Prestes a estrear intervenções artísticas em hospitais públicos, o grupo Roda de Palhaço promete levar acesso à arte para a população de baixa renda


O produtor Alexandre Boccanera contou que, além das visitas – serão duas por semana em cada hospital beneficiado – grupo realizará oficinas com profissionais da saúde, mostra artística com números cômico-musicais e exposição fotográfica

O Carnaval acabou mas, no que depender do projeto Roda de Palhaço, o espírito de alegria continua por todo o ano. É que o grupo do produtor Alexandre Boccanera e dos atores Guilherme Miranda, Julia Schaeffer e Flávia Reis será responsável por intervenções artísticas especiais nas enfermarias pediátricas de dois hospitais públicos da cidade do Rio de Janeiro. Interpretando os palhaços Adamastor, Shei-Lá e Nena, os artistas têm a expectativa de atender mais de 10 mil crianças em 2016 e levar energia para transformar o comportamento dos pacientes, acompanhantes, médicos e enfermeiros do Hospital Federal dos Servidores do Estado e do IPPMG/Fundão. “Nossos objetivos são fazer intervenções artísticas potentes nos hospitais, levar o acesso à arte do palhaço para população de baixa renda, provocar o estado de alegria em crianças e acompanhantes durante a internação, pensar novas formas de se atuar em saúde e ajudar a transformar o ambiente do hospital em um lugar mais humanizado”, explicou Alexandre.

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Os palhaços fazem a festa em hospitais públicos do Rio de Janeiro (Foto: Ratão Diniz)

Assim como “Doutores da Alegria” – do qual alguns envolvidos já faziam parte, o Roda de Palhaço é um trabalho remunerado, realizado por artistas profissionais e patrocinado através da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. “Esse projeto foi criado por nós. Flávia Reis é palhaça e foi diretora artística do ‘Doutores da Alegria’, onde eu e Guilherme trabalhamos juntos até 2009. Com Alexandre Boccanera e outros artistas trabalhamos de 2009 a 2015 no projeto ‘Roda Gigante’. O Roda de Palhaço está em sua primeira edição, mas é uma continuidade e um aprofundamento dessas experiências anteriores”, nos contou Julia.

As enfermarias do Hospital dos Servidores recebem os palhaços.

As enfermarias do Hospital dos Servidores recebem os palhaços (Foto: Ratão Diniz)

A mistura da arte com a vida, muitas vezes em sua forma mais frágil, é motivo de atenção redobrada no trabalho. “O improviso é a base do trabalho no hospital. O envolvimento pessoal se dá através do jogo de palhaço. Entramos no hospital como palhaços, e é a partir disso que improvisamos. O afeto, o cuidado, a diversão fazem parte desses vínculos que vão se criando com as crianças, acompanhantes, profissionais da saúde e quem mais encontrarmos pelo caminho! O palhaço gosta de saber de tudo, é um curioso, assim como a criança e não respeita hierarquias e regras a priori. Sua regra é a do encontro, e estabelece cada relação de forma pessoal, individual. Acredito que é um caminho de liberdade muito grande porque permite essa ‘entrega’, essa ‘abertura’. A ideia da máscara do palhaço é se revelar e não se esconder. Por isso, muitas pessoas se identificam com o palhaço, que é uma linguagem que fala a partir do que é humano, suas fragilidades, suas vaidades, suas pretensões, de forma exposta. Por isso o treinamento para estar disponível, deixar ser visto, sem as máscaras sociais que estamos acostumados a vestir”, analisou.

As enfermarias do Hospital do Fundão recebem os Doutores Palhaços. Em suas intervenções regulares as enfermarias, os doutores palhaços do grupo Roda Gigante constroem uma outra realidade possível dentro do cotidiano em diversos hospitais do Rio de Janeiro.

As enfermarias do Hospital do Fundão recebem os Doutores Palhaços (Foto: Ratão Diniz)

Para Julia, o distanciamento só é possível pela técnica, como o clown, específico do teatro. “Como artista, essa mistura de trabalho e vida acontece o tempo todo. Trabalhamos a partir de nossas emoções, corpo, voz e treinamento técnico para dar conta do que cada momento nos exige. Como palhaços, o trabalho é bem específico, já que é uma criação muito pessoal. Não existe um palhaço igual ao outro e as características de cada um são descobertas pessoais, somadas a técnicas de jogo de palhaço, suas regras, além de escolhas e afinidades como as habilidades que cada um desenvolve. As habilidades são trazidas para o jogo do improviso, como acontece no hospital. As emoções fazem parte dessa criação, estar disponível para o encontro, olhar o outro e agir a partir disso, também são parte do jogo do palhaço, sobretudo o palhaço que trabalha no hospital, improvisando a partir das situações que encontra. Estar em relação é condição essencial para o palhaço acontecer e existir”, explicou.

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Em suas intervenções regulares as enfermarias, os palhaços fazem a alegria do cotidiano nos hospitais (Foto: Ratão Diniz)

Além das visitas que acontecerão regularmente duas vezes por semana – no Hospital dos Servidores ocorrerão às segundas e quartas-feiras, e, no IPPMG, terças e quintas-feira – de 10h às 13h a partir do dia 29 de fevereiro, o grupo realizará, também, oficinas com profissionais da saúde, uma mostra artística com números cômico-musicais e exposição fotográfica para encerrar as atividades do ano. As atividades tem como objetivo despertar nos profissionais da saúde a capacidade de olhar, ouvir e fazer contato com o outro, pré-requisitos para estabelecimento de uma boa relação com o paciente. O lançamento do projeto será, no Hospital dos Servidores, nessa quarta-feira, 17, e no IPPMG/Fundão nessa quinta-feira, 18. Nos dois dias, o grupo contará com o reforço animado do bloco carnavalesco “Breque no Piripaque” e músicos convidados.

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O grupo Breque no Piripaque (Foto: Rodrigo Castro)

No projeto, serão atendidas todas as crianças internadas, com exceção dos momentos em que elas estão em procedimento médico, dormindo ou almoçando. Durante o ano, estão previstas a realização de quatro oficinas, duas em cada hospital parceiro. “Além das visitas e oficinas, pensamos junto ao programa de humanização e direção da pediatria formas de tornar nossa atuação mais ampla como recepcionando os residentes e campanhas internas de saúde. Geralmente, ao final do ano, temos uma mostra artística apresentada em espaço cultural da cidade para o grande publico”, adiantou Alexandre, que quer recriar totalmente o formato das intervenções em hospitais. “Acreditamos que, ao fazer um trabalho artístico de qualidade e oferecê-lo gratuitamente à população mais carente do Rio de Janeiro colaboramos para a construção de uma cidade mais saudável”, disse. Não temos dúvidas de que conseguirão com êxito.