“Não quero ser o melhor, mas no mundo de indiferença, nós podemos transformar”, diz Padre Marcelo Rossi


Com 25 anos de sacerdócio, ele lança o livro “Batismo de Fogo”, o primeiro com narrativa com tom biográfico. A obra aborda o tema superação e surgiu a reboque do empurrão que o derrubou de um altar em julho do ano passado. “Escolhi o título quando compreendi o que aconteceu comigo, esse milagre. O que poderia ter se transformado na minha morte, Deus mudou a minha sorte”, pontua

* Por Carlos Lima Costa

O que poderia ter sido um fatídico episódio vivido por Padre Marcelo Rossi transformou a vida do sacerdote a partir do dia 14 de julho do ano passado. Na ocasião, empurrado por uma mulher que invadiu o altar, ele caiu de uma altura de mais de dois metros. Diante de milhares de fiéis retornou pedindo que nada fizessem com a moça e assegurou que a perdoava. Nada teve além de ferimentos leves.

A experiência o fez escrever o livro, Batismo de Fogo, que acaba de ser lançado, sendo sua primeira obra com tom biográfico. Diante de nossos olhos, ele repassa sua própria vida, as dúvidas e a fé. “Vou abrir meu coração. De todos os livros que já fiz, esse foi impelido por Deus até no título. Batismo de Fogo é como nascer de novo. Dei este nome quando compreendi o que aconteceu comigo, esse milagre. Digo isso depois de passar por médicos. Como explicar o inexplicável. Mudou toda a minha visão. O que poderia ter se transformado na minha morte, Deus mudou a minha sorte. Até rima, mas é a pura verdade. Podia ter encerrado a minha vida naquele momento. Então, vejo a ação divina de Deus. Mais ainda depois que eu escrevi o livro”, explica o sacerdote.

Batismo de Fogo é o novo livro do Padre Marcelo Rossi (Foto - Martin Gurfein)

Batismo de Fogo é o novo livro do Padre Marcelo Rossi (Foto: Martin Gurfein)

Em um novo contexto de vida, desistiu de festejar os 25 anos da ordenação como padre, no último dia primeiro de dezembro. “Ía celebrar meu jubileu de prata, mas na minha visão, agora, no final deste ano irei completar um aninho de sacerdócio. Como estou agora? Melhor que ontem. Que eu possa viver o dia de hoje melhorando para o amanhã. Fé é o caminho da superação”, ressalta.

O líder carismático recorda um pouco mais sobre o dia do incidente. As pessoas falavam que ele deveria fazer um B.O. (boletim de ocorrência). “Mas quando me levantei, o meu BO foi Bíblia e Oração. Ao escrever o livro, eu até tomei todo o cuidado para colocar a palavra ‘empurrão’. Então, ouso dizer ‘bendito empurrão’, em todos os sentidos. Como já falei, ia celebrar meus 25 anos de sacerdócio. Mas depois do que aconteceu, a visão muda, tinha um novo ardor saindo do meu coração”, acentua.

Quando o processo da feitura do livro começou, o religioso refletiu bastante sobre a própria vida. “Então, resolvi falar um pouco da minha vocação, do que me motivou ser padre, o meu encontro pessoal com Cristo, o que aconteceu na minha infância. Como adolescente, o meu afastamento e o meu retorno à igreja, o chamado para ser sacerdote. Esse amor à Nossa Senhora, à Deus, que é o que me motiva. E eu honrei sim. Por isso chamo de Batismo de Fogo, mas ficou muito genérico. Para quem não leu e pudesse entender, coloquei um subtítulo: Conheça a Força da Superação Divina”, conta. Assim, em sua primeira obra pela Editora Planeta, ele recorda inúmeras histórias desde a infância, na Zona Norte de São Paulo, a primeira namorada aos 16 anos, a época em que cursava Educação Física e tinha um desejo de ficar cada vez mais musculoso, quando, segundo palavras dele, resolveu experimentar o “atalho nocivo” dos esteroides anabolizantes para atingir o objetivo.

Inicialmente, a nova obra de Marcelo Rossi seria lançada, em julho (Foto: Martin Gurfein)

Inicialmente, a nova obra de Marcelo Rossi seria lançada, em julho (Foto: Martin Gurfein)

Originalmente, a recém lançada obra chegaria nas livrarias na data em que completaria um ano do empurrão ocorrido, em Cachoeira Paulista, interior de São Paulo. “Estava com o livro pronto, em fevereiro. Mas com a história do Coronavírus, conversei com meu bispo no Santuário e com um amigo que trabalha na área médica e paramos com a ideia. Achei mais prudente”, lembra. Neste ínterim, modificou uns 3% do texto, incluindo comentários sobre a nova realidade do mundo, a pandemia. E cita o suicídio decorrente da depressão. “Se Deus quiser, está vacina está por vir. Mas imagina quantas pessoas não estão passando por uma depressão. Fui buscar estatísticas quando escrevi. Graças a Deus, 20% ou mais das tentativas de suicídio são mal sucedidas, mas imagina agora após a pandemia. O que tem de pessoas também que já pediram o divórcio em todos os países e no Brasil também. Viver já não é fácil. Conviver é mais difícil. Então, este livro é uma experiência a curto, médio e longo prazo”, diz.

Padre Marcelo soube de perto o que a doença pode provocar. “Tenho um amigo há 30 anos, o Chicão, ele dirige pra mim. Eu o conheci quando entrei na Diocese e jogava bola. Esse é outro milagre. Com 65 anos, diabético, pegou Covid e passou dois meses no hospital. Teve tudo que você possa imaginar, pegou uma bactéria, infartou. Tem uns dez dias que está em casa. Isso é um milagre, é o poder de Deus. Imagina é uma realidade, tem que se cuidar e eu tenho os meus pais”, ressalta se referindo a seu António e dona Vilma, que estão respectivamente com 79 e 76 anos.

Marcelo Rossi tem 25 anos de sacerdócio (Foto: Martin Gurfein)

Marcelo Rossi tem 25 anos de sacerdócio (Foto: Martin Gurfein)

Mas o padre não perdeu o contato com os dois a partir de março, quando foi decretada a quarentena. Eles estão morando com o filho no Santuário Mãe de Deus, em São Paulo. “Então, tenho que cuidar deles, não contaminá-los, estar firme. Graças a Deus, não peguei o Covid. Muito mais pensando nos meus pais, então, só posso agradecer, mas fica aqui o relato. Veja só, Deus foi preparando tudo. Eu fechei o Santuário antes por prudência, sabedoria e alegria para vencer esta pandemia e nós ainda não vencemos. Agora, mais do que nunca precisamos ter atenção, porque vejo muitas pessoas relaxando. Aqui, depois de cinco meses conversando com a Vigilância Sanitária, com o governo, percebemos a importância de reabrir, mas de forma gradual e parcial. Isso tem sido feito com todos os distanciamentos necessários”, frisa. E prossegue: “Até a vacina, nós temos que ter uma prudência. Meu livro questiona muito isso, você ser como Cristo, buscar. Assim é meu sacerdócio, viver a cada dia em um mundo, onde as pessoas estão indiferentes. Cada vez mais a gente percebe isso: diferentes, polarizados, cheios de preconceitos”, pontua.

Padre Marcelo cita no livro essas bolhas de pensamento, que tem distanciado as pessoas, que pelo fato de não terem votado no mesmo político, não estão aptas para dialogar. Está faltando fé, como explicar a intolerância extremamente presente no país, as pessoas se aglomerando, não usando máscaras em tempos de pandemia? “Eu passei pela depressão e graças a Deus o que me salvou foi a força que eu uso de tripé, que foi a oração. A Eucaristia, a Palavra de Deus e o Rosário. Para mim, isso foi fundamental e eu vejo que falta muitas vezes essa intimidade com Deus. Exemplo. Eu sou corintiano, mas sou o corintiano que dialoga. Tenho amigos palmeirenses. Eles chegam pra mim e falam: ‘Seu time está ruim’. Eu dou risada. Não vou morrer, nem não vou fazer do meu time fanatismo. Coloco muito esta ideia no livro. Esse é o grande perigo: ideologia e fanatismo. Fecha o quê? Para o diálogo. E quando você fecha o diálogo, você se fecha para o outro. Posso não estar de acordo com você, mas não é um monólogo, você tem que saber escutar. E, hoje, as pessoas não tem mais isso”, lamenta.

Atualmente, os pais de Padre Marcelo Rossi moram com ele (Foto: Martin Gurfein)

Atualmente, os pais de Padre Marcelo Rossi moram com ele (Foto: Martin Gurfein)

Está faltando gratidão. “A pessoa grata escuta mais. Não sou eu que falo isso. Conversei com amigos psicólogos e psiquiatras. Preste bem atenção. De dez casos de suicídio, nove poderiam ser evitados se nós déssemos mais atenção, escutássemos mais. Infelizmente, o mundo hoje está indiferente e na indiferença nós temos que fazer a diferença. Nesse período do novo milênio, desses avanços tecnológicos, o que acontece muitas vezes é que as pessoas acabam se polarizando. Elas se fecham para o outro. Isso não pode acontecer”, frisa.

Às vezes, nem parece que pertencemos a mesma nação, que todos são irmãos? “Por isso que na igreja católica nós não temos partido, não há divisão. Isso que eu amo na Igreja. Vou dar um exemplo. Todo ser humano é um político, mas nunca na minha vida, nem minha mãe, nem meu pai, souberam como eu ia votar. Não quero jamais influenciar ninguém nessa parte. A minha função é levar essa comunhão, a esse diálogo com Deus. Por isso que esse livro foi muito mais bibliográfico assim de compartilhar. Vou usar esta palavra que domina as redes sociais. Falei muito sobre elas. Você pode compartilhar mais do que partilhar. Então, eu falo um pouquinho da minha vida. Coisa que não continha em outros livros”, assegura. E lembra quando em entrevista para o programa Fantástico, em 2012, revelou que estava com depressão.

“Você não tem noção como eu fui questionado no início. Como o padre tem depressão, como é possível isso? Graças a Deus, porque foi justamente a fé que me salvou. Por outro lado, depois vieram conversar comigo, me agradecer, porque também passavam pela mesma situação. Mas não podiam falar, para não perderem o emprego. Então, olha a importância de você expor a sua fraqueza, entre aspas. Graças, Deus vai e opera maravilhas”, recorda.

Marcelo Rossi apresenta programas na TV Globo e na Rede Vida (Foto: Martin Gurfein)

Padre Marcelo gostaria muito de estar realizando tardes e noites de autógrafos do livro. “Este contato com as pessoas me fez muito bem no período pós depressão. Mas agora, temos que esperar uma vacina. Por exemplo, vamos olhar para o lado positivo de tudo isso. Eu sofri muito, sofri mesmo. Você não tem noção do que é celebrar com o Santuário vazio. Mas ao mesmo tempo eu tinha as redes sociais e a TV Globo (ele apresenta a Santa Missa) e a Rede Vida (onde comanda Missa do Santuário da Mãe de Deus, O Terço Bizantino e Quem Ama Canta) e outros testemunhos nesses seis meses e pouco que eu ouvi de jovens e homens que não frequentavam a igreja. Mas passaram a acompanhar a esposa ou a mãe e agora estão indo. É impressionante”, explica.

Mas ninguém espere ter o Padre Marcelo como um de seus seguidores. “Aprendi uma coisa. A rede social, ela deve ser feita pra mim como sacerdote, para evangelização. Assim que eu utilizo. Pode ver no Face, Instagram, Twitter eu só sigo uma pessoa, o Papa Francisco, porque eu sou Igreja Católica e o que na Igreja Católica me conquistou desde o início é a unidade na diversidade, isso que é lindo. Minha vocação começou com São João Paulo II. Pra mim, ele é um exemplo, ele que me desafiou a fazer tudo isso”, aponta. Anos mais tarde, do Papa Bento XVI recebeu o título de Evangelizador do Novo Milênio.

E prossegue falando sobre o uso das redes sociais. “Nós somos aparência e isso é um perigo. Vou dar um exemplo, eu tinha dois cachorros, um dog alemão e um fila brasileiro. Eles morreram e eu sofri demais. Já tinha escutado, mas não tinha passado pela situação. Eu expus os meus cachorros em uma atividade. Meu amigo, impressionante. Como falei, os dois morreram. Não teve explicação. Nisso, tive um aprendizado. A minha intimidade não se deve compartilhar. Muitos veem com bons olhos, mas infelizmente outros não, tem aquele que é crítico. Comecei a perceber que menos é mais. Estamos em um mundo que é perigoso, que é o lugar superficial. Que essência é essa, que é a grande sensação? Ter, ser e poder. Perdemos o essencial. Minha missão, agora nesse novo mundo é levar a essência. Nós podemos e somos. E o que nós somos? Amados por Deus”, avalia.

Em Batismo de Fogo, Marcelo Rossi recorda passagens da infância, adolescência e juventude (Foto: Martin Gurfein)

Em Batismo de Fogo, Marcelo Rossi recorda passagens da infância, adolescência e juventude (Foto: Martin Gurfein)

E faz um emocionado relato de esperança no futuro: “Eu creio na vacina, mas se no ano passado a depressão já estava em primeiro lugar e o extremo da depressão muitas vezes é o suicídio, você imagina agora. Como nós precisamos de Deus! Minha missão ficou mais séria. O episódio do empurrão reforçou a minha fé, me rejuvenesceu em todos os sentidos. Engraçado, nas minhas orações, Deus fala muito comigo: ‘Esquece o passado.’ Não quero ser o melhor, quero melhorar a cada dia. Usando uma gíria, o ‘cara’ é Deus. Ele é o todo poderoso. Mas num mundo de indiferença, nós podemos transformar Se cada um fizer a diferença com a sua esposa, com a sua família e por aí vai, meu Deus, o nosso mundo e o Brasil vão mudar. E lembrando que isso aqui é uma passagem. Então, a pessoa tem que ter essa concepção. Estou com 53 anos. Mas o que é isso para uma eternidade?” E prossegue na avaliação do futuro:

“O que era uma quarentena, se transformou numa centena. E por aí vai. É o novo. Teve a gripe espanhola que realmente fez um estrago enorme. E agora, nós estamos escrevendo uma nova história. Daqui uns 20, 30 anos, com certeza vai ser antes e depois da pandemia do Covid-19. Você imagina depois que tudo for mensurado… Agora, Deus tem um plano na minha vida, eu sinto muito forte isso. Quero em Batismo de Fogo levar essa mensagem.”

E em tempos contraditórios o que pensa sobre aqueles que apontam a pandemia como um castigo divino por conta do comportamento das pessoas? “Primeiro, tudo que se possa falar agora é prematuro. Segundo, Deus é amor. O nosso Deus não faz isso. Eu adoro Astronomia. É culpa de Deus a destruição da nossa atmosfera? Tanta coisa… aí tenho medo que isso vire político, então, não quero falar nem A, nem B, nem C. Mas olha, nesse momento que estou falando com você, tenho comigo uma foto belíssima da aurora boreal. Mas veja, a camada de ozônio está cada vez mais acabando, porque o mundo não pensa na poluição, esquece de pensar na geração que está por vir. Vamos conversar mais. Por enquanto, posso dizer de uma nova esperança, um novo sacerdócio”, finaliza.