A fabricação de bordados e crochês nos remete, muitas vezes, à figura de uma senhora de cabelo grisalho costurando algo para os seus netos. Uma imagem que reflete toda a tranquilidade que dizem existir no momento da construção de um material como este. Esta memória permaneceu por muitos anos no pensamento do artista Pedro Luis, até que no início do ano passado ele resolveu se jogar no mundo do bordado. O publicitário transformou as técnicas consideradas antigas e ultrapassas em obras de arte, desconstruindo a ideia da confecção como técnica de relaxamento para substituir por mais uma ferramenta de trabalho.
“Quando me formei em publicidade, como diretor de arte, todos os desenhos eram feitos no meio digital. Um tempo depois, resolvi fazer a faculdade de Artes Plásticas. Acho que foi uma forma de buscar o lado manual, já que passava o dia no computador, seja trabalhando ou me divertindo. Percebi que não queria isto para a minha vida”, explicou o artista. Foi assim que, no início de 2016, ele resolveu aprender o bordado para ser apenas mais uma ferramenta de utilização no projeto de fim de curso. A manipulação destas agulhas e tecidos o lembrava de sua mãe e avó que costumavam tricotar.
Em poucos meses de divulgação nas redes sociais, o trabalho artesanal de Pedro Luis estourou. O rapaz foi convidado para fazer uma campanha para o Twitter voltada para os influenciadores digitais. Foram mais de sessenta passarinhos da marca bordados no clima das Olimpíadas de 2016. Alguns meses mais tarde, ele ajudou a apresentar a trilha sonora da novela da Globo, Lei do Amor, com sete obras que traziam referências das músicas de cada personagem principal. “A divulgação sempre foi muito orgânica, comecei a fazer os trabalhos e fui sendo chamado para produzir. Uso o meu Instagram para mostrar o que estou fazendo, o que facilita os interessados de acompanharem o progresso em tempo real”, contou. O compartilhamento dos produtos nas redes foi essencial, principalmente, quando o perfil tinha muitos seguidores.
Em menos de um ano o rapaz já estava sendo reconhecido no meio pelo talento e sendo convidado para várias parcerias. No entanto, o fato de Pedro Luis sempre ter trabalhado no universo das artes ajudou muito o conhecimento instantâneo do novo viés de suas obras. Inicialmente, o artista fazia colagens, desenhos e pinturas. “Sempre falo, brincando, que as pessoas não entendiam as minhas obras antigas, já que não tinha uma aceitação tão grande do público. Acredito que os temas das minhas produções atuais contribuem para este resultado positivo. Por exemplo, a série Trabalhos Autobiográficos com a Memória Alheia, que comecei a fazer para o projeto final, está comigo até hoje e as pessoas parecem se identificar com as fotos e as mensagens”, sugeriu. Esta linha dentro de sua obra trata-se da utilização de fotos antigas de outras pessoas, podendo ser acrescentados corações, frases e outros elementos visuais.
Através destes achados antigos, o artista consegue imprimir novos significados à imagem e contar outras histórias que, de certa forma, acabam sendo momentos que fazem parte de sua trajetória. O publicitário não sabe se o contexto da imagem capturada é aquele, mas imprime seus valores sobre as cenas que estão sendo reproduzidas. “A minha arte é autobiográfica, mas parece que tudo o que passo entra em um lugar comum de sentimento porque todo mundo já passou por uma situação parecida com aquela. Acabo colocando as minhas experiências e vivências, que não são muitas, mas que se associam a outras”, explicou. É como se houvesse uma fonte de sentimentos onde todos bebessem, estabelecendo um lugar comum das relações físicas e amorosas.
Inicialmente, Pedro Luis comprava as fotografias antigas em feirinhas de antiguidade que aconteciam em São Paulo. Conforme foi se apaixonando pelo trabalho e sendo reconhecido, ele passou a colecionar os registros indo a lugares específicos onde pudesse achar as fotos. Nesta saga por encontrar mais material, ele chegou a visitar vários locais, inclusive durante uma viagem que fez a Barcelona, na Espanha. “Aqui em São Paulo, só encontrava registros dos anos 40 em diante. No entanto, na Europa consegui comprar do começo do século passado e até de 1800 e pouco. Logo, alcancei um material que não conseguia achar aqui. Além disso, ganhei uma mala de fotos da sogra da minha irmã, ou seja, estou fazendo muitos trabalhos a partir da família dela”, informou. O artista se preocupa em não repetir nenhuma legenda das fotos porque cada experiência que teve com aquela gravura foi única.
Quando começou a se jogar neste projeto, Pedro Luis tinha muito medo de estragar as fotografias devido à importância que ela poderia ter para os familiares. No entanto, todos os registros foram achados para vender, logo os parentes já não demonstravam um apego tão grande às fotos. Mesmo assim, o artista deixa claro o respeito que possui por aquele material fotográfico que está manejando. “Sempre tenho o cuidado de rasurar parte da foto para não remeter ao que estava mostrando quando foi tirada. Para mim, é como se aquele personagem ali houvesse se tornado outra coisa. Naquele contexto, é como se fosse um ator que estivesse encenando o que eu quisesse. Tenho essa preocupação para que não exista uma identificação e um dia o familiar de uma destas pessoas diga que estou usando a imagem do avô”, assegurou.
Devido ao sucesso das obras, os bordados de Pedro Luis foram expostos para o público pela primeira vez em julho de 2017. O artista fez a sua primeira mostra individual no Rio de Janeiro, no Centro Cultural da Justiça Federal. Os objetos ficaram no espaço até setembro quando foram remanejados para São Paulo, onde ele vive. “Em 2016, participei de uma coletiva, no Rio de Janeiro, com outros quatro artistas no mesmo espaço da mostra, o CCJF. O trabalho que estava apresentando na época era diferente, usava colagens e discos de vinil. Fiz amizade com a curadora e ela percebeu que a minha linguagem tinha mudado. Em uma visita por São Paulo, a convidei para conhecer o novo gênero e recebi a proposta para fazer uma individual minha. A exposição paulistana foi similar ao processo carioca. Conheci o curador através de uma amiga”, relembrou. Apesar de alguns trabalhos terem passado pelas duas exposições, ambas foram diferentes. Muito material já havia sido vendido no Rio e outras obras não cabiam na proposta da montagem paulistana, de acordo com a sugestão da curadoria. Mesmo que as duas mostras tenham sido encerradas, ainda é possível conferir na galeria Cartel 011 uma versão pequena das mesmas até o final do ano.
De acordo com o próprio artista, as obras que produz não são muito diferentes das poesias escritas de seus amigos. A grande diferença é o uso de outras ferramentas. No entanto, como todo o artista, a arte também precisa ser consumida e financiada. A forma que Pedro Luis encontrou de continuar vivendo das obras em tempos de crise foi fazer produtos sob encomenda. Isto serve tanto para pessoas físicas que queiram presentear alguém como para grandes empresas como a própria rede Globo. “Vejo os trabalhos sob encomenda como algo mais comercial, um espírito parecido de quando uma loja ou uma empresa me pede para fazer uma parceria. Encaro isso como um trabalho o que não deixa de ser artístico”, explicou. Recentemente, o publicitário fez alguns bordados para um leilão no dia do McLanche Feliz, no McDonald’s. Durante a produção, Pedro Luis precisou respeitar o tema exigido.
Ao trazer a possibilidade para o público de consumir, literalmente, a arte, Pedro Luis acaba esbarrando em outro problema. Em uma sociedade extremamente massificada e com déficit na educação, muitos não enxergam o valor importantíssimo da arte para a cultura. Por isso, alguns clientes tentam questionar o preço final da obra sem levar em consideração todo o estudo, dedicação e conceito por trás. “É muito bom para mim saber que cada objeto que faço é único, mas tem muitas pessoas que não sabem valorizar e não entendem os trabalhos artesanais. Às vezes, quando os clientes se assustam quando eu passo o preço, por achar caro. O manual é muito mais complicado, ainda mais um bordado que não é algo fácil. Com certeza, não foi algo importado da China”, criticou.
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