“Por muito tempo fomos humilhadas por uma sociedade racista”, diz Joyce Alves


O coletivo Mulheres sem Legenda, criado por Juliana Marinho, Dri Mariano, Joyce Alves, Geisa Nascimento e Anastácia Nobre, criou “Olhar dela”, que enaltece a beleza negra feminina. “Nosso olhar é sem legenda, julgamentos ou preconceito”, diz Joyce

*Por Simone Gondim

Dar voz às mulheres negras e reconhecer seu potencial é a principal proposta do coletivo Mulheres sem Legenda, criado por Juliana Marinho, Dri Mariano, Joyce Alves, Geisa Nascimento e Anastácia Nobre. Na mostra “Olhar dela”, o grupo chamou a atenção para a importância da representatividade e da valorização da beleza negra feminina. “Por muito tempo nos negaram voz, não nos víamos representadas, fomos ridicularizadas e humilhadas por uma sociedade racista, que fez com que acreditássemos que nossa forma natural não era bela”, afirma Joyce Alves. “Hoje em dia, aos poucos, temos ocupado nosso lugar de fala, contado nossas histórias, entendido e mostrado nosso poder ao mundo, em todas as áreas”, acrescenta.

As fotos de “Olhar dela” têm influência direta dos desenhos da artista visual Sara Golish, famosa por criar uma série de ilustrações inspiradas em mulheres africanas. Destacam-se tranças, maquiagem e ambientação que enaltecem a beleza das mulheres negras. “Nossa trancista, Ju Marinho, viu a tatuagem de uma cliente e amou. A cliente disse que o desenho era da Sara Golish. A Ju pesquisou, começou a seguir no Instagram e se tornou admiradora do trabalho dela. Acabou compartilhando com todas nós o desejo de fazer um ensaio fotográfico inspirado nos desenhos da Sara. Topamos”, conta Joyce.

Este slideshow necessita de JavaScript.

A partir de uma sessão de fotos para a criação de conteúdo e portfólio, que seriam utilizados nas redes sociais para divulgar os trabalhos individuais de Juliana Marinho (tranças), Dri Mariano (maquiagem) e Joyce Alves (fotografia), o coletivo botou a exposição na rua. “Bruna Montenegro, uma das modelos, deu a ideia de usar essas imagens. Para completar nosso time lindo, chegou Anastácia Nobre, responsável pela parte de comunicação e marketing”, explica Joyce.

Outra questão levantada pelo coletivo Mulheres sem Legenda é o preconceito no Brasil. “O racismo estrutural da sociedade brasileira é um fato. O Brasil foi o último país da América a abolir a escravidão, e até os tempos atuais passamos por situações discriminatórias”, lamenta Joyce. “A população brasileira é, em sua maioria, negra, e mesmo assim lutamos diariamente por representatividade, espaço e lugar de fala”, acrescenta.

As oportunidades não são iguais entre brancos e pretos (Foto: Nana Tavares)

Para Joyce, a solução passa por reconhecer o problema e ter consciência de que a luta deve ser de todos. “Primeiro, é preciso parar de negar algo que fica mais visível a cada dia: o racismo existe. As oportunidades não são iguais entre brancos e pretos. Não é uma questão de esforço, é histórica, e precisa de reparação. O Estado tem que enxergar que é um grande contribuinte para o racismo estrutural. E a população deve entender que se dizer solidário à causa e que ‘tem até amigos pretos’ não é ser antirracista”, diz ela.

Joyce ressalta que a valorização da beleza negra passa pelo respeito à identidade. “Valorizar vai além do que é belo. Nesse caso, é entender nossa identidade e nos respeitar como somos. Ocupar nosso lugar de fala para que nossa história não seja mudada. Entender que temos várias formas e tons e não só aqueles que são mostrados na grande mídia”, pontua. “O nosso olhar é um olhar sem legenda, julgamentos ou preconceito. É de fé e esperança em uma mudança real no mundo”, completa ela.