*Por João Ker
Quem esteve na Comuna semana passada pôde conferir a primeira exposição da artista Mãe Ana, mais conhecida como Ana Cláudia Lomelino, vocalista da Banda Tono. Pela primeira vez, a cantora e artista plástica convidou o público para conhecer um pouco do seu imaginário que era exposto apenas para convidados do seu apartamento na Gávea. Abarrotando a nova pista de dança do espaço em Botafogo, Mãe Ana encheu chão, teto, paredes e móveis com imagens profanas (uma Virgem Maria com cabeça de alienígena), sagradas, bonecas travestidas e reproduções de seus maiores ídolos (há uma fusão de Gal Costa com uma foto de Inez & Vinoodh ao lado de um vinil vintage da Xuxa). Mas, antes de chegar à arte, a artista: por quê “Mãe Ana”?
“O ‘Mãe’ é uma forma de enaltecer a deusa, a figura de uma divindade mulher. Eu acho que, ultimamente, a sociedade tem se focado muito em dizer que Deus é um homem, mas é óbvio que o criador primordial é uma figura feminina. E eu acho extremamente importante invocar isso”, explicou Ana, com os olhos circulados por uma maquiagem à base de glitter e os cabelos negros presos em uma trança coroada por flores. Flores que, por sinal, complementam a aura de infância – mas nem por isso menos divertida – que é criada no ambiente. “Quando eu morava sozinha ficava tudo espalhado pelo apartamento, mas, agora que eu sou casada, restrinjo a arte ao meu ateliê”, conta.
Esse caos babélico vem da infância, quando Ana começou a manifestar sua adoração pelas bonecas: “Elas são como humanos. Têm sua própria história, carregam suas próprias lembranças e sempre me acompanharam vida afora. Há toda uma memória afetiva em volta delas”. Ao contrário do que parece, essa mutação que deixaria qualquer personagem de Toy Story com traumas para o resto da vida não tem a ver com problemas de infância. “Meu objetivo foi sempre humanizar as bonecas, torná-las menos perfeitas e mais parecidas com as pessoas. E isso vem do amor que eu sinto por elas.”
A estética dessa mistura entre o sagrado e o profano também parte do mesmo princípio que a cirurgia plástica das bonecas. “Eu quando criança sempre quis brincar com essas figuras santas, sabe? Eu via Jesus pendurado na parede e me dava uma vontade incontrolável de pegá-lo pra brincar com Maria. Já essa coisa de pendurar imagens nas paredes começou quando eu tinha 13 anos e transformei meu quarto em uma espécie de ambiente anárquico onde eu podia fazer tudo o que eu queria com a decoração. Então, eu colava imagens, rabiscava a parede, meus amigos também rabiscavam quando iam me visitar, eu fazia o que queria”.
Durante a noite, Mãe Ana também fez uma performance emocionante e soltou a voz. “Eu canto no palco do mesmo jeito que eu canto para o meu filho de dois anos. É um baita receio, porque apesar de ser uma coisa minha e não de consumo para o público, é algo que eu exponho. Assim como essas artes daqui: o meu quarto tá na roda”, brincou. E esse quarto de Mãe Ana pode ser perturbador a princípio, mas quando você para e pensa, é preciso muita coragem para expor suas fantasias infantis. E, se ela conseguiu aprimorar uma técnica que a acompanhou desde criança e ainda hoje a liberta artisticamente e alimenta sua alma, então o objetivo foi alcançado com primor.
Fotos: Divulgação
Artigos relacionados