Primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio, Claudia Mota fala sobre a desvalorização da arte: “Não vou sossegar”


No carnaval 2019, Claudia estará no comando da Comissão de Frente e do Primeiro Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira da Império Serrano: “Será um grande boom”, revelou a coreógrafa

Depois de finalizar o ano dançando o Ballet Giselle, a primeira bailarina do Theatro Municipal, Claudia Mota deixará sua marca também no carnaval carioca. Responsável por coreografar a próxima Comissão de Frente e o Primeiro Casal de Mestre Sala e Porta Bandeira da Império Serrano, a bailarina pretende chegar ao mesmo resultado de 2016, quando obteve notas máximas dos jurados e recebeu vários prêmios relacionados ao Carnaval. Em meio aos ensaios e apresentações, Claudia conseguiu um tempinho para conversar com o site HT sobre o novo desafio, sua trajetória e a atual situação do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Atualmente, Claudia é a única primeira bailarina do Theatro Municipal em atividade (Foto: Divulgação)

Quem enxerga a suavidade de uma bailarina entre uma pirueta e outra, pode não imaginar o árduo trabalho que ela desempenha por anos e anos. Assim foi com Cláudia que, desde a infância no ballet, trabalha duro para melhorar cada vez mais. “Eu comecei a dançar com 4 anos, porque todas as minhas amigas faziam e eu queria também. Acabei levando a sério, o que a princípio era mais uma brincadeira de criança, e estou aqui hoje”, explicou ela, que naturalmente foi passando por todas as etapas necessárias até chegar à primeira bailarina do Theatro Municipal. A naturalidade do processo foi tão grande, que, anos depois, a ficha de Claudia ainda não caiu totalmente: “Eu só lembro que sou a primeira bailarina quando as pessoas falam”. E prosseguiu muito consciente do seu lugar na dança e no mundo: “Isso que é o bacana, querer sempre evoluir, ao invés de acreditar que alcancei um status de conforto. Eu preciso, sim, fazer aula e aprender cada vez mais”.

Unindo essa humildade ao seu enorme talento, a bailarina conseguiu se tornar um ícone no mundo da dança, recebendo prêmios como o de melhor bailarina da América Latina, pelo Conselho Latino-Americano de Dança. Para ela, junto ao reconhecimento vem a responsabilidade: “Eu recebo muitas mensagens de pessoas querendo minha opinião sobre as suas vidas. É meio estranho, porque, às vezes me perguntam coisas que não perguntariam nem aos pais, pois precisam de uma referência de alguém que seja do meio. Lidar com uma pessoa que eu nem conheço e suas escolhas é uma responsabilidade gigante”. Por isso, a profissional tenta sempre mostrar o seu lado humano, formado por alegrias e dificuldades, pelas redes sociais. “Ser um exemplo é tomar cuidado sempre e por isso procuro ser o mais natural possível. Tento quebrar o paradigma de princesa perfeita, bailarina sem defeitos, postando coisas da minha realidade enquanto ser humano. Os meus machucados estão lá para que vejam que dificuldades existem para todos. Eu sinto que é uma vocação, como se fosse uma missão mesmo”, admitiu.

Durante a crise que assolou os palcos do Theatro Municipal, Claudia resistiu e esteve à frente das manifestações (Foto: Carol Lancelolloti)

O sucesso na carreira, porém, não foi o suficiente para impedir que ela passasse por difíceis situações em sua profissão. Sendo a única primeira bailarina do Theatro Municipal em atividade, Claudia desceu das sapatilhas e foi às ruas, quando a crise econômica e cultural assolou o seu local de trabalho. “O Theatro Municipal foi apedrejado e nós quase fechamos as portas. Eu deixei de fazer duas galas internacionais, onde eu ganharia em dólar, em um momento em que eu precisava, já que os salários estavam atrasados, para estar manifestando na escadaria no Theatro. Aquele lugar, que me deu tudo, precisava de mim naquele momento e eu não podia virar as costas. Algumas pessoas precisaram sair para conseguir sobreviver financeiramente, mas eu consegui continuar na luta. Escolhi estar de frente, doar a minha imagem e a minha voz e assumir aquela situação”, revelou. E continuou tentando enxergar o lado positivo da situação: “Essa questão trouxe para nós os holofotes e fez todo mundo olhar para nós com mais carinho. Muitas pessoas passavam em frente ao Theatro e pensavam não ter condições de assistir a um espetáculo nosso, sem saber que temos vários projetos com ingresso a 1 real. Depois dessa crise toda, nós demos tantas entrevistas e fizemos tanto barulho, que agora sabem”.

Agora, olhando para frente, Claudia segue rumo a um novo desafio: o carnaval carioca. Responsável por coreografar a Comissão de Frente e o Primeiro casal de Mestre Sala e Porta Bandeira do Império Serrano para o desfile de 2019, a profissional demonstrou realização, ao invés de cansaço. “É um enredo rico de histórias e possibilidades, já que estamos falando de vida. Por isso, no início foi difícil de achar um caminho, mas tive uma grande inspiração e conseguir achar o lugar. Foi uma ideia minha, que a escola abraçou e está priorizando. Toda vez que eu penso no projeto eu me emociono. Vamos abrir com chave de ouro o carnaval. Será um grande boom”, assumiu, sem poder entregar mais detalhes.

A bailarina foi responsável por coreografar a comissão de frente da Imperatriz Leopoldinense em 2018 (Foto: Carol Lancelotti)

Dessa forma, em meio às dificuldades e alegrias, a bailarina Claudia Mota segue marcando seus passos no solo brasileiro. Apesar de estar sempre viajando para estudar ou se apresentar, ela afirmou cheia de certeza que o seu lugar é no Brasil e que aqui, ainda tem muito a desempenhar: “Nunca passou pela minha cabeça estar em um lugar que não seja o Brasil. Eu vou continuar construindo a minha carreira aqui e é aqui que eu quero ficar”. Ao longo de 2019, ela pretende dar segmento ao Ballet Gala Brasil, que precisou ser estacionado devido à falta de recursos financeiros. Além de inaugurar sua agência para empresariar alguns bailarinos. O maior objetivo, porém, é outro: “Eu sou a única primeira bailarina do theatro em atividade e com essa responsabilidade extra, eu tenho espalhado que o Theatro me deu tudo que tenho hoje e que eu só vou sossegar depois que ele voltar ao normal. Esse é o meu maior objetivo”.