*Por Brunna Condini
“A exposição ‘A Natureza e eu: Novas Descobertas‘ é o meu show do momento”, diz Regina Duarte no programa da mostra que fica em exibição até 18 de novembro, no espaço Aqua Arte, em Moema, São Paulo. Satisfeita com o momento, a atriz afirma: “Não sinto falta da minha arte habitual, porque tive um ano muito pleno de produção artística. Mas, às vezes, leio um texto que acho que poderia resultar em um esquete, um vídeo, algo para cinema, televisão. Mas observo que minha função de atriz hoje, meu olhar, está mais voltado para a direção de atores. Tenho muita vontade de compartilhar o que eu aprendi nesses anos todos”, revela Regina, que conta mais sobre esses anseios a seguir.
Ela conversou com o site HT sobre o presente como artista visual. E também fez um balanço da sua trajetória, legado artístico e do direcionamento que deseja dar para ele daqui para frente: “Estou curtindo esse momento de meditação, sem compromisso, que está me fazendo super bem. Canalizando uma expressão artística. Esse processo de criar os quadros resultou em uma nova versão minha, mas, no início, não havia essa intenção. Comecei a produzir para me distrair nas férias do ano passado. Despertei o meu olhar para como a natureza desenha arte nas folhas das árvores. As folhas envelhecem mostrando a sua pluralidade estética. Elas existem em uma diversidade de formatos, texturas, tonalidades, tudo isso me fascinou. Como nós, humanos, uma folha que envelhece muda de textura. E nenhuma é igual à outra, mesmo que venha da mesma árvore. Me interessa muito a transmutação, as nuances, que a força onipotente do universo desenha na natureza, essa força é que é uma artista incrível”.
Regina quer se ocupar mesmo é de compartilhar suas descobertas com o público e garante não valorizar as polêmicas manchetes que destacaram o momento em que ela coletava caixas de papelão nas ruas, com imagens nas matérias de frames extraídos de vídeos de divulgação do seu trabalho como artista plástica. Ela recicla papel, papelão descartados, para compor junto de folhas, frutos, flores e sementes, suas obras. “Por que vou comprar se posso reaproveitar?”. Perguntamos se não se sente afetada ao tentarem ridicularizar parte do processo da sua atual atividade?
Claro que me afeta. Provoca riso, alegria. Digo: “Olha, isso mexeu com eles”. Minha função como artista é mexer com as emoções mesmo. Estou cumprindo uma missão. Eu me fotografei, filmei carregando as caixas, porque queria comunicar o meu processo, dizer que não comprei papelão, reaproveitei. Quis mostrar que qualquer um pode fazer isso, não precisa ter dinheiro para ter uma produção artística – Regina Duarte
E complementa sobre o assunto: “Uma das personagens que mais gostei de fazer foi a Maria do Carmo (protagonista da novela ‘Rainha da Sucata‘, de 1990). Uma sucateira, imagine. Uma personagem rica de conteúdos, de humanidade. O que estou fazendo hoje é extremamente humano. Recolho o que seria lixo e tento transformar em algo esteticamente digno. Pode até parecer pretencioso, mas é verdadeiro. Se as pessoas riem ou ridicularizam, é porque estou fazendo a palhaça que eu sou na vida. Sou artista. Me apaixonei pela interpretação assistindo os dramas melodramáticos do circo, ainda na infância, devia ter uns 7 anos. Foram os primeiros teatros que pude apreciar. Segui desejando mexer com as pessoas. A ideia da exposição é contagiar adultos, crianças, adolescentes, idosos, a se interessarem por esse olhar, processo, que me fez muito bem. Compor tudo isso em um quadro, virou uma terapia para mim. Buscando uma identidade e uma estética próprias para cada criação. Comecei a brincar com a minha criança, e tenho ouvido dos filhos, netos de fãs, que vão à exposição, que se sentem estimulados a experimentar. Pronto, era tudo o que eu queria, me sinto realizada”.
Hoje o que me afeta é muito mais o propósito que envolve a minha arte, do que qualquer tipo de repercussão em cima dela. Acho que se estou apaixonada por alguma coisa, vou provocar paixões em quem assistir – Regina Duarte
Legado
Aos 76 anos e com quase 70 de trajetória experimentando o fazer artístico – “Considero que comecei a atuar aos 8 anos, na escola, antes do teatro amador, aos 14” -, Regina se orgulha do seu legado. “Meu balanço é super positivo. Tive uma carreira muito bonita, que não fui eu que fiz. Tive um anjo que colocou na minha frente coisas que eu precisava fazer, vivenciar. Trabalhei com muita gente boa, talentosa. O que é uma carreira? Não é só o que a gente faz, mas o retorno que temos com o que fazemos”.
Em 2020, após 50 anos de TV Globo, ela saiu da emissora e teve uma breve passagem por um cargo público, como Secretária Especial da Cultura na então gestão de Jair Bolsonaro, escolha que a fez ser muito criticada pela classe artística, principalmente, que sempre se opôs a esse governo. De uma uma forma geral, sobre experiências passadas, Regina não parece querer render assunto. “Do passado, fico com o que me serviu, o que não ficou é porque ou foi doloroso, ou foi enigmático, então não fico perdendo muito tempo com o que passou. Me sinto livre, quites com tudo e seguindo em frente. Aberta para o novo. Para novas inspirações, como essa agora, das artes visuais”, reflete.
“As pessoas são, em sua maioria, muito carinhosas comigo. Então o balanço é hiper positivo. E mesmo quem não gosta de mim, implica comigo, não está me agredindo, mas a uma ideologia, um candidato, alguém que não sou eu. Agride a uma ideia que não me representa unicamente, porque sou plural. Não cobrem coerência de mim, porque sou uma artista. E um artista não tem obrigação de ser coerente, ele vai para onde lhe leva a busca da verdade humana. E a verdade humana é múltipla. Não dá para dizer: ‘Eu fecho aqui, não abro ali…”. Não, estou aberta. E claro que digo isso, levando em consideração a geração a qual pertenço, a criação que tive, as ideias que fui adquirindo, os conceitos que fui elegendo, então tem uma linha mestra que foi se desenhando e rege meu comportamento, escolhas”.
E para quem acredita que suas escolhas nos últimos anos são paradoxais à artista que você é, o que diria? “Cada um tem o direito de pensar o que quiser, escolher o que quiser e ninguém pode obrigar o outro à nada. Não me sinto obrigada a ser do jeito que algumas pessoas gostariam que eu fosse. Está tudo certo. Acho que a liberdade de expressão é inviolável, indispensável, para que a gente possa se sentir inteiro nessa vida. Então, as críticas que venho recebendo, estão comprometidas com coisas que estão além de mim. Estou aí, levando do meu jeito e respeitando que não leva do meu jeito. Até porque não existem verdades absolutas…sempre levei as coisas no que acreditei ser bom, para mim, para as pessoas, para o Brasil. Fui criada com esse patriotismo e isso é muito forte em mim”.
Orgulho do que viveu
Eternizada através de papeis em novelas marcantes para a história da teledramaturgia brasileira como a Patrícia de ‘Minha doce namorada‘ (1971) que lhe rendeu a alcunha de ‘a namoradinha do Brasil’; as personagens Simone Marques e Rosana Reis de ‘Selva de Pedra‘ (1972); a Malu do icônico ‘Malu Mulher‘ (1979); a inesquecível viúva Porcina de ‘Roque Santeiro‘ (1985); a batalhadora Raquel Accioli de ‘Vale Tudo‘ (1988); as três Helenas de Manoel Carlos, em ‘História de amor‘ (1995), ‘Por amor‘ (1997) e ‘Páginas da vida‘ (2006), e muitos outros personagens, já que foram mais de 50 trabalhos em televisão; a atriz avalia a experiência de uma vida dedicada ao ofício. “Me orgulho de ter estimulado os maiores autores da teledramaturgia deste país a escreverem para mim. Porque um ator sem um bom texto, não consegue muita coisa, não. Tive grandes personagens e pude botar ali a minha vida, na vida dos personagens”, conclui.
“E também me orgulho de, aos trancos e barrancos, porque nada é como foi sonhado, ter criado três filhos (ela é mãe de André e Gabriela Duarte, e João Gomez), morando em uma cidade e trabalhando em outra. Mas acho que consegui fazer as coisas razoavelmente bem feitas, como mãe e atriz. Apesar da culpa de não ter sido a mãe que poderia ser, em plenitude, porque trabalhava muito, embora tentasse preencher de tempo bom, de qualidade, quando estávamos juntos. Me ausentei muito, mas também me doei muito, sempre que pude, pensando no melhor pra eles. Hoje faria diferente, mas foi tudo como podia ser”.
E compartilha: “Até pouco tempo atrás, por exemplo, tinha vontade de adotar uma criança, para fazer com um filho tudo o que achei que poderia ter feito. Isso é uma confissão inédita (risos). Cheguei mesmo a pensar nisso há uns cinco anos. Quando fiz 70 pensei: “Ainda dá tempo, posso criar até os 18 (risos)”. Foi uma ideia maluca que me ocorreu, mas aí a vida foi acontecendo e desisti. Até porque só parei mais o ritmo nos últimos três anos”.
Além do trabalho com as artes visuais, Regina pensa em ter um espaço cultural. “Tenho pensado muito em ter uma escola de interpretação, para crianças a partir de 12 anos. Porque os pais sacam logo a vocação, o desejo do filho. Os meus sacaram. Minha mãe dizia que aos 3, 4 anos, ela já sabia que eu seria atriz. Na verdade, o desejo é ter um espaço para leituras, apresentações, e também de ensino. Gostaria de transferir o que aprendi estes anos todos na teledramaturgia, trabalhando com os melhores. Sempre fui uma operária da arte, me vejo assim desde o início, é uma contribuição social”.
A natureza dela
A atriz não começou sua incursão nas artes visuais agora. Desde 1974, após o nascimento da filha Gabriela Duarte, Regina iniciou sua experimentação, mas com pintura a óleo. O primeiro quadro foi a tentativa de reprodução de uma fotografia de família tirada em uma Páscoa. “Tenho uns 40 quadros pintados de 1974 para cá. É pouco? Talvez. Pintava nas férias dos trabalhos e nunca tive mais de três meses de pausa. Emendava novelas. Também tinha três filhos, então trabalhando, não dava pra pensar em pintar”. E confessa: “Tinha vergonha desses quadros e passei a não ter mais. A arte tem esse espaço de liberdade, então o que você fizer com amor, com desejo de expressão, está valendo. Quando quis voltar a experimentar as artes plásticas, tentei pintar, mas não consegui. E esse caminho com as colagens veio organicamente, então deixei fluir”.
E finaliza sobre a atual atividade: “Quando penso nos quadros que crio hoje, faço também uma analogia aos ciclos humanos. Nós cortamos nosso cordão umbilical ao nascermos, as folhas, ao estarem prontas para morrer. Vão ressecando de tal forma, ficando frágeis, que acabam desprendendo o caule da mãe árvore e vão para o solo. E é nele que comecei a minha busca por material. Começou a ficar algo quase compulsivo colecionar a diversidade das folhas, com suas diferentes digitais. Sou também a semente que nasceu, floresceu, deu frutos, estou envelhecendo, para um dia voltar à natureza”.
Serviço
Exposição ‘A Natureza e eu: Novas Descobertas’
Até 18 de novembro, no espaço Aqua Arte, na Rua canário, 1135 – Moema – SP
De segunda a sexta das 10:00h às 19:00h
Aos sábados das 10:00h às 14:00h
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