Tem um pouco de vídeo, de performance e muito de poesia. Um pouco de nudez literal e um pouco de abstrata. E muita arte. Essa é a mistura potente do espetáculo “Carne do Umbigo”, de Maria Rezende, que está ocupando o Rio de Janeiro. Depois de um fim de semana na Casa Ipanema, a artista se apresenta neste sábado e domingo na Casa Quintal, em Santa Teresa, e no próximo fim de semana na Casa Rio, em Botafogo. Neste tour artístico pelo Rio de Janeiro, Maria Rezende tem levado sua essência e sua intimidade para os palcos cariocas. Em “Carne do Umbigo”, a artista faz um compilado de seus três livros em poemas que ganham cor, forma e emoção. Além do poderoso texto da poetisa, as palavras ditas por ela ainda são completadas por vídeo artes e performances ao vivo, em que cada elemento foi estrategicamente pensado – do figurino ao cenário.
Sobre o conceito do novo trabalho, Maria sintetizou com poucas palavras: “Eu sou poeta e falo poesia mesmo antes de ter aprendido”. De acordo com a “dizedora de poesia”, como ela se intitula, a ideia pelo espetáculo surgiu de uma vontade de ir além da leitura de seus versos. Filha de cineasta, ela queria multiplicar as sensações de suas palavras e, assim, passou a explorar novas camadas da arte. “Há algum tempo eu recito poesias, mas, recentemente, eu comecei a querer fazer um espetáculo que fosse mais completo. De fato, um espetáculo. Não queria mais só um recital”, contou a artista que, desta vontade, agregou o teatro às palavras. “Eu aproveitei que também faço cinema e comecei a produzir vídeos super artesanais e bem improvisados. Então, eu gravo com a câmera do celular ou do laptop e como trilha sonora coloco músicas dos meus contemporâneos”, explicou.
Tudo isso para dar ainda mais força para os seus poemas. Por falar deles, “Carne do Umbigo” é também o nome do terceiro livro de Maria Rezende. Mas, como nos contou, no espetáculo homônimo a artista passeia pelos versos das três obras da carreira. “Eu começo falando sobre escrever, os riscos de ser artista e os meus medos e angústias em relação a isso. Depois, ainda tenho poemas sobre casa de quando fui morar sozinha e crianças de rua, para que a temática não ficasse só em vilta de mim”, contou Maria Rezende que considera a sua poesia muito intimista. “Esse espetáculo representa quase 15 anos de descobertas sobre a minha vida. Pelos meus poemas, eu passeio por casamentos, amores, desamores, desafios e felicidades que eu tive nesse tempo”, completou.
Com tantas ideias e questões abordadas, Maria Rezende ainda se multiplica fora do palco. Além de assinar os versos e recita-los teatralmente no espetáculo, a artista ainda assina a direção e toca a concepção de “Carne do Umbigo”. “Isso é muito curioso. Por mais que pareça que eu estou sozinha em cena, as fotos que fazem parte do cenário do espetáculo não são minhas, apesar de ser o meu corpo ali. Eu chamei uma fotógrafa do Rio e ela transformou minhas curvas em uma geografia. Então, no palco, eu apresento várias camadas de mim”, apontou Maria que considera sua maior nudez nas palavras, e não nos registros do seu corpo. “Nada me expõe mais do que revelar meus medos e sentimentos”, afirmou.
E tudo isso veio de uma inquietação de Maria Rezende. Aliada à vontade de transformar seus poemas em um espetáculo, a artista também viu em “Carne do Umbigo” a chance de se auto produzir. Ela, que tem uma empresa produtora de arte, justificou sua personalidade criativa e incansável com um projeto autoral sobre sua carreira. “Eu confesso que essas minhas ideias malucas são cansativas, mas, ao mesmo tempo, é empoderador quando vejo o resultado. É como uma faca de dois gumes. Eu fico exausta e não consigo entender porque eu fui inventar isso enquanto estou produzindo. Mas é isso o que me alimenta”, disse Maria Rezende que, durante esta entrevista, estava em João Pessoa para participar de um recital mesmo sem conhecer nada nem ninguém na Paraíba. “É uma energia que vem do amor”, justificou.
Mas se engana quem pensa que o trabalho cansativo, porém recompensador, de Maria Rezende termine quando o espetáculo ganha forma e ela sobre no palco. No meio dessas ideias malucas que ela contou, a artista trouxe o conceito de espetáculo viajante para “Carne do Umbigo”. No caso, a viagem é de um bairro para o outro. Mas, mesmo assim, nada é muito simples na carreira da multi artista. “Essa ideia de ocupar três locais diferentes foi outra loucura que eu inventei”, brincou Maria que explicou que combinou dois ideais neste sentido. “Ao mesmo tempo que eu queria aceitar os convites que essas casas estavam me fazendo, também queria me sentir ocupando o Rio de Janeiro com arte nesse momento que estávamos vivendo. Assim, eu consigo levar um pouco do que eu acredito para três bairros diferentes e, desse jeito, também me apresentar para públicos diferentes da cidade”, explicou a artista que, em comum entre os três espaço, apontou o tamanho reduzido. “Eu ainda não consegui chegar a um teatro porque este é um espetáculo pequeno, só de poesia. Mas também, com isso, eu consigo mostrar novos espaços destinados à cultura que estão se abrindo em um momento de tantos teatros tradicionais se fechando”, destacou.
Por falar nesta situação das casas de cultura do Rio de Janeiro, Maria Rezende comentou sobre a crise artística brasileira. Em tempos em que os artistas são minimizados e os recursos destinados à cultura cada vez mais escassos, a poetisa acredita que a dificuldade não deve congelar a classe. Pelo contrário. “ Hoje, eu não vivo de poesia no sentido financeiro porque, inclusive, eu coloco meu próprio dinheiro nesses projetos. Mas é isso o que me alimenta e faz a minha energia funcionar. Para nós artistas, não existe a possibilidade de não fazer. Mesmo nesse cenário, nós vemos que tem muita gente ávida por consumir cultura e é para elas que temos que continuar produzindo”, afirmou.
No entanto, Maria Rezende destacou um novo elemento desta discussão contemporânea sobre a arte. Além da falta de recursos, a artista acredita que hoje a classe seja “vilanizada” por algumas pessoas. Ela, que considera “Carne do Umbigo” um protesto silencioso, trouxe a temática da arte da exposição “Queermuseu”. Em seu espetáculo, Maria tem a nudez sugestiva como complemento de suas palavras. No cenário, fotos de seu corpo revelam a intimidade da artista. Mas, para ela, a maior exposição, como já comentou, está nas palavras, e não nos registros. “O corpo humano não é pornografia. Esse está sendo um momento cruel com os artistas. Nós estamos sendo demonizados por algo que não tem nada a ver”, comentou.
Aliás, não é só nesta questão que Maria Rezende milita sobre a exposição do corpo humano. Feminista, a artista é uma das líderes da campanha #meuaborto, que tem como objetivo a legalização do procedimento. De acordo com Maria, o principal debate é em cima da liberdade de escolha das mulheres para que o aborto seja feito com segurança por quem desejar. “Há uns quatro anos eu me descobri feminista e isso mudou a minha vida. Eu entendo na carne o quanto este movimento é fundamental e a importância de todos nós nos posicionarmos na sociedade. Nós temos a possibilidade de mudar algumas verdades e esta é uma campanha que eu encabeço com o maior entusiasmo e animação”, comentou Maria Rezende que, com este projeto, que reforçar a importância do debate. “Ninguém é a favor do aborto. O que a gente defende é a legalização para que mulheres não morram em procedimentos clandestinos”.
E não é só. Nesta veia engajada de Maria Rezende, a artista ainda usa sua voz e seu espaço para trazer outras temáticas para a carreira. Agora, por exemplo, ela coordena uma campanha de doações para uma mulher que mora nas ruas do Centro do Rio de Janeiro. “Eu não posso ajudar todo mundo Mas, se eu puder fazer algo para pelo menos uma pessoa, já faz alguma diferença. É muito difícil a gente pensar no macro, mas, a micro política já possui ações fundamentais para a sociedade”, defendeu Maria Rezende que, em meio a isso tudo, definiu esta situação como “esquizofrênica”. “Grande parte da sociedade está descobrindo que existe o diferente. Mas, na contramão, tem uma parte de pessoas retrógradas que teimam em negar isso e possuem um comportamento quase fascista”, apontou.
Mas ela segue. Militante do afeto e defensora da comunicação com carinho, como se intitulou, Maria Rezende resiste às dificuldades, produz em meio aos desafios e continua seu caminho em defesa das questões sociais. Na carreira, a artista também abre múltiplos rumos a seguir. Para o futuro, por exemplo, Maria Rezende tem uma conexão hispano-brasileira como meta. No espetáculo “Hermanas”, que deverá estrear em fevereiro ou março do ano que vem, ela apresenta o feminismo pela música e pela poesia em uma narrativa bilíngue. “Esse projeto surgiu em uma viagem minha a Barcelona com o espetáculo ‘Carne do Umbigo’. Lá eu conheci uma artista espanhola e nós criamos esta mistura de poesia e música em um enredo que resgata o sagrado feminino”, adiantou Maria Rezende que pretende viajar a América Latina e a Espanha com o projeto.
Serviço: “Carne do Umbigo”
Local: Casa Quintal (Rua Silvio Romero, 36- Santa Teresa)
Mostra Sortida
Dias e horários: 20 e 21 de outubro (sexta e sábado) às 20h.
Ingressos: R$40. Pagamento em dinheiro ou cartão de crédito.
Lotação: 40 pessoas
Duração: 50 minutos
Classificação indicativa: 16 anos
Funcionamento da bilheteria: em dias de sessão, a partir das 19h.
Local: Casa Rio (Rua São João Batista, 105 – Botafogo)
Telefone: (21) 2148-6999
Dias e horários: 25 e 26 de outubro (quarta e quinta) às 21h.
Ingressos: R$40. Pagamento em dinheiro ou cartão de crédito.
Lotação: 35
Duração: 50 minutos
Classificação indicativa: 16 anos
Funcionamento da bilheteria: em dias de sessão, a partir das 20h.
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