* Por Carlos Lima Costa
Cidadão do mundo, morando fora do Brasil desde 2014, em lugares como França, Grécia e Nova Zelândia, vindo ao país, em geral, para trabalhar, o ator José de Abreu, que vive o empresário Santiago em ‘Um Lugar Ao Sol’, na Globo, já está de malas prontas. Com a novela totalmente gravada, ele embarca para Lisboa, sábado, onde vai passar os próximos meses com a mulher, a maquiadora Carol Junger, até surgir um novo papel. Sem contrato fixo com a Globo desde junho de 2020, ele agora assina por obra certa. E, dessa vez, parte completamente entusiasmado com o empresário que interpreta na trama das 21 horas, considerado por ele como um dos melhores papéis de sua carreira. “É um personagem raro, é um milionário decente, justo, com preocupações sociais e o encontro dele com o personagem do Cauã (Reymond) é muito bacana, pois ele tem um lado bom bem desenvolvido. Então, os dois têm conversas muito boas sobre a vida, principalmente o meu personagem, um daqueles empresários antigos, brasileiros como José Alencar (1931-2011), que foi vice do Lula. Eram empresários mais nacionalistas, com preocupações de diminuir a desigualdade social, como se vive hoje em um país mais desenvolvido como a Nova Zelândia, onde passei pouco mais de um ano. Não é socialismo, nem comunismo. É a questão da justiça social”, afirma ele, que nesta atual passagem pelo Brasil, além de gravar a novela, lançou sua autobiografia Abreugrafia – Livros I e II.
A falta de liberdade para transitar pelas ruas no Brasil é um dos motivos que o mantém no exterior. Quando foi convidado para participar da novela escrita por Lícia Manzo, por exemplo, ele estava residindo na Nova Zelândia. “Aqui eu saio pouquíssimo, porque toda hora um bolsonarista vem me xingar, é um saco. Assim, aqui, eu vivo de quarentena”, desabafa.
Quando decidiu morar no exterior, em 2014, a ideia era ir para um lugar onde não fosse conhecido. Cogitou Argentina ou Uruguai. “Mas Avenida Brasil estreou por lá e foi um sucesso nos dois países. Aí, eu fui para Paris, comprei um apartamentinho onde morei lá 10 meses sozinho. Fui com a ideia de não ser conhecido, de ter uma vida como uma pessoa normal sem ser celebridade, essas besteiras”, enfatiza.
Em Paris, surgiu a ideia da Abreugrafia – Livros I e II, sua recém-lançada autobiografia. O volume I, Antes da Fama, relembra a infância e fatos como o autoexílio na Europa, enquanto o segundo, Depois da Fama, relata o sucesso como ator. “Eu tinha me separado da Camila (Paola Mosquella), que não chegou a ir para Paris, ficou no Rio, quis se separar, ser mãe. Fui sozinho e aí voltei a ter a ideia de contar parte da minha vida”, diz ele, que devido ao frio deixou a capital francesa e foi morar em uma ilha grega, onde havia vivido em 1973. “Minha casa de Paris foi alugada e a da Grécia, eu devolvi. No momento, estou sem casa, agora não tenho mais lar, vivo no Airbnb”, revela o ator.
Natural de Santa Rita do Passa Quatro, no interior paulista, José de Abreu é um homem apaixonado por política, área que poderá fazê-lo permanecer vivendo novamente mais tempo no Brasil. Afinal, ele cogita se candidatar nas próximas eleições. “Não quero largar a carreira de ator. Esse meu movimento é no sentido de tentar ajudar o Brasil durante um período da minha vida, um mandato de deputado federal. É o que me pediram. Isso ainda está se resolvendo, tem um monte de empecilhos. Tem reprises que vão ao ar na Globo. Então, tenho que ver isso com a emissora, até já conversamos, e com o PT também. Na verdade, faço política desde 1967. Nunca foi política partidária, mas sempre fui um cara de esquerda. A ideia é ajudar o PT do Rio que ficou fragilizado. É muito ruim a política aqui, onde os últimos cinco governadores foram presos, menos a Benedita (da Silva), do PT, negra, favelada, mulher”, pontua.
Abreu descreve o que planeja realizar se vier a ser um deputado federal. “A disposição de dedicar quatro anos da minha vida é para reconstruir o Brasil. Se não fosse o (Jair) Bolsonaro eu não pensaria nisso. Primeiro, é acabar com a fome, com o desemprego, com a miséria. Ajudar na pauta da diversidade, nas lutas contra todos os tipos de preconceitos como racismo, LGBT, misoginia. Refundar o Ministério da Cultura, que não existe mais, a Ancine que está praticamente parada, a Funarte…Na minha área tem milhares de questões para fazer. Mas não é só isso. O fundamental é ajudar o Lula se for candidato e se for eleito, a reconstruir o Brasil. Se eu for eleito, passarei quatro anos em Brasília, fazendo isso e depois retornarei ao meu trabalho como ator”, frisa.
Lula, aliás, assina o prefácio da obra escrita pelo ator. O ex-presidente do Brasil e o ator se conheceram em 1989, no último comício antes da eleição vencida por Fernando Collor de Mello. “O Lula não conseguia chegar no palco, então, o coloquei nas costas, o levantei e fui abrindo caminho. Depois, começamos a manter contato através do José Dirceu (ao lado de outros estudantes, ele e José de Abreu foram presos juntos, no Dia das Crianças, em 1968), que foi meu colega de faculdade”, recorda Abreu, cujo livro da Ubook, além da versão impressa, está disponível em ebook e audiobook, narrado por ele mesmo.
Nos últimos tempos, por várias vezes, o ator esteve no noticiário por conta de temas relacionados à política. “É o meu jeito. O que vou fazer? Pessoalmente, sou um cara alegre, gentil com todo mundo, mas na internet a gente leva muita porrada. Desde que o Lula foi eleito, é a mesma história que aconteceu com Getúlio Vargas (1882-1954) e com João Goulart (1919-1976). É uma loucura, porque toda vez que perdem para a esquerda, eles vêm com esse papo de luta contra a corrupção e aí tiram a pessoa que foi eleita pelo povo, como aconteceu com o João Goulart e com a Dilma (Rousseff). Ai eles entram e roubam”, ressalta.
E acrescenta que isso representa a eterna luta de classes. “O brasileiro não aceita que o pobre coma todo dia. Não basta o brasileiro ser bem de saúde, bem de comida, bem de dinheiro, ele tem que ver o outro se ferrando. A elite brasileira é muito ruim, ela tem que trocar de carro todo ano e o vizinho não pode trocar. Se o vizinho trocar não vale para ele. O (Paulo) Guedes (Ministro da Economia) falou, é bom que o dólar esteja caro, porque estava uma festa, toda empregada estava indo pra Disney”.
E acrescenta: “Essa frase do Guedes é o que pensa a classe média brasileira. Eu tive um exemplo lá na Nova Zelândia. Lá, eles não têm essa história de trocar de carro todo ano, nem de status. Ninguém quer saber se o vizinho comprou carro novo, se está de roupa nova. Cada um vive a sua vida em busca da sua felicidade. No Brasil, a impressão é que você só é feliz se o outro está ferrado. É um negócio de louco. É por isso que eu não consigo ficar quieto. É um país atrasado, a mentalidade é tacanha, a elite, a burguesia brasileira é uma cavalgadura”.
O país permanece polarizado, preconceito acentuado contra negros e LGBTs, amigos e familiares discutindo entre si. “Eu tenho uma filha trans, eu fico muito preocupado com isso”, frisa. E conta mais detalhes da história da caçula dos cinco filhos, que mora na Califórnia e estuda design para game e animação. Isso não está em nenhum dos volumes da Abreugrafia. Ele já havia terminado de escrever quando aconteceu. Mas colocou o nome Bia na dedicatória. “O Bernardo (21 anos) é trans, agora é Bia. Há dois anos, está fazendo a transição lenta com acompanhamento médico, psicológico. Eu dei todo apoio desde o primeiro momento que me contou e tivemos uma conversa de três horas. A vida me ensinou. Não adianta, a Tabata (a deputada Tabata Amaral) dizer que sou misógino, eu não sou. A Tabata está me processando, mas tudo bem, sei que não sou misógino. É só falar com as minhas ex-mulheres. Sou amigo de todas. Nenhuma mulher nunca me acusou de nada, isso é um absurdo, é luta política. Vou me defender na justiça. Não vai ser o primeiro nem o último processo”, aponta.
O ativismo político é um tema pouco abordado nos livros de Abreu. “Ele é muito recente, é algo de internet. Eu faço um apêndice para falar sobre isso, porque a editora pediu. Mas falo do meu tempo de juventude, quando fui militante de esquerda contra a ditadura, comecei a fazer teatro na faculdade de Direito”, observa ele, que chegou a ser preso no Dops, em São Paulo. “Na época, a tortura ainda não era institucionalizada. Isso aconteceu mesmo depois do AI-5, decretado em 13 de dezembro de 1968. Fiquei dois meses preso, mas fui solto um dia antes do AI-5. Por sorte eu saí, por que falavam que ia ter um golpe branco, um golpe dentro do golpe. Um pessoal da direita mais radical contra a direita mais democrática. No exército, haviam várias correntes. Quando fui solto e veio o AI5, eu fugi, fui para o interior e, depois, vim morar no Rio, onde passei fome escondido em um apartamento na Rua Prado Júnior. Foi difícil, muito medo de sair na rua, sabe, amigos estavam desaparecendo”, relembra.
E prossegue: “Tinha acabado o habeas corpus, a polícia podia entrar na sua casa, não dava nem para fazer festa de Natal ou Réveillon, porque o medo era grande. Os porteiros de prédios eram obrigados a ligar para o Dops se mais de cinco pessoas estivessem reunidas. Foi um terror. Todo mundo queria ir embora do Brasil. Eu saí em 1972, fui para Paris, Londres, onde lavei prato, Amsterdam, onde dirigi um ônibus de hippie, depois na Grécia fui servente de pedreiro. Voltei no final de 1974 e fui morar em Pelotas que era uma maneira de estar longe”, observa.
Em sua autobiografia, o ator reserva espaço a outros fatos turbulentos. Ele revisita, por exemplo, a morte do primogênito dos cinco filhos, Rodrigo, que caiu da janela de seu apartamento, em 1992, aos 21 anos. “Foi um dos momentos mais difíceis. Estava em Manaus, trabalhando, me deram um remédio para dormir. Nunca tinha tomado um calmante, fiquei muito grogue. A ficha foi caindo aos poucos”, recorda.
No livro, revelou um trauma da infância quando sofreu um abuso sexual durante a sessão do filme Marcelino Pão e Vinho. “Era um padre prefeito que me masturbou. Não denunciei, fiquei com medo, eu tinha 12 anos. Estava no seminário, tive que comungar com aquele pecado, foi horroroso. Na época, diziam que comungar com pecado era um pecado mortal. Foi muito ruim, acabei saindo do seminário”, assegura.
O episódio mudou sua relação com a religião. “Totalmente. Você percebe o que acontece com todas as religiões que tentam mitigar o desejo. Na Índia, acham que conseguem anular o desejo através de mantra, da oração, da religião. E é o país que mais tem estupro. Na Inglaterra, aquela descoberta, quantas crianças, quantas meninas sofreram (em abrigos e orfanatos de Londres, centenas de crianças sofreram abusos, entre as décadas de 1960 e 1990). É impossível você conter a pulsão do desejo. Se você entra nessa, vai dar vazão por outro lado, pelo lado da pedofilia. Isso que é uma loucura. Uma das coisas que me faz um cara mais saudável é que eu nunca neguei o meu desejo. Tive mulheres ótimas com as quais casei, que também tinham um pensamento parecido com o meu”, aponta.
Em Abreugrafia, ele dá detalhes do rápido encontro com Vera Fischer, em 2001, com quem, segundo o próprio, teve “uma das mais lindas noites de amor” de sua vida. “Foi bom mesmo. São mulheres mais velhas que sabem fazer sexo. Foi uma noite de amor, mas não fui namorado dela. A gente era muito amigo”, explica ele, bem realizado na questão amorosa. “Sem dúvida. Eu sempre arrisquei e entrei de cabeça nas relações, nunca tive medo de juntar os trapos. E tive casamentos, por exemplo, com a Nara (Keiserman) foram 20 anos, com a Ana (Beatriz Wiltgen) e com a Camila foram quase 10. Agora, estou com a Carol faz dois anos e meio e está tudo ótimo graça a Deus”, diz.
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