do Circo Voador no dia 1º de julho.
Confira o papo na íntegra com a cantora:
HT: “Desperdiçando Rima” é composto de poesias, cartas, recados, desenhos, crônicas…você já tinha todo material numa gaveta (mesmo sendo inédito) e o reuniu neste primeiro livro ou criou muita coisa após o convite da editora?
KB: Criei a maior parte das coisas especificamente para o livro. Alguns textos, uns quatro, publiquei na minha coluna mensal na Revista da Cultura, mas mesmo esses acabei modificando pro livro.
HT: Entre o convite para lançar o livro e seu lançamento, quanto tempo levou?
KB: Não sei exatamente, alguns meses, acho que nove.
HT: Quando (idade/época) você percebeu que viveria profissionalmente da sua arte?
KB: Sempre desconfiei disso e daí percebi de verdade quando já estava vivendo dela, não sei exatamente em que ano e com quantos anos, mas foi na década de 90.
HT: Você deixa claro no prefácio que não há um tema específico no livro. “Tema é qualquer coisa que respirar ou que a gente suspirar quando vê”. Isso vale tanto pras suas poesias impressas quanto pras cantadas? O que te inspira a compor?
KB: Muitas vezes tem sim um tema, isso foi especificamente sobre o livro. Qualquer coisa pode me inspirar ou não a compor, não tem uma regra ou um tipo de caminho que eu siga de trabalhar com isso. É muito intuitivo mas também depende do tipo de trabalho. Às vezes existe um convite pra escrever sobre um tema específico ou eu mesma penso num tema, não existe um padrão pra isso na forma como faço.
HT: Você é uma das cantoras ícones deste novo feminismo que vemos tomando as ruas. No seu mais recente álbum, Selvática, a temática que você já vinha exercitando fica mais clara. A urgência em se pensar/falar/agir sobre igualdade de gênero te toca a que ponto?
KB: Na verdade meu feminismo é velho e acaba se misturando também com novos feminismos, isso é sempre muito bom. Tenho 42 anos e desde criança esse é um assunto meu na família, nas rodas de amigos, nas minhas músicas e textos, toda hora, em todo lugar. Igualdade de gênero me toca no sentido da minha existência, não existe um momento separado pra isso, é urgente, é a todo instante e é muito cansativo, porque é como se fosse um assunto extra, quando é simplesmente sobre a vida, a existência das mulheres.
HT: Em Eu sou um monstro tem o verso “Hoje eu não quero falar de beleza/ Ouvir você me chamar de princesa”. Como você acha (ou intenciona) que sua arte fomenta ideias igualitárias no público que ouve sua música seja indo aos seus shows, seja ouvindo sua música tocar no rádio ou na web?
KB: Existe uma interação muito grande e isso é muito valioso pra mim. Muita gente me escreve, me fala nos shows, me manda vídeos das filhas cantando minhas músicas, acho que a ideia principal está chegando em muitas pessoas e isso é muito emocionante e precioso pra mim. Muitas meninas pequenas vem fazer perguntas ou dar opiniões sobre o que escrevo, é um retorno muito especial.
HT: Como você vê a atual conjuntura sócio-política do país baseada no que rolou recentemente com a extinção do MINC e as falácias sobre “artistas serem vagabundos e abusarem do dinheiro público”?
KB: Essa é uma visão que sempre existiu e não vai deixar de existir. As sociedades têm uma relação de amor e ódio com quem faz arte, o problema é quando isso é validado por uma política que se sente no direito de extinguir um ministério na cultura. Então não estamos bem, realmente. Sobre “abusar de dinheiro público” isso é só um argumento baseado na ignorância mesmo, de pessoas que não têm a menor ideia de como funcionam as coisas. Com essas pessoas e ideias prefiro não perder tempo.
HT: Movimentos como o feminista e o Ocupa Minc dão a você novas e boas perspectivas de melhoras futuras?
KB: Sim e vários outros também. Mas ao mesmo tempo mostram o quanto a gente pena sem sair do lugar.
HT: (Meio que) Parafraseando seu verso “Distorcendo o Poeta”, publicado em Desperdiçando Rima, do que você tem medo e pra quem ou pra quê você diria foda-se?
KB: Não costumo ter muito medo. Digo foda-se pra Michel Temer e para a Polícia Militar genocida.
*Fabiane Pereira é jornalista, pós graduada em “Formação do Escritor”, sócia da Valentina Comunicação — empresa voltada para criação, divulgação e produção de projetos musicais e literários — apresentadora, roteirista, produtora e programadora musical do programa de rádio Faro MPB, da Rádio MPB FM.
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