*Por Brunna Condini
As histórias dos outros podem nos inspirar sempre, talvez isso explique o boom de autobiografias lançadas nos últimos tempos: quem escreve pode revisitar e investigar sua jornada, além de garantir sua permanência na memória coletiva. E quem as consome, pode estar buscando referências, identificação ou só matando a curiosidade mesmo. Que elas têm um espaço especial aqui no site, vocês já sabem, adoramos trocar com quem passa a vida a limpo. Desta vez, nosso papo é com Isabel Fillardis que acaba de lançar ‘Muito prazer, Isabel: Cristina & Fillardis’, no qual desnuda sua trajetória, faz revelações e investiga múltiplas facetas.“Os trechos que mais mexeram comigo foram aqueles onde aconteceram mais transformações e dores, e também a parte em que falo da infância. São trechos mais profundos. A parte sobre espiritualidade também foi uma das que mais mexeu comigo”, antecipa ela, que também está no filme ‘Sexa‘, de Glória Pires previsto para 2025; e em ‘Madame Durocher’, já nos cinemas, sobre a vida da primeira mulher parteira no Brasil.
No seu livro, a atriz e cantora também fala de situações de racismo que viveu na infância, adolescência e fase adulta. De tudo isso, o que mais te marcou? “Acredito que viver situações de crueldade e violência na infância te marcam para o resto da vida. É preciso muita terapia para ressignificar esses momentos e entender que você não provocou isso, que isso não vem de você, vem do outro, do olhar do outro. Então, com certeza, qualquer atitude, qualquer violência na primeira infância, na adolescência, são mais cruéis do que na fase adulta. Falo bastante sobre isso no livro. Se eu falar mais um bocado aqui, vou dar muito spoiler. É preciso ler o livro para entender essas vivências das quais até então eu nunca tinha falado”. E continua, sobre o que divide de forma íntima como o leitor:
Isabel se curou após tratamento de um câncer na língua em 2013. Depois desta experiência, o que mudou na sua relação com o mundo? “A gente muda a perspectiva quanto ao futuro. O futuro é agora, a vida é agora. Tenho estado de presença, gratidão por cada momento feliz. Por cada momento, por cada desafio, a gente agradece tudo, tudo que a gente tem, o que a gente é hoje. A perspectiva de futuro começa a ficar reduzida. Planos do tipo a longo prazo, começam a ficar inexistentes, começamos a fazer planos de hoje pra hoje, a médio prazo talvez, mas sempre agradecendo o hoje”, conclui.
Aos 51 anos Isabel também expõe como sente o amor e o sexo na maturidade. “Se me dissessem quando eu era garota, que encontraria o amor, e o amor na maturidade, teria ficado menos ansiosa, não é? Temos uma urgência muito grande em amar, em fazer tudo quando a gente é garota, mas uma das melhores coisas que me aconteceu foi ter a possibilidade de amar e ser amada na maturidade, poder viver com plenitude, com calma, com tranquilidade, com intensidade, uma relação saudável. Eu tenho uma relação de muita parceria, de cumplicidade com o Well Aguiar (ela e o ator namoram há três anos). E estou muito, muito feliz. Desejo isso para muitas mulheres e para os homens também, claro”. A atriz foi casada com Julio Cesar Santos por 15 anos, de quem está separada desde 2015. Eles são pais de Analuz, 23, Jamal, 21, e West, 11.
Precisamos enaltecer artistas 40 +, 50 +, 60 +…há uma política de eterna juventude na sociedade e precisamos acabar com isso. Todas as etapas da vida são importantes, têm seus prós e contras. Precisamos trazer a real excelência, a sabedoria – Isabel Fillardis
Maternidade
Na biografia, ela também divide as experiências da maternidade atípica, já que seus três filhos são neurodiversos: Jamal tem Síndrome de West, e Kalel, tem autismo. Já Analuz, foi diagnosticada com transtorno de ansiedade. “Falo da maternidade de uma forma não romântica, real. A minha maternidade é diferenciada, então a minha trajetória fez com que eu tivesse um olhar realmente mais diferenciado e mais profundo. Falo dos momentos desafiadores, mas também da transformação que eles trouxeram para a minha vida, com certeza. Um divisor de águas, eu digo”.
Escrever um livro era algo que estava na ‘Lista de Desejos’ na vida, e o universo me trouxe o convite para escrever a minha história. Comecei a escrever em junho desse ano, terminei em outubro. Foi muito revigorante poder revisitar memórias, ressignificar algumas histórias e dores. Adorei o processo de escrever – Isabel Fillardis
Protagonismo
Isabel estreou na TV em ‘Renascer’, em 1993. De lá pra cá, foram muitos trabalhos no audiovisual. Recentemente a atriz esteve em ‘Amor Perfeito‘ (2023), e este ano fez uma participação na novela das sete ‘Fuzuê’, ambas na Globo. Com 30 anos de carreira, a atriz ainda não fez uma protagonista e fala se gostaria de fazer. “O artista vive de desafios, do que nos inspira a fazer os personagens, que são as complexidades humanas que eles carregam. Então, para fazer uma protagonista, teria que ser algo que me inspire, algo que me instigue a fazer uma coisa diferenciada, não tem como”. E acrescenta ao observar o cenário mais etarista no ambiente televisivo: “Precisamos enaltecer os artistas 40 +, 50+, 60 +. Há uma política de eterna juventude na sociedade e isso precisa acabar. Todas as etapas da vida são importantes, têm os prós e contras. Então, precisamos trazer a real excelência, a sabedoria”.
Como vê o avanço do protagonismo negro no audiovisual hoje? “Como estamos no Brasil, temos um racismo estrutural. Vivemos dizendo isso, mas precisamos insistir, continuar falando, para tenhamos realmente uma sociedade mais equânime, para que as nossas crianças possam crescer sem essa visão racista. É muito trabalho que ainda precisa ser feito. Estamos longe de ter uma sociedade satisfatória em relação à questão racial. Há muito a se fazer em todas as áreas, em todas as frentes, principalmente na educação. No meu ponto de vista, a educação vai fazer com que a gente consiga olhar para as gerações futuras. Precisamos ter um olhar para as gerações futuras, precisamos fazer valer a lei 10.639 (lei que inclui o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar) nas redes de ensino público e particular, para contar a nossa real história. São muitas as arestas que precisam ser aparadas para que tenhamos uma questão racial mais bem resolvida no Brasil”.
São muitas as arestas que precisam ser aparadas para que tenhamos uma questão racial mais bem resolvida no Brasil – Isabel Fillardis
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