Moderninha! Anitta e Beatles embalam príncipe-galã que prova a maçã da Branca de Neve!


No Rio, peça infantil desconstrói o clássico dos irmãos Grimm e traz personagens para a vida real, divertindo pais e filhos. Confira a entrevista com o diretor Leandro Mariz!

Nessa peça, é o príncipe quem come a maçã, a bruxa faz a Anita lançando um “pre-pa-ra!” e os sete anões entram ao som de Yelow Submarine. Parece alguma adaptação experimental dos anos 1970, cheia de mensagens subjetivas, só que não. Trata-se de uma tentativa quase hiper-realista de um diretor apaixonado por contos de fada, daqueles que gostam da velha fórmala de contar histórias, para trazer o clássico “Branca de Neve” ao teatro, mas preservando valores e estéticas do nosso tempo. Afinal, já passamos da era medieval há bastante tempo (ao menos em alguns aspectos) e, hoje, as mulheres já não caem em lorotas, tipo conto da maçã, e deixando a árdua tarefa para galãs de “Malhação” como o ator Gabriel Leone, que encarna dessa vez o príncipe. Hoje também foi deixado de lado aquela entediante visão maniqueísta de pessoas totalmente más e é mais do que sabido que aquela princesa dos contos um dia vai virar a vovozinha.

O espetáculo infantil “Branca de Neve” está em cartaz no Teatro Miguel Falabella (Norte Shopping), aos sábados e domingos, às 16 horas, até 23 de fevereiro e, nesta versão contemporânea do clássico dos Irmãos Grimm, Branca de Neve é mais uma vez enganada pela Madrasta. Porém, sob o olhar esperto de seus jovens diretores Sabrina Korgut e Leandro Mariz, esta até se vale até de um sutil toque shakespeariano, onde passa a ser mais atrapalhada do que má, e vaidosa como sempre, dessa vez ela destila o veneno na pele de uma personificação de perua fútil e botocada. Agora, o “espelho, espelho meu”, revelador de verdades, ganha ares hilariantes, capazes de proporcionar ótimas gargalhadas na plateia. 

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Várias cenas revelam essa preocupação de proporcionar gargalhadas, sobretudo nos pais, já que criança nenhuma vai ao teatro sozinha e sempre tem um responsável ao lado que precisa estar minimamente seduzido para não cochilar ao lado da pobre criança, não é mesmo? Hilária e realista, agora Branca de Neve não come a maçã porque está de dieta. Outra cena imperdível é ver a chegada dos anõeszinhos representados por fantoches ao som de “Yellow Submarine”, dos Beatles. A trilha sonora converge para o quarteto de Liverpool, incluindo clássicos como “Help”, “Here Comes The Sun” e “All We Need Is Love”, mas a necessidade de apelo também engloba trazer Anitta para o palco.

Outra forma de trazer antigas propostas para valores atuais é o fato da história começar pela vovozinha contando a história, método quase obsoleto em tempos de tablet. A vovozinha nada mais é do que a própria Branca de Neve, que envelheceu e relembra seu passado. Porque, hoje, não dá mais para transportar as crianças para um mundo que não existe mais, não é verdade?

O diretor Leandro Mariz explica como chegou neste formato. Confira a entrevista!

HT: Você inseriu situações possíveis, bem realistas, em um conto de fadas. Uma Branca de Neve que envelhece e vira a vovozinha que narra a história, uma bruxa mais atrapalhada do que maléfica, e por aí vai. Qual foi sua intenção?

LM: Sempre fui fã dos contos de fadas e ficava imaginando como seria cada personagem depois do final da história que conhecemos. O que teria acontecido com eles? Envelheceram, casaram, tiveram filhos, separaram-se, enfim. A situação em questão me chamou atenção no seriado “Once Upon a Time”. Ali pude finalmente realizar meu desejo. As personagens tomaram formas mais humanas e realistas com situações comuns e próximas do mundo contemporâneo.

HT: A história começa com uma cena de contar história através da vovozinha. Acha que as crianças ainda gostam de ouvir histórias via oral, apesar de toda a tecnologia, ou acha que isso não encanta mais?

LM: O fato de termos uma vovó na oralidade da história é justamente para lembrar aos que usam a tecnologia que os livros ainda existem e estão aí à disposição de todos, mesmo que disponíveis em tablets ou celulares. Esta personagem é quem representa a nostalgia. Lembro que, quando  criança, sentava junto com meus primos em volta para ouvir as histórias da vovó. Hoje este hábito ficou para trás, infelizmente.

HT: A ideia de fazer a Madrasta atrapalhada é por achar entediante a velha proposta maniqueísta?

LM: Em todas as histórias a maldade da Madrasta está sempre em primeiro plano. O que me chamou atenção na original história da Branca de Neve foram a vaidade e a inveja, que nos colocam em situações inusitadas e ridículas. Agora, elas levam a personagem ao tom de comédia e ainda colaboram para a personagem a se aproximar do espectador, quebrando regras de estereótipos malvados, mas mais humanos.

HT: Porque os anões são representados por fantoches e porque optou por essa técnica? Causa impacto?

LM: Iniciei no teatro trabalhando com fantoches e isso sempre chamou atenção das crianças. E dar vida a eles nunca foi uma tarefa fácil para o ator. Ainda mais em se tratando da manipulação, onde assumimos os atores junto com os bonecos em cena. É uma técnica antiga do teatro que funciona sempre, chama atenção e a criança se diverte.

HT: É uma marca dos seus espetáculos usar trilhas inusitadas? Anita, Beatles, Elton John… Pretende imprimir essa marca nos próximos espetáculos? É para agradar os pais também?

LM: A ideia das trilhas partiu do nosso diretor artístico Tiago Higa, que pensou em fazer um espetáculo infantil que também agradasse aos adultos que acompanham as crianças. E deu super certo. A trilha sonora é uma “velha” conhecida dos adultos, que a adora, e para as crianças, algo “novo” que pode soar até estranho, por não ser as tradicionais e divertidas canções temas infantis. Branca de Neve fala de amor e o quarteto de Liverpool falou e “fala” até hoje dele. A partir daí virou, sim, uma marca a ser impressa em outras montagens.

HT: Uma bruxa com consciência ecológica e um príncipe que come a maçã no lugar da Branca de Neve. Isso tudo é questão de deixar de mostrar valores quase obsoletos, substituindo-os por  valores atuais?

LM: Todos os valores morais na sociedade atual mudaram. Estamos vivendo um tempo de renovações e modernizações em torno de um novo mundo. E precisamos acompanhar essas informações. Estamos acostumados a ouvir sempre a personagem do bem, praticando boas ações, e isto não chama mais atenção, porque somos humanos e sujeitos a vários erros e acertos. Quando nos deparamos com uma personagem do mal, observamos que ela também tem seu lado bom, e que todo mundo tem seus defeitos, mas também suas qualidades. E quais foram os motivos que levaram ao lado bom ou mal estarem em evidência? É isso que provoca um questionamento para quem assiste a peça.

HT: Dá a dica, vai? Como se faz para os homens caírem na armadilha da maçã?

LM: Ao longo do tempo, nas histórias de princesas, a mulher sempre foi colocada de um modo geral, sendo mais frágil, mais oprimida, mais submissa aos homens. Sempre esperando a chegada de um príncipe encantado para salvá-las. Hoje é diferente, elas tem seu lugar, são guerreiras, poderosas e independentes. E os homens admiram as mulheres assim, por isso é fácil eles caírem nesta armadilha.

HT: E as mulheres? Acha que elas não comem mais a tal maçã?

LM: Mulheres e homens querem ser amados de todas as formas. A mulher “morde a maçã” também, desde que ela venha acompanhada de muito amor!