Rocinha em Cena: “A arte respira dentro da favela!”, diz o idealizador do projeto


Léo Godoi, criador e professor do REC, assumiu que desistir nunca foi uma opção: “O meu sonho é colocar a minha geração em um livro de história como a geração que mais se preocupou com os pobres”

Gerado pelo sonho de propagar amor por meio da arte, o projeto Rocinha em Cena (REC) surgiu em meados de 2015 e vem crescendo cada vez mais. Hoje, com espaço fixo, o REC disponibiliza aulas gratuitas de teatro, Inglês, grafite, além de reforço escolar e estudo bíblico. O site HT conversou com o idealizador Léo Godoi que, por meio desse projeto, já ajudou mais de 100 crianças e suas famílias.

Léo comanda o REC sem nenhum apoio financeiro. (Foto: Reprodução)

O jovem de Goiás com o sotaque bem característico da sua terra, chegou ao Rio de Janeiro para estudar teatro. Ao avistar a maior favela da américa latina pela primeira vez decidiu que ali estaria o seu futuro. “Passei em frente à Rocinha e foi amor à primeira vista. Eu olhei e percebi que precisava estar ali. Sempre tive esse pensamento, onde não tem paz é onde eu quero estar”, contou Leo, que faz parte de projetos humanitários desde os 12 anos de idade. Sempre impulsionado pelos pais, o jovem que já esteve envolvido em ações sociais em presídios, asilos e até no continente africano, começou o maior projeto de sua vida.

Com a ideia inicial de dar aulas gratuitas de teatro para a infância e juventude da periferia, Leo contou com a ajuda de pessoas já inseridas no local: “No início, eu dava aulas dentro de uma escola de surfe já conhecida, que ajudou a inserir o projeto na comunidade. Eu fui fazendo amizade com as crianças e com as famílias, mas comecei no pé do morro e só depois eu fui subindo aos poucos”. Como a Rocinha ainda é um território dominado pelo tráfico, o jovem precisou além de conquistar as famílias, demonstrar que estava ali para gerar mais oportunidades para as crianças.  “Eles sabem que o trabalho que eu desenvolvo é do bem”, admitiu.

Depois de conquistar a comunidade por meio do seu trabalho, o projeto enfrentou ainda mais obstáculos, e a falta de um local físico foi o maior deles.  “Eu fiquei na Escola de Surf, depois ela entrou em reforma e eu tive que ir para outros lugares. Teve um tempo que eu fiquei sem lugar nenhum, mas não podia abandonar os meus alunos. Pegava as crianças em casa, levava elas pra praia de São Conrado e dava aula na areia. Nunca pensei em desistir do projeto”, desabafou o professor, que tenta ao máximo se inserir na realidade de vida de seus alunos e suas famílias. O que contribui para que ele perceba a enorme desigualdade social que ainda assola o Brasil. A Rocinha, sendo um concreto exemplo dessa disparidade, abraça alguns bairros da Zona Sul que contém o metro quadrado mais caro da capital. Enxergando essa desigualdade como desumana, Leo busca fazer a diferença e amenizar a situação. “O meu sonho é colocar a minha geração em um livro de história como a geração que mais se preocupou com os pobres”, afirmou.

Mais de 100 crianças e famílias já foram auxiliadas pelo Rocinha em Cena. (Foto: Reprodução)

Apesar da força da atual juventude, ele admite que há muitos riscos no caminho: “É muito potencial, mas pode se perder. Para você ter noção, o Instagram tem muito mais valor na vida dos jovens do que uma pessoa que passa fome. Nós cuidamos da nossa rede social, do nosso feed, mas temos muita dificuldade em cuidar de pessoas. O ‘ter’ é visto como muito mais importante que o ‘ser’. Isso está errado”.

O projeto, que já ajudou mais de 100 crianças, não recebe nenhum tipo de auxílio privado ou público. “Hoje a gente não tem o apoio financeiro de ninguém. Sobrevivemos do nosso bolso. Eu lidero e tem mais uns 15 voluntários, mas no máximo 3 ajudam frequentemente com o financeiro”, desabafou ele, que no final de 2017, viu o seu sonho crescer.  Com o objetivo de estar sempre próximo das famílias, o professor chegou ao terraço de uma delas e percebeu que ali seria o espaço perfeito para o REC acontecer: “Eu estava lá e fui até a laje para ajudar a estender a roupa. Quando eu subi, coloquei o pé ali e pensei ‘é aqui que o meu projeto vai funcionar’”.

Durante as obras que transformaram a laje em um espaço confortável para os alunos, Leo convidou o famoso grafiteiro Wark, também morador da Rocinha, para dar vida e cor ao local. Nesse momento, o projeto se expandiu: “Ele gostou muito e falou ‘Léo, posso dar aula de grafite aqui?’. Nisso, eu já tinha outra aluna do REC que fala inglês e ela se tornou professora voluntária também. Agora temos, além do teatro, aula de grafite, inglês, reforço escolar e estudo bíblico aos sábados. Depois que conseguimos o nosso espaço, o REC cresceu muito”.

Leo e o vice-presidente do REC, Caio Rehder (Foto: Reprodução)

Muito feliz de fazer a diferença, Leo admitiu que enxerga a favela como berço de grandes e talentosos artistas. “Eu acho que dentro da periferia existem muitos artistas. Eu costumo dizer que a arte respira dentro da favela. Só que não tem investimento, é complicado, mas eu sinto o ar artístico lá dentro mais forte do que fora”, afirmou ele, que acredita na importância do REC no sentido de disponibilizar as oportunidades que faltam. “A minha luta é levar oportunidade para essas crianças. Fazer o Rocinha em Cena ser um polo cultural e profissionalizar essa área. Mostrar para as crianças que elas podem e conseguem. Nosso objetivo é amar mesmo”, explicou.

Para ele, o que falta para o projeto crescer ainda mais, são pessoas voluntárias que levem a luta adiante, além das parcerias com empresas. Contrariando todos que duvidaram do potencial de Leo em fazer o REC dar certo, ele afirmou: “Eu entrei na favela fazendo arte e estou salvando pessoas através disso”. E encerrou com a frase que carrega por todos os lugares que vai: “Que sejamos firmes no amor!”. É isso, Léo! Continue!