* Por Fabiane Pereira
Ela celebra seu nascimento em 26 de julho – Dia da Revolução Cubana. Heloisa Buarque de Hollanda dedicou mais de 50 anos ao magistério e prossegue sua trajetória com vigor intelectual, lançando no dia 2 de julho, na Festa Literária Internacional de Paraty, a sua marca HB – resultado da parceria com E-Galáxia – e de cara já disponibiliza virtualmente cinco livros: Correspondência Incompleta, com as cartas de Ana Cristina Cesar (1952-1983), incluindo dois áudios raros; Rachel, Rachel, ensaios de Heloísa sobre a obra de Rachel de Queiroz (1910-2003); Biografia de Ana C, de Ítalo Moriconi; Cultura em Transe – Brasil Anos 60 e a Coleção S/Z, com ensaios variados, onde se destaca Drummond, o caricaturista, de Eucanãa Ferraz.
Também no dia 2 de julho, Heloisa participará da mesa “De Clarice a Ana C”, na FLIP, ao lado de Benjamin Moser. Perguntada se a escolha de Ana Cristina Cesar como a segunda autora homenageada na Flip – a primeira foi Clarice Lispector (1920-1977) em 2005 – teria a ver com o endosso aos movimentos feministas que desde o ano passado ganham as ruas do Brasil e do mundo, Heloisa diz: “pode ser, sem dúvida veio em boa hora, mas acho que também tem a ver com uma política editorial e acadêmica recente de tornar “clássicos” os poetas da geração 70/80 com a publicação de suas obras completas, com o aumento de pesquisas e teses sobre esta geração”.
Nos últimos anos, a ensaísta tem se dedicado ao estudo da cultura produzida nas periferias das grandes cidades e ao impacto das novas tecnologias digitais na produção e no consumo culturais. Responsável por famosas antologias como o livro 26 Poetas Hoje – que me inspirou a lançar o Som&Pausa – Heloisa defende – e isso fica claro em diversas entrevistas concedidas por ela – a ideia de que “a produção de uma antologia é uma trabalho estritamente autoral, um recorte de sua visão sobre determinada época”.
“Entre Ana e o texto, entre Ana e a vida, havia a elipse, o prazer do pacto secreto com seu possível interlocutor. A isso ela chamava ‘páthos feminino’. Disso, ela fez seguramente a melhor e a mais original literatura produzida dos anos 1970”, disse Heloisa Buarque de Hollanda em 1984.
FP: Heloísa, você vai lançar na FLIP deste ano sua marca, a HB. Além dos cinco primeiros livros virtuais, o que você pretende lançar através desta marca? Qual será o mote de publicação da HB?
HB: O mote será pequenos textos (singles) de ensaios e poesia, livros aplicativos como os que lançarei em setembro (POESIA e OS MARGINAIS: Brasil anos 70, que são trabalhados em multiplataformas experimentais ) e outros e-books e livros impressos que sejam ligados à ideia de tendências e inovação.
FP: Como e quando começou sua relação com a Ana Cristina Cesar?
HB: Começou em 1975 quando passei a selecionar novos poetas para minha Antologia “26 Poetas Hoje” que também estará sendo lançada em formato digital na FLIP.
FP: O que a Mary (personagem da carta-poema “Correspondência completa”) tem de Heloisa e o que a Heloisa tem de Mary?
HB: Elas são totalmente parecidas… Minha relação com a Ana era de muito amor mas também de um certa distração estratégica para enfrentar a enorme ansiedade afetiva dela que deu nessa poesia tão linda que ela nos deixou.
FP: Hoje em dia um leitor só é fanático por um escritor quando ele escreve trilogias “best seller”. Dificilmente vemos, nos dias de hoje, pessoas devotas de um escritor como a Ana era de Clarice. O que despertou na Ana este “fanatismo” e por que, atualmente, isso raramente acontece (vemos isso em festas literárias como a FLIP mas raramente ouvimos histórias de pessoas fazendo plantão na porta da casa de um escritor) com escritores respeitados pela crítica?
HB: No caso da Ana certamente é sua ambiguidade sedutora e as várias personas que criou e encenou em seus poemas. Isso atrai uma atenção e um desejo forte de decifrar seus enigmas literários e existenciais.
FP: O que o leitor vai encontrar nesta nova edição de Correspondência Incompleta?
HB: Vai revisitar as cartas e ter o privilégio de ouvir a voz da Ana discutindo sua obra e, num segundo áudio, definindo o que seria uma poesia feminina. Não é um presentão?
FP: Nesta nova edição de Correspondência Incompleta há um áudio de uma entrevista desconhecida a um programa de rádio. Em qual emissora de rádio, esta entrevista foi transmitida e em qual ano?
HB: Essa entrevista foi ao ar em 1980 no programa que eu apresentava na rádio MEC que se chamava “Café com Letra”.
FP: Como você definiria a Ana Cristina Cesar para alguém que não conhece sua obra? Pra quem quer entender a Ana…
HB: Mergulhe na vertigem de sua poesia e descubra quem é Ana C.
FP: Correspondência nos remete a cartas e cartas são registros raros nos dias de hoje. Como você acha que documentaremos, num futuro próximo (daqui a 20/30 anos), estes registros dos novos poetas/escritores contemporâneos?
HB: Não enquanto correspondência. Hoje isso está nos e-mails, facebook e blogs. São breves, descartáveis mas estamos numa nova lógica de comunicação que se é menos profunda é também mais intensa. Não dá pra compará-las. Novos tempos, novas formas de exposição.
FP: Você concorda com a Ana quando ela diz que “cartas e biografias são mais arrepiantes que a literatura”? Por quê?
HB: Talvez, no caso específico da Ana, porque são literatura privada. As cartas da Ana são totalmente literárias e são exclusivas para um destinatário. Um luxo arrepiante.
FP: Como coordenadora do PACC que, entre outras investigações sobre cultura contemporânea, analisa e estuda as dinâmicas das desigualdades, de que maneira você interpreta a crescente demanda feminista e a complexidade da sociedade machista brasileira?
HB: Acho que o feminismo, mesmo quando refluxo como na década de 90, tem uma latência e uma potência muito forte. Afinal as mulheres são mais da metade da população mundial. Diante de dois fatores recentes e importantes como um tsunami conservadorista no Brasil e no mundo e diante da rapidez de mobilização e comunicação no ambiente da internet, a explosão feminista era inevitável.
Sobre Ana Cristina Cesar, autora homenageada da FLIP 2016 (29/06 a 03/07)
A escritora deixou em sua breve passagem pela literatura brasileira do século XX uma marca indelével. Tornou-se uma dos mais importantes representantes da poesia marginal que florescia na década de 1970, justamente pela singularidade que a distanciava das “leis do grupo”. Criou uma dicção muito própria, que conjugava a prosa e a poesia, o pop e a alta literatura, o íntimo e o universal, o masculino e o feminino – pois a mulher moderna e liberta, capaz de falar abertamente de seu corpo e de sua sexualidade, derramava-se numa delicadeza que podia conflitar, na visão dos desavisados, com o feminismo enérgico, característico da época.
Entre fragmentos de diário, cartas fictícias, cadernos de viagem, sumários arrojados, textos em prosa e poemas líricos, Ana Cristina fascinava e seduzia seus interlocutores, num permanente jogo de velar e desvelar. O livro Poética, lançado pela Companhia das Letras, reúne a obra de Ana C. Nele, estão presentes os livros Cena de Abril (1979), Correspondência Completa (1979), Luvas de Pelica (1980), A Teus Pés (1985), Inéditos e Dispersos (1985) e Antigos e Soltos: Poemas e Prosas da Pasta Rosa (2008). É no Instituto Moreira Salles, no Rio, que se encontra o acervo da poeta. A curadoria editorial de Poética é assinada por Armando Freitas Filho.
*Fabiane Pereira é jornalista, pós graduada em “Formação do Escritor”, sócia da Valentina Comunicação — empresa voltada para criação, divulgação e produção de projetos musicais e literários — apresentadora, roteirista, produtora e programadora musical do programa de rádio Faro MPB, da Rádio MPB FM.
Artigos relacionados