* Por Carlos Lima Costa
Com absoluta sabedoria, serenidade e sem a mínima neura, a atriz, diretora e dramaturga Beth Goulart se aproxima dos 60 anos, data que vai celebrar, em 25 de janeiro. “Precisamos saber lidar e aprender a valorizar a beleza de cada momento que vivemos. Esta questão da idade… envelhecer é o natural da vida. Não adianta querer ter um corpo de 20. Mas se ele estiver saudável, agradável, com você se sentindo bem, aí está tudo ótimo”, ensina ela, sem aparentar a idade. “É uma herança boa, também de alegria, que recebi da mamãe e da vovó (as atrizes Nicette Bruno e Eleonor Bruno). Sorrio muito, estou sempre alegre, agradecida por estar viva. Quando se faz o que se gosta, a gente põe o melhor de nós naquilo. Venho de família de pais amorosos. Então, aprendemos essa relação com a vida de amor, gratidão, felicidade de estarmos juntos, de ter uma profissão que nos une. É alegria de viver. Isso acaba refletindo em nossa imagem, porque a beleza não está só do lado de fora, ela vem de dentro”, avalia.
Seguindo esta linha de pensamento, Beth nunca se submeteu a cirurgia plástica ou qualquer procedimento estético invasivo. “Nunca coloquei nem botox. Se você fica modificando, interferindo na sua aparência, você vai para uma artificialidade que eu pelo menos não considero bonita. Acho mais bacana ver uma pessoa saber envelhecer de forma digna do que toda plastificada. Ninguém consegue parar o tempo, disfarçar a idade, enganar a natureza. Nunca é a mesma coisa, não tem o mesmo viço. Então, quanto melhor você lidar com isso, mais fácil será”, ensina. E completa: “A maturidade nos traz essa tranquilidade. Quando somos jovens, temos ansiedade. O tempo vai fazendo a gente perder essas cobranças. Não temos de ser o que os outros desejam. Hoje, sou pessoa de bem comigo mesma, que faz o que ama, cria projetos…enfim, sou feliz”, assegura ela. Beth sempre teve um espelho para se inspirar nesse conceito: a mãe. “O número em si também não me diz nada. Não fico pensando em idade. Quero é estar bem para poder trabalhar. Não quero ficar parada, jamais”, pontua Nicette, do alto de seus 87 anos.
Em tempos de pandemia de Covid-19, apesar de viverem em casas distintas, Beth e Nicette não se distanciaram e de certa forma tem sido esteio uma da outra para lidar o melhor possível com o período de quarentena. “Houve uma frustração geral por não poder sair de casa. Temos que fazer nossa parte. Não saio desde o dia 13 de março. Esta é a minha contribuição para que o problema não se expanda. Por sorte, moramos no mesmo condomínio, o que facilita. Ela pega o carro na garagem dela e para na minha. Então, pode vir almoçar, conversar. Assim, não fico tão sozinha. Levo na boa, sem ansiedade e com a esperança de que vai terminar”, vibra a grande artista. No dia em que o isolamento social iniciou, Nicette ia estrear a peça Quinta-feira, Sem Falta, Lá em Casa, ao lado de Suely Franco. “Estamos sem poder trabalhar, aguardando. Pretendemos encená-la quando for possível. Se a produção levar adiante, faremos”, diz ela, que em março deste ano fez participação especial na reta final da novela Éramos Seis, na Globo. Por sua vez, contratada da Record, Beth, ainda sem personagem definida, ia atuar na novela Gênesis. Após o início da quarentena, a trama teve a estreia adiada e as gravações interrompidas.
Em relação à pandemia, Beth procura olhar sob uma ótica positiva. “São momentos de transformação da humanidade que atingem com essa dimensão o planeta inteiro, assim como foi a gripe espanhola, a peste negra, a primeira e segunda guerra mundial. As pessoas são questionadas. Depois, vem uma fase de crescimento e uma descoberta de novas possibilidades. A humanidade ficou quieta, reclusa e o planeta voltou a ter saúde. Não podemos ser responsáveis por destruir nosso planeta. Nossa responsabilidade é de preservar. Antes, aqui no Rio, tivemos um problema sério da água. Então, acho que realmente é um pedido de socorro do planeta e da própria humanidade que está tendo a chance de ter consciência disso tudo”, divaga.
Mas as pessoas não estão exatamente se preservando, se aglomeram em praias e bares. “Em momentos assim, vemos o melhor e o pior das pessoas. Tem muita gente sendo violenta, grosseira, batendo no outro gratuitamente. É o povo que precisa ainda de educação. A educação é a grande fonte de transformação. Vivemos um momento difícil. Infelizmente, existem dois caminhos. Ou se aprende pelo amor ou pela dor. Vivemos momento de dor para descobrir a beleza do amor. Também estamos descobrindo a empatia de se colocar no lugar do outro. Nenhum de nós pode ficar tranquilo em casa tendo comida, teto para viver sabendo que seu irmão está do lado de fora com fome”, avalia Beth.
Entre todas as consequências do isolamento social, pessoalmente o que chateia muito Beth é não poder estar convivendo com a neta, Maria Luiza. “Até já a encontrei nessa época, mas à distância, não do jeito que eu gostaria. Não posso beijar, abraçar”, lamenta Beth, que baba ao relatar os feitos da netinha: “Ela é inteligente, gosta muito de escrever, contar história, representar, pintar. Acho que vai fazer algo ligado a arte também. Mesmo que não faça, é importante que a arte esteja presente na vida das crianças e na de todo mundo.” Beth teve uma conexão especial com sua avó materna, Eleonor, que morreu em 2004. Certos segredos, só contava para ela. “Hoje, tenho uma relação forte com a Maria Luiza, temos intensidade, cumplicidade. Ela me leva para o quarto, me mostra suas coisas. Viro meio criança quando estamos juntas, tiro o sapato e entro no universo dela. A minha vovó Nonoca fazia isso. Talvez esteja seguindo essa referência de avó que participa e conversa de tudo. Espero ser esta avó. O máximo que ela quiser, porque é uma experiência tão linda, é um resgate dessa criança que a gente continua sendo e de forma leve, lúdica, porque a responsabilidade da criação não é nossa. Invento brincadeiras, histórias, é muito estimulante estar com criança, ela tira o melhor da gente”, filosofa. Nicette dá seu aval: “Beth é uma avó muito carinhosa, presente, mas não estraga a neta. Eu também nunca estraguei. E a Mara Luiza é muito querida, uma graça, chega aqui em casa me chamando de ‘bisa’”, conta, enternecida.
Enquanto Nicette segue firmemente a quarentena, Beth chegou a interrompê-la brevemente, em agosto, por uma questão pessoal e outra profissional. O único filho, João Gabriel Carneiro, de 37 anos, autor da Rede Record, teve uma apendicite e ela passou alguns dias com ele durante a internação. “Faz parte da vida. Graças a Deus, teve alta no último dia 2”, revela.
Profissionalmente, gravou o audiobook Melhores Poemas – Cora Coralina para o aplicativo Ubook. Mas realizou com todos os cuidados em poucos dias. Ia com o próprio carro, usando máscara, levando álcool gel e ficava sozinha no estúdio. Pouco teve contato com um operador na outra sala. Por coincidências da vida, este trabalho foi mais um “chamado”, como Beth define, referente a obra da poetisa e contista Cora Coralina (1889 – 1985). Em 2017, ela participou do filme biográfico documentário Cora Coralina – Todas as Vidas. “Achei a história de vida interessante”, lembra. Depois, em turnê teatral, coincidentemente ganhou de uma fã um livro sobre a vida da poetisa. “Ali pensei, estou sendo chamada para fazer um trabalho sobre ela. Então, há uns dois, três anos venho trabalhando na dramaturgia. Ai agora veio o convite do Ubook. Acredito em sinais. Esse convite foi como uma confirmação de que estou no caminho certo”, justifica. “Quando realizo um trabalho de pesquisa de dramaturgia com intenção para o teatro tenho que sentir um chamado. Assim, aconteceu também com relação a Clarice”, acrescenta, se referindo a escritora Clarice Lispector (1920- 1977). Desde a estreia, em 2009, volta e meia a atriz encena o espetáculo Simplesmente Eu, Clarice Lispector, que lhe rendeu quatro prêmios de Melhor Atriz como o APTR e o Shell. “Clarice vai estar sempre perto de alguma forma. Esta peça tem uma importância para as pessoas. Sempre que entro em cartaz, muitas voltam a assistir, quer dizer, onde quer que eu vá já conto com um público fiel.” Por outra coincidência da vida, há alguns anos, Beth gravou o audiolivro Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, de Clarice. “Quando esta pandemia passar, talvez a retomada de Clarice Lispector como espetáculo, no palco, venha antes, mas isso não impede a gestação dessa peça sobre a Cora”, avisa.
A paixão de Beth por literatura vem da infância. “Meu avô paterno, Afonso, dizia que eu ia ser escritora, porque antes mesmo de saber ler, eu pegava um livro e virava as páginas contando histórias. Isso é uma coisa bem antiga da minha alma ancestral e que se manifestou aqui agora nessa família. Meu pai também gostava muito de ler”, ressalta, lembrando o ator Paulo Goulart (1933 – 2014), com quem Nicette viveu uma relação de amor por mais de 60 anos até a morte dele, vítima de um câncer. “A presença dele no meu coração e no meu pensamento perdura. A saudade do Paulo ficará para sempre. Tenho certeza de que ele está melhor agora. Não podia continuar com aquele sofrimento. Oramos por ele. Por aqui, vamos levando até o momento de chegar a minha hora. Quando chegar, ele estará me esperando. A vida não começa no berço nem termina no túmulo”, acredita Nicette. “Somos espiritualistas, porque não fico presa só ao espiritismo. Sou cristã, sigo os ensinamentos de Jesus Cristo. Temos um conhecimento espiritual grande e pratico o exercício da fé. Acho importantíssimo”, acrescenta Beth.
Passado o susto com o filho e o breve trabalho, ela permanece em isolamento. “Tenho minha mãe, me preocupo com ela”, assegura Beth, que lida bem com a situação. “Não tive problemas maiores com isso. Meu trabalho sempre foi mais interno, leitura, estudo, escrita. Minha casa passou a ser também um centro de desenvolvimento da minha profissão. Dou palestras, cursos e neste período tenho feito tudo de forma virtual”, conta. Ela integra o grupo Mulheres do Brasil, cuja meta é valorizar o trabalho dos professores. “Mostramos como é importante ter teatro no currículo oficial das escolas”, diz. Mãe e filha são embaixadoras do Supera, método de exercício para o cérebro estimulando a mente. Assim, Nicette tem participado de algumas lives com a filha, que cuida de todos os detalhes técnicos. “Meus filhos e netos são ligados nisso. Mas os botões são todos difíceis para mim. Acho fantástico, mas não sei mexer naquilo, nem entendo de redes sociais”, se diverte Nicette. E completa: “É ótimo aproveitar os elementos técnicos sem perder a conversa. Eu e o Paulo conversávamos demais. As pessoas diziam: ‘vocês falam muito, ainda tem assunto?’. Respondíamos: ‘Agora, mais ainda, temos filhos, netos, não somos alienados.’ Fico com pena da moçada tão entusiasmada com a tecnologia que não tem mais conversa olho no olho”, pondera. E é por chamadas de vídeo que tem visto as bisnetas. Além de Maria Luiza, que vive no Rio, tem outras quatro, em São Paulo. “A família é grande, é festa o ano inteiro. Sou muito festeira, para tudo arranjamos um jeito de comemorar. Disso eu sinto muita falta”, adiciona ela, avó de oito netos e mãe ainda dos atores Bárbara Bruno e Paulo Goulart Filho.
No dia a dia, Beth e a mãe não se descuidam. “A saúde está perfeita, graças a Deus. Me alimento bem, faço a minha parte. Todo ano faço um check-up. Eu tomo sol, caminho em volta do jardim, cuido um pouco dele, leio, fico no movimento, faço exercícios para a mente, todos deveriam fazer um processo de reflexão para repensar a vida, ver coisas que podem ser modificadas para melhor. Então, não fico parada fisicamente nem mentalmente”, ensina Nicette. Beth também relata um pouco de sua rotina. “Graças a Deus, também tenho um jardim, posso ficar em contato com a natureza, sentir o sol, andar um pouco. Uma das coisas que sinto falta é das minhas caminhadas. Faço ioga, pilates, meditação e tenho um momento de oração todos os dias de manhã. É importante, me fortalece, me conecta com o poder superior e com a minha própria energia”, conta. E entrega outro elemento: “Nesse momento de isolamento, todo mundo percebe como a arte é essencial. Se não tivéssemos uma música para ouvir, um livro para ler, um filme ou uma novela para assistir estaríamos enlouquecidos. A arte mantém a nossa sanidade”, finaliza Beth.
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