Ela foi uma das pessoas que estava no Porto de Santos para recolher os equipamentos que Assis Chateaubriand, dono da primeira rede de televisão, encomendou do exterior. Tinha um programa próprio na Rádio Difusora, uma das mais importantes do país em meados do século passado. Homenageou Carmem Miranda em um disco que foi muito aclamado. Foi convidada para cantar o hino nacional na primeira transmissão ao vivo da TV, em 1950. Apresentou vários programas cujo título era seu próprio nome. Agora, a artista, de quem você já sabe de quem estamos falando, é a pauta do novo livro do jornalista Artur Xexéo, batizado “Hebe – a biografia”. Hebe Camargo é uma das maiores personalidades da televisão brasileira, tendo visto a mesma nascer, crescer e consolidar-se no mercado do entretenimento. Por admirar este ícone, Xexéo resolveu reunir várias façanhas da apresentadora, radialista e cantora em um único exemplar de 300 páginas. Durante a pesquisa, conversou com muitas personalidades como Eliana, Gloria Pires, Ignácio de Loyola Brandão, Boni e Tom Cavalcante. Por ser uma mulher bem resolvida, ela falava sobre tudo na televisão e não ter nenhuma novidade era o maior medo do autor.
“A Hebe era uma mulher muito espontânea, não guardava segredos. Na televisão, ela falava sobre a vida. Então, meu medo era não ter novidades para contar. Desde o início, para fugir do lugar comum, eu decidi me voltar para a carreira de cantora que achei que fosse menos conhecida. Ela canta muita Bossa Nova, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que eram estilos que mais gostava. Durante uma época, abandona a vida de cantora e só volta quase que no final da vida. Neste momento, é produzida pelas melhores discografias do Brasil. Todos se derretem por ela. Hebe tinha uma voz maravilhosa, não desafinava nunca. Mas, de qualquer forma, o livro não é só sobre isso e é bom ter a história dela escrita”, afirma Xexéo.
Um dos maiores motivos de escrever um livro sobre a Hebe é que a nova geração pudesse se dar conta de quão importante ela foi para a história do país. A apresentadora não se resume a um sofá onde entrevista convidados especiais. É muito mais do que isso. O próprio jornalista se impressionou com as descobertas de sua pesquisa. “Eu tinha uma imagem da artista que ela era, via a dondoca que sempre tentou ilustrar as pessoas. Depois desse livro, descobri que ela era uma mulher muito generosa, solidária e amiga. Isso me comoveu muito”, conta. Ela era conhecida por colecionar paixões e era dona da cabeleira loira mais marcante da televisão brasileira, apesar de ser, naturalmente, morena. Um exemplo disto foi a ausência da cantora na transmissão ao vivo da TV, quando foi convidada para cantar o hino nacional. A desculpa foi um problema de saúde que a impossibilitaria de aparecer, mas a verdade é muito diferente disso. “Ela não foi para ficar com o namorado que era muito mais importante do que inaugurar a televisão no Brasil”, brinca Xexéo.
Apesar de ter a vontade de conhecer mais a fundo esta mulher cheia de controvérsias, o autor se voluntariou para escrever a biografia por ser um grande fã da carreira de Hebe. A verdade é que tinha uma relação muito pessoal com a figura da apresentadora. “Quando eu era um menino, a minha avó materna sempre ficava ao meu lado para assistir TV comigo e ela era muito fã da Hebe. Sempre que aparecia, precisávamos parar tudo para ver o programa dela, religiosamente. Como ela fez televisão desde sempre, acompanhei toda a trajetória. Era uma figura que tinha consciência da necessidade do entretenimento, mesmo nas entrevistas. Se fizesse alguém sorrir, seu trabalho estava feito. Pensar nela, me traz memórias da minha infância”, lembrA o jornalista. Talvez pelo carinho que tem pela cantora, Xexéo afirma que ninguém, hoje em dia, consegue tomar o espaço que ela tinha. “Acredito que ninguém esteja procurando, porque alguém tão versátil quanto ela é difícil. É um tipo de tarefa que não precisam mais”, lamenta.
Essa versatilidade de ser uma cantora, apresentadora e radialista está muito bem representada no livro, de acordo com o sobrinho da famosa, Claudio Pessutti. Ele marcou presença na noite de autógrafos que aconteceu, no começo de maio, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon. “Consigo ver a Hebe no livro, mas é importante que as pessoas percebam que aquilo é apenas uma parte da história. Para contar tudo, seria preciso fazer uma coletânea porque foram quase 70 anos de uma carreira muito bonita. Tem muita coisa que apenas um exemplar não daria conta de falar. Na pesquisa de uma biografia, um amigo indica outro e isso vira uma progressão matemática. E muita gente tem histórias com a Hebe, sejam elas românticas ou engraçadas. Filmes e exposições complementariam o que foi perdido no livro”, conta o sobrinho.
Foi pensando em continuar, perpetuar e cultivar a memória da artista que os familiares criaram a empresa ‘Hebe forever’. Claudio é um dos sócios e, atualmente, se dedica apenas a isto. Infelizmente, o estabelecimento ainda não se tornou um instituto, mas podemos esperar que a ideia saia do papel nos próximos dois ou três anos. “Essa ideia ainda precisa ser amadurecida para poder estruturar bem com o objetivo de ser algo de sucesso. Independente disso, planejamos fazer um filme, musical de teatro, exposição, documentário e minissérie. Os três primeiros já estão encaminhados e um deles deve sair ainda este ano. A exposição, que está sendo feita pelo Marcelo Dantas, vai começar por São Paulo e, dependendo do público, vamos expandir para as grandes capitais. Pretendemos levar esse material a todo o país, inclusive cidades pequenas. O musical será produzido por Luiz Oscar Niemeyer. Já o filme, não temos elenco escalado, mas sabemos que a produtora e redatora será a Carolina Kotscho”, informa. A escolha da produtora é interessante, tendo visto que Kotscho já trabalhou com outros filmes-biografia de sucesso como ‘2 filhos de Francisco’, que conta a história da dupla Zezé de Camargo e Luciano. Apesar da família já ter decidido a produção, ainda não há um roteiro definido, por isso, não sabemos qual época da vida da cantora será o ponto chave da gravação. Além de todo esse incentivo, a empresa também aparece nas redes sociais para divulgar o trabalho da artista.
A verdade é que existem muitas histórias sobre Hebe que precisam ser contadas. Como o próprio autor do livro disse, ela foi uma pessoa que viveu intensamente. Entre muitas passagens interessantes, Xexéo destacou a foto em que Hebe aparece na primeira passeata contra o governo de João Goulart, em 1964, as várias manifestações, inclusive, acabaram influenciando no golpe militar. “Tem foto dela com as mulheres pedindo a saída do ex-presidente. Quando perguntaram porque fez isso, ela disse que estava saindo do cabelereiro e viu umas mulheres muito felizes caminhando. Então, pensou que alguma coisa elas deveriam estar fazendo de útil e bom, por isso, acabou indo atrás. Não sei se isso é verdade, mas acho que nunca vamos saber”, disse o autor.
As polêmicas sobre sua vida não param por aí. Durante o programa do Roda Viva em 1987, Hebe revela que já havia feito um aborto quando era mais jovem. A informação chocou muitas pessoas, afinal, não é uma prática legalizada no país. “Não acho que ela tenha falado para causar alguma discussão sobre o assunto. Como era uma mulher espontânea, quando os apresentadores do programa perguntaram, ela respondeu. Se nunca tivessem questionado, acho que não saberíamos”, informa o autor. No show, Hebe afirmou que este tema deve ser algo tratado com muito cuidado por ser uma decisão pessoal. Já naquela época, defendeu a opção da mulher.
Hebe era uma pessoa que expunha muito a sua opinião, principalmente, sobre política. Durante sua passagem pelo SBT, se envolveu em diversas discussões com Silvio Santos por ter falado mais do que deveria na emissora. “Ela se envolvia demais com esses temas, era como se estivesse acontecendo na pele dela. Tanto que, às vezes, eu tentava preservá-la dos noticiários, para que não houvesse mais estresse. Principalmente, no final da vida quando já estava um pouco debilitada. Pelo o que eu conheci da minha tia, acredito que ela estaria indignada e muito triste com o que está acontecendo no Brasil. Não tenho palavras para descrever o que estamos passando. Seria fatal para ela ver até onde que a corrupção foi”, lamenta o sobrinho.
Hebe e Claudio eram muito próximos, de acordo com ele. Uma prova disso é que a herança da artista foi dividida entre ele e o único filho da cantora, Marcello de Camargo Capuano. “Sinto muita falta dela, porque o que ficou foi a saudade, porque aqueles momentos que nós passamos juntos foram vividos intensamente. Ela é muito mais que uma mãe para mim. Na verdade, a Hebe sempre foi tudo. Devo a ela quem sou, o que construí e aprendi. Se eu pudesse descreve-la em duas palavras diria que é a minha vida”, conta emocionado. Ser parente de alguém tão importante para o país poderia ser levado como um fardo, mas Claudio se sente honrado de fazer, de certa forma, parte da história da TV. “Ser sobrinho dela é algo realmente espetacular. Nunca tive identidade própria. Quando as pessoas me atendem no telefone, eu digo que é o Claudio, mas só me identificam quando relembro que sou o sobrinho da Hebe. Mas levo isso na brincadeira porque é uma dádiva carregar a sua memória. Chegando na livraria para a noite de autógrafos tive uma experiência incrível: uma moça estava chorando muito por nunca ter tirado uma foto com a minha tia e me pediu para, metaforicamente, representa-la em uma foto. Isso é uma benção para mim”, finaliza.
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