Cinquenta tons de nude: projeto fotográfico mapeia cores da tez humana na escala Pantone!


Que Christian Grey, que nada! A onda é pele, e não cinza! Fotógrafa brasileira clica desconhecidos para extrair cor da epiderme através desta classificação internacional de cores

Cores sempre fizeram parte da vida da fotógrafa brasileira Angélica Dass. Nascida em uma família que ela mesma define como “colorida”, com parentes negros, índios e brancos – suprassumo do Brasil -, ela resolveu provar para si mesma e para o mundo que o tom da pele vai muito além de meras classificações como negro, pardo ou branco.

Com base na escala internacional Pantone, mapeamento de cores que também se tornou pop no universo da moda, Angélica passou a fotografar diferentes pessoas afim de descobrir a verdadeira cor de cada um. No sentido literal. Ao total, 250 pessoas comuns resolveram participar do Humanae, projeto de mestrado que ela faz atualmente em Madri, na Espanha. “Meu plano é viajar o mundo para catalogar a infinidade de cores de pele que existem ao redor do globo”.

Formada em estilismo pelo Senai Cetiqt, ela passou pelos cursos de indumentária na UFRJ, uma pós-graduação em jornalismo na UNED, em Madrid e, por fim, uma pós em fotografia artística e conceitual na EFTI (Associação de Formação de Trabalhadores em Informática). Não é à toa, portanto, que seu trabalho tem tantas referências de moda.

Humanae é um inventário cromático, um projeto que reflete sobre as cores muito além das fronteiras dos códigos sociais, classificando – de maneira científica, quase aristotélica -, o esquema de cores na pele. Baseado em uma  série de retratos, cujo fundo é tingido com o exato Pantone da pele do retratado, após a extração de uma amostra de 11×11 pixels do rosto do modelo em questão. O objetivo do projeto, claro, é registrar e catalogar todos os possíveis tons de pele humana.

Angelica conta que a busca para destacar cada gama é intensa, trabalho árduo, mas que vale o esforço, já que o resultado alcança variações verdadeiras, muito mais realistas que a simples -e ultrapassada! – codificação das pessoas através de meros vermelho, amarelo, preto e branco. No fundo, trata-se de uma espécie de jogo do bem, criado para subverter aqueles códigos pré-estabelecidos que levam ao preconceito e à exclusão. O objetivo final, óbvio,  é provocar questionamentos e fazer uso da internet como uma plataforma de discussão sobre a identidade étnica, criando imagens que levam os indivíduos a se corresponder de maneira muito mais estreita, independente de fatores externos, tais como nacionalidade, origem, status econômico, idade ou padrões estéticos.

Todo os retratado são voluntários, pessoas que se identificam com o projeto, visitam o espaço em que a fotógrafa trabalha, decidindo participar por conta própria. O processo para tomar parte nessa empreitada, aliás, é tão simples quanto o objetivo da coisa: um chamado é feito pela internet na página do Facebook e no Tumblr, usando espaços públicos em Madrid , Barcelona, ​​Paris, Chicago e até Rio de Janeiro. A próxima parada, por sinal, será na Suíça.

A taxonomia fotográfica raramente foi realizada nessas proporções até agora, e aqueles que precederam Angélica eram personagens notórios do século 19 (ou da Alemanha nazista) que, por várias razões -, médicas, administrativas, legais ou antropológicas – fizeram mau uso desse tipo de fotografia para estabelecer diferenças, quase sempre como formas maquiadas, amparadas em verdades questionáveis, para exercer o controle social ou poder. A mais conhecida é a dos retratos de identidade, iniciadas por Alphonse Bertillon. Louvável. No entanto, essa nova taxonomia inventada por Angélica tem a Pantone como referencial, o que dá à coleção um grau de horizontalidade hierárquica que dilui a falsa superioridade de algumas raças sobre outras, com base na cor da pele ou condição social.

Assim, sem alarde, mas com a simplicidade extraordinária desta metáfora semântica, a artista faz um deslocamento “inocente” do contexto sócio-político do problema racial, transportando a questão para um universo seguro, onde as cores primárias têm exatamente a mesma importância que as mistas, desmistificando tolas (mas prejudiciais) ideias pré-concebidas

Por Rafael Moura

Fotos: Divulgação