*Por João Ker
“Eu nasci artista.” É assim que Kakau Hofke, carioquíssima de sangue e de arte, explica sua verve. Seu nome pode até ser desconhecido por alguns, mas com certeza a sua arte não é. Através de cores alegres e animadas, ela vem transmitindo desde 2007 a aura carioca em quadros, almofadas, cangas, estátuas, camisas e qualquer outro suporte que possa encontrar pela frente. Seu lance é colorir o mundo em uma vida carregada de gamas. De emoção e de cores. Em entrevista exclusiva por telefone para o HT, Kakau lembra o início da carreira, as motivações que a tiraram de seu blecaute criativo e o que acha da atual situação do Rio de Janeiro.
“Sempre gostei muito de usar as mãos, de meter a mão na massa (e na tinta)”, comenta Kakau. Sua voz soa tipicamente carioca: um pouco rouca, mas alto astral, com as vogais abertas e o inconfundível “s” com som de “x”. Ao falar com ela, não importa se você está sentado na sala-de-estar ou na cama do quarto, a sensação que se tem é a de estar tomando uma caipirinha (ou qualquer drink bem brasileiro) à beira-mar. “Desde que eu era criança, minha mãe me acalmava com lápis de cor, papel e tesoura. E eu fazia de tudo: tricô, crochê, desenhava, colava, pintava… Tudo o que envolvesse as mãos”. Aos 16 anos, foi morar na Suíça “arrastada”, por conta do emprego do pai. Para quem já havia morado na Bahia e em São Paulo e estava acostumada a mudanças, Kakau confessa que sentiu saudades imensas da capital fluminense: “Naquela época não tinha Skype e essa coisa de manter contato via internet. Era tudo por carta e essa falta de contato me deixava arrasada”.
Dois anos depois, resolveu estudar design gráfico, a “profissão do futuro”, em Paris. “Todo mundo falava que publicidade era a bola da vez, então eu escolhi algo do meio onde eu pudesse exercer meu lado criativo. Fui para a comunicação visual”, conta tranquilamente. Depois de formada, viveu uma aventura profissional que inclui uma passada pelo Marrocos (onde ensinou pintura sobre seda) e uma carreira em computação gráfica, na cidade de Lisboa. Trabalhou por mais quatro anos com criação em marketing na Globosat e foi então que, em 1998, sua persona artística esmurrou suas paredes internas, pedindo para extravar através da tinta e dos pinceis.
“Foi algo muito instintivo. Eu senti essa vontade louca de pintar e comecei a fazer alguns quadros que foram vendendo e, aos poucos, voltei às artes”, explica Kakau. Apesar da satisfação em pintar, suas obras de retorno eram tímidas e nada parecidas com os quadros multifacetados que faz atualmente. “Eu tinha medo de ousar demais nas cores, de acabar misturando muito e ficar cafona. Então fui fazendo trabalhos mais geométricos, monocromáticos e com cores mais ‘elegantes’. De vez em quando aparecia um laranja tímido aqui e ali, mas era raro.” O Rio apareceu em 2007, quando foi convidada por Jorge Salles para participar de uma mostra coletiva. Mas, ainda assim, eram quadros tímidos e discretos, que em nada se assemelhavam à extravagância cromática que permeia seu trabalho atual.
Daí chegou o período mais crítico da carreira de Kakau Hofke. Apesar de estar pintando, Kakau vendeu suas obras por algum tempo, até que caiu em um período de “blecaute criativo”, o qual durou cerca de um ano e meio. “Eu esgotei minha criatividade, não sabia mais o que fazer. E ainda passei por um término de namoro que me levou ao fundo do poço de verdade”, lembra a carioca. Mas há males que vêm para bem. Após sair desse relacionamento, não demorou muito e Kakau foi convidada para expor no Centro de Artes Lygia Clark, o que, em suas próprias palavras, foi uma salvação criativa. “Eu pensei: ‘É isso que vai me obrigar a inovar’. Porque eu sei que quando assumo um compromisso com terceiros, levo tudo muito a sério e me torno extremamente perfeccionista.”
E como levou a sério. Kakau desenterrou uns ensaios sobre o Rio e foi a partir deles que começou a criar a linha que, mais tarde, se transformaria em seu cartão de visitas. “Hoje deu uma melhorada, mas antigamente os brindes e souvenires do Rio eram muito cafonas. Então eu pensei: esse não é o Rio de Janeiro de verdade! Daí foi minha paixão pela cidade que me moveu. Eu disse: ‘Vou pintar o Rio colorido, mais pop, como eu vejo que ele é de verdade’. Porque existem milhares de cidades bonitas pelo mundo, mas isso aqui tem um borogodó e um magnetismo que são cativantes. E não é só a natureza maravilhosa. Tem uma coisa do povo, do calor, das cores, do boteco, das praias e até das diferenças sociais coexistentes que faz essa cidade ser o que ela é”, discursa a pintora com uma paixão carioca que só quem já morou na cidade consegue entender.
Foi então que, com muitas cores azuis, verdes, amarelas, laranjas, vermelhas e púrpuras, inventou o Rio que queria mostrar ao mundo. Kakau abriu o peito e, de dentro dele, encontrou aquela paixão carioca que é latente nos amantes do paraíso tropical. Transfigurou isso tudo em arte e caiu nas graças do público. Mas, ao contrário de muitos outros, não ficou alienada. Sabe das dificuldades e dos períodos negros que a cidade vem enfrentando, mas mesmo assim não desiste. “Eu não estou animada com a Copa. Está tudo sujo, desgovernado, uma merda! E nós ainda somos privilegiados, porque eu sei que tem gente em situação pior. Mas a cidade continua linda e isso sim é impressionante. Independentemente dessa coisa de roubalheira, de injustiça, de falta de respeito… Independente disso tudo, a gente olha para cima e tem orgulho de ser daqui.”
Kakau consegue enxergar o Rio com olhos de quem ama: assim como todos que residem pela cidade, ela consegue ver o que poderia melhorar por aqui e também sofre com o estado decadente de certos aspectos, apesar de não perder a esperança. Ela vê um movimento que admira nos novos artistas de rua, os quais, através do grafite, vêm movimentando as veias artísticas e culturais do país. “Tem muita coisa boa por aí. Eu adoro o trabalho do [Antonio] Bokel, do Smael, do Rodrigo Villas e acho que o Vhils também faz umas obras magníficas, com essa coisa de dar visibilidade aos membros de comunidades carentes.”
Com 46 anos e o passaporte carimbado de saudades, Kakau Hofke confessa que morar longe do Rio foi um dos maiores desafios que teve. E cita Tom Jobim para expressar esse sentimento: “Morar em Nova York é muito bom, mas é uma merda. Agora, morar no Rio de Janeiro é uma merda, mas é muito bom”. Cariocas de sangue ou de alma entenderão e sentirão exatamente o que a artista quis dizer com tal declaração.
Diferentes suportes criados com a arte de Kakau (Foto: Divulgação)
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