“Já sofri episódios de abuso. Não conheço mulher que não tenha passado por tal situação”, diz Ana Paula Araújo


A jornalista e apresentadora da TV Globo lança o livro ‘Abuso – A Cultura do Estupro no Brasil’, fruto de quatro anos de entrevistas e pesquisas, com o objetivo de lançar luz sobre o tema. Além disso, Ana Paula torce para que o livro vire série e possa alcançar mais pessoas, e revela ao site que já trabalha em uma próxima obra: “Hoje, a Ana Paula escritora toma muito do meu espaço, dos meus pensamentos. Na verdade é mais o tema do que o livro em si. Mas já penso em um próximo projeto, que é sobre violência doméstica. Outro aspecto da violência contra a mulher”, revela

*Por Brunna Condini

Ela embarcou em uma jornada para conhecer e ampliar histórias no que diz respeito à violência contra a mulher no país. Compilando horas de entrevistas e pesquisa Ana Paula Araújo, apresentadora do ‘Bom dia, Brasil’, na TV Globo, lançou este mês o livro “Abuso – A Cultura do Estupro no Brasil’ (Globo Livros), no qual revela narrativas chocantes, colhidas através de anos de trabalho. “Foi uma jornada muito intensa. Foram quatro anos lidando com histórias muito pesadas de vítimas, que muitas vezes não conseguiram superar o trauma e convivem com ele há décadas. Ouvi também criminosos, em entrevistas que davam revolta, muita raiva”, recorda.

“Foi uma jornada muito intensa. Foram quatro anos lidando com histórias muito pesadas de vítimas, que muitas vezes não conseguiram superar o trauma”(Foto: Leo Aversa)

Na obra, a jornalista salienta que é um crime mais comum do que se tem notícia e que apenas uma minoria é punida: isso dentro de um universo de 90% dos casos que não são denunciados. E dos 10% dos casos que chegam até as delegacias, poucos têm uma investigação policial de fato, e depois ainda tem a decisão da justiça de um crime que por muitas vezes não deixa marcas e não tem testemunhas. Ana ouviu mulheres, crianças e adolescentes em sua trajetória. “Os momentos mais difíceis era quando encontrava os casos que envolviam crianças, que são a maioria deles. A gente sempre pensa no estuprador como aquela pessoa que ataca em uma rua deserta, mas infelizmente, o maior perigo mora em casa e as vítimas são crianças”, alerta.

“Eu digo que o estupro é o único crime que a vítima sente culpa e vergonha. Esse é o principal ponto que a gente tem que tocar. A vítima é vítima e o criminoso é criminoso. Eles têm que começar a ser punidos ou pelo menos sofrerem constrangimento da sociedade. Não a serem aceitos como se estupro fosse um crime menor. Essa carga de culpa, de vergonha, não pode mais ficar com a vítima”.

O livro de Ana Paula Araújo ‘Abuso – A Cultura do Estupro no Brasil’ (Globo Livros) lançado este mês (Divulgação)

Não é não!

Na construção do livro Ana Paula teve que equilibrar seu trabalho diário na TV Globo com as viagens, pesquisas e entrevistas nos finais de semana. Mas a apresentadora afirma, que o trabalho incansável valeu à pena, já que alcançou seu objetivo de traçar um retrato da violência sexual pelo país. “O livro joga luz sobre um tema que permeia a vida de todos nós, que está presente no cotidiano, dentro das famílias e que é sempre um assunto varrido para debaixo do tapete. Acho que é um tema para trazer reflexão, discussão. E tomara, o que mais espero, que seja um livro para mudar mentalidades”. E revela: “Tenho sido procurada por muita gente me contando de casos de abuso que sofreram. E conversei há pouco tempo com uma vítima, que sofreu um abuso dentro de um táxi. O que ela me disse é que leu o livro e se sentiu de alma lavada. Esse é o melhor retorno”.

Aos 48 anos e com uma vida dedicada ao jornalismo, Ana realizou grandes coberturas, inclusive, uma delas, sobre a ocupação do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, que lhe rendeu o Emmy Internacional. E agora, também conta no livro a violência que ela própria viveu. “Já sofri vários episódios de abuso, infelizmente. Eu conto no livro o que aconteceu comigo no transporte público, que é algo bem comum, próximo de todas nós. Não conheço uma mulher que tenha andado de transporte público que não tenha sofrido algum tipo de ataque, abuso. Aliás, não conheço nenhuma mulher que não tenha sofrido ao longo da sua vida algum episódio de abuso sexual, entre episódios mais graves e outros menos graves. Todas nós somos vítimas, todas nós passamos a vida inteira com medo, preocupadas, tentando fugir deste tipo de situação”.

“Já sofri vários episódios de abuso, infelizmente. Eu conto no livro o que aconteceu comigo no transporte público, que é algo bem comum, próximo de todas nós” (Foto: Leo Aversa)

O que os homens precisam entender, de uma vez por todas, sobre violência contra a mulher? “É que a violência sexual também está presente em pequenos atos do cotidiano: em piadas machistas, a tal ‘mão boba’, em se aproveitar de uma mulher bêbada, forçar intimidade. Os homens têm que entender também que ‘sim é sim’ e ‘não é não’, que não existe essa de mulher ‘dizer não querendo dizer sim’. Se ela disse ‘não’, isso deve ser respeitado. E não interessa se em algum momento anterior essa mulher disse ‘sim’. Ou se houve um começo de uma intimidade consensual. No momento que ela diz ‘não’, tem que parar. Todos esses casos, são situações em que homens forçam a barra e não veem que estão cometendo um crime, uma violência contra a mulher. Acham que estupro é algo que só outros criminosos absurdos cometem. Mas na verdade, muitos homens cometem em seu dia a dia e não se enxergam como estupradores que são”.

E compartilha a torcida de que sua obra sobre o tema vire uma série: “Espero que sim. Por enquanto não há nada concreto, mas quanto mais tivermos meios de divulgar as informações, as ideias contidas no livro, isso pode chegar a mais gente. Então, tomara que aconteça!”.

“Hoje a Ana Paula escritora toma muito do meu espaço, dos meus pensamentos” (Reprodução)

A jornalista revela também que já trabalha em um próximo projeto, que vai expandir o tema. “Hoje a Ana Paula escritora toma muito do meu espaço, dos meus pensamentos. Na verdade, é mais o tema do que o livro em si. Mas já penso em um próximo projeto, que é sobre violência doméstica. Outro aspecto da violência contra a mulher”.

Se pudesse existir novamente no mundo, em outro tempo e espaço, escolheria vir mulher? “Adoraria vir mulher novamente, em uma reencarnação, em um futuro não muito distante. E quem sabe, encontrar um mundo melhor, mais justo com as mulheres. E lá no fundo saber que isso é resultado de tantas lutas que vieram das mulheres das encarnações anteriores”.