*Por Rafael Moura
O Museu Casa do Pontal está instalado em um sítio de 5.000 m², no Recreio dos Bandeirantes. Seus amplos jardins, projetados por Burle Marx, foram especialmente desenhados para promover uma perfeita integração entre a vegetação, as galerias do museu e a reserva ecológica que se estende em torno. É considerado o maior museu de arte popular do Brasil, com um acervo de 8.500 mil esculturas, sendo 4,5 mil obras em exposição permanente e 3 mil na reserva técnica. A coleção já foi vista por mais de 3 milhões de visitantes, nas extensas galerias expositivas da sede e nas mais de 60 exposições realizadas no Brasil e no mundo nos últimos anos. Em 2018, a casa bateu seu recorde de público anual: o acervo foi contemplado por mais de 190 mil pessoas.
Entenderam toda a grandiosidade desse espaço? Pois é, o maior acervo de arte popular do Brasil está fechado ao público! Lembra daquela chuva que caiu no Rio de Janeiro, em abril? Segundo o Alerta Rio foi a mais forte nos últimos 22 anos e o Museu Casa do Pontal foi gravemente atingido. Após quase 24 horas, um imenso volume de água barrenta invadiu os corredores do centro cultural. A lama tomou as galerias, a reserva técnica, o espaço educativo e as salas administrativas. O nível nos jardins foi tão alto que chegou a um metro e na galeria da exposição permanente, chegou a 60cm.
Funcionários e ex-funcionários agiram rápido e conseguiram retirar 300 obras que estavam prestes a serem atingidas pela água. Passados 51 dias, o Museu Casa do Pontal ainda se encontra fechado. As equipes continuam fazendo a limpeza e conversação do espaço para garantir a segurança do acervo. Grande parte da estrutura de madeira das vitrines expositivas e da reserva técnica foram danificadas.
O diretor executivo do museu, Lucas Van de Beuque, conversou com o site HT e falou sobre a importância do museu para a cidade do Rio de Janeiro. “O museu tem uma dimensão importantíssima, tanto para o turismo quanto para a educação de jovens e artistas. O nosso acervo tem a missão de contar as histórias das diversas artes brasileiras. São verdadeiras narrativas sensíveis cheias de formas e cores. É uma coleção muito viva. É um lugar em que os vários Brasis se encontram, afinal, a nossa cidade é uma grande porta de entrada do país. Por ano passam em média são 20 mil crianças de escolas de todo estado pelo museu”.
A instituição entende a educação como uma de suas missões. As visitas escolares, seminários e materiais educativos procuram estimular que estudantes, educadores e o público entenda a tamanha complexidade e a riqueza estética da arte popular, afastando e rompendo estereótipos que determinam historicamente este campo. As obras narram a história brasileira pelo ponto de vista das criações de artistas populares e dos costumes simples, dos hábitos, das práticas do dia-a-dia, contados a partir dos testemunhos e depoimentos que integram a coleção. “No Brasil, a nossa formação artística vem muito pela cultura americana e das artes eurocêntricas. Falta um equilíbrio para a nossa produção plástica, tanto para os artistas ‘formais’ quanto para os populares”, enfatiza Lucas.
O museu por 20 anos foi mantido por seu fundador, o artista e colecionador Jacques Van de Beuque (1922-2000), avô de Lucas. A partir de 1996, estabeleceu-se uma rede de patrocinadores e parceiros que têm viabilizado a manutenção de suas atividades permanentes e a realização de projetos de extensão. Desde 2016, com a crise financeira que afetou o Brasil, gerando impactos significativos na cultura, os patrocínios foram reduzidos drasticamente.
Para o gestor, a responsabilidade de manter essa memória viva é imensa. “Vai desde o campo da arte popular, ao patrimônio brasileiro; a paixão e o compromisso da minha família, incluindo a memória do meu avô e os laços da cultura brasileira. Nós últimos três anos tem sido muito difícil, principalmente pela redução dos patrocínios, por isso, estamos realizando mostras e exposições pelo Brasil para mantermos as portas abertas. Passamos de 40 para 14 funcionários. Nosso fundo de emergência que era de R$1,5 milhão passou para R$ 15 mil. Perdemos patrocinadores muito importantes, como a Petrobras que nos apoiou por 14 anos”, pontua.
“Essa inundação serviu como um alerta para a sociedade e para nós profissionais da cultura. Precisamos cada vez mais entender como nos conectar com as pessoas para construir um futuro melhor para o Brasil”, ressalta Lucas e completa. “Precisamos sair do nosso lugar, que nunca foi de conforto, e tentar se comunicar com as pessoas que ainda têm paixão pela cultura e pelos museus. Por isso criamos essa campanha de financiamento coletivo. Queremos mobilizar todos os apaixonados pela arte popular, para juntos reabrirmos o Museu do Pontal e mostrar que nós brasileiros nos importamos com o nosso patrimônio”, explica.
A inundação de abril de 2019 foi o resultado da urbanização, autorizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, no entorno da sede da Casa do Pontal. Com as obras, o terreno onde o centro cultural ficou abaixo da cota das novas ruas. Um estudo da COPPE/UFRJ realizado em 2014 recomendou a mudança da sede do museu com a construção de uma nova edificação em outro terreno. A administração do Rio reconheceu em 2016, no segundo mandato do ex-prefeito Eduardo Paes, sua responsabilidade e cedeu um terreno na Barra da Tijuca, com a promessa de garantir recursos para a construção de uma nova sede.
As obras começaram em junho de 2016 e estavam previstas para terminar em julho de 2017. Mas, quando faltavam apenas cinco meses para sua conclusão, foram interrompidas por falta de pagamento. Há dois anos, a Prefeitura afirma que retomará as atividades, mas nada aconteceu. “A obra está parada tem dois anos. Precisamos apenas de cinco meses para encerrar as obras e abrir essa nova sede. Nós passamos por quatro inundações aqui. Estamos pensando em alternativas para retomar a obra”, salienta o diretor.
O executivo ainda explica que os problemas surgiram depois do início das obras para construir um condomínio ao lado do museu. “Os prédios foram aterrados 1,5 metro acima do nível do museu. Então, possivelmente, não tiveram nenhum problema com a inundação. Ocorre que a Casa do Pontal fica 1,5 metro abaixo, recebendo toda a água que vem da montanha”. Nesse contexto, enquanto a nova sede não é concluída, o financiamento coletivo será fundamental para manter o acervo em segurança no atual endereço. “O museu está fechado, com as vitrines destruídas e com a falta de investimento governamental resolvemos nos mexer e pedir ajuda a sociedade e fizemos uma campanha no Benfeitoria que está aberta até o dia 23 de junho (dia de São João)”, conta o diretor.
Com essa ajuda Lucas pretende atingir duas metas: “a primeira é reabrir o museu com 1.000 obras das 4.500 permanentes. A segunda é reabrir a casa toda. Faremos uma grande comemoração com uma das maiores manifestações populares da nossa cultura, a festa junina, que será dia 13 ou 20 de julho. O evento será apenas para quem participar da campanha de crowdfunding. No domingo seguinte as portas serão abertas ao público apaixonado por arte popular”, explica e ainda faz alerta: “No Rio de Janeiro não podemos ficar esperando o poder público. Temos que criar caminhos e alternativas para reverter esse ciclo de perdas. A sociedade precisa participar ativamente dos movimentos culturais e contribuir com soluções criativas para mudar essa triste realidade”.
Enquanto o espaço não é reaberto, os cariocas podem conferir uma parte desse acervo no Espaço Cultural BNDES com a exposição FRONTEIRAS DA ARTE – CRIADORES POPULARES, uma produção do Museu Casa do Pontal, na Galeria do Espaço Cultural BNDES. Com a proposta de provocar o público a rever seus conceitos sobre arte e artistas do universo popular, a mostra apresenta um conjunto de 100 esculturas e modelagens feitas por 27 autores de todo o país. A visitação acontece até 28 de junho, das 10h às 19h e tem curadoria de Angela Macelani. “Acreditamos que a exposição será uma oportunidade para o público pode ver o acervo do Museu Casa do Pontal, que nesse momento está fechado após sofrer a pior inundação de sua história, com as chuvas dos dias 9 e 10 de abril”, ressalta Angela.
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