Gringo Cardia e Vik Muniz aproveitaram a formatura dos alunos da Escola Spectaculu, no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, para realizar uma divertida palestra na intenção de capitanear novos colaboradores para a fundação carioca. O projeto, que visa capacitar jovens de baixa renda para o mercado do entretenimento, existe há 17 anos, no Cais do Porto, em uma gloriosa parceria entre os dois artistas, a atriz Marisa Orth e a consultora de moda e arte Malu Barretto. A escola sem fins lucrativos busca abrir portas do conhecimento e oferecer uma possibilidade real de oportunidades de emprego no ramo que segue carente de mão de obra especializada. No entanto, todo esse investimento para um futuro melhor segue em busca de novos parceiros para fazer com que esse belíssimo sonho continue a se tornar realidade na vida de tantos cariocas. Minutos antes do evento, Vik e Gringo bateram um papo exclusivo com o site HT, sobre esse projeto de sucesso, que ainda promete mudar a vida de muita gente.
“Ao longo desses 17 anos nós conseguimos resultados muito positivos. Porque dar oportunidades a pessoas que estão em busca de aprender atividades que elas amam estar envolvidas, se torna uma troca muito prazerosa. Nessa estrada, a gente já conseguiu formar mais de dois mil alunos e encaminhá-los para cinco mil vagas de emprego. O Rio de Janeiro é uma cidade que precisa de técnicos nas especialidades que a gente ensina, principalmente no audiovisual”, destacou Gringo, que apesar de todo os louros colhidos pela instituição nas últimas décadas, destacou as dificuldades financeiras que têm começado a dar seus primeiros sinais de vida. “Temos uma lista de uns 70 padrinhos. São pessoas que acreditam e ajudam a escola a se manter. Porque, mesmo sendo um projeto vencedor, precisa de dinheiro para acontecer. O Spectaculu é um projeto de resistência e precisa de novos padrinhos”, ressaltou.
A escola é totalmente voltada para o ramo técnico do entretenimento. Lá, são oferecidas oportunidades de aprendizado em cursos de Adereços de Cena, Beleza, Contrarregragem & Camarim, Costura e Figurino, Fotografia, Iluminação Cênica, Montagem de Cenários e Tratamento de Imagem. Tudo isso através de uma visão educacional que prima pelo estímulo ao desenvolvimento de consciência crítica. De acordo com o artista plástico Vik Muniz, áreas de extrema carência no Brasil. “A gente tem tentado expandir também o portfólio de cursos em outras áreas também. Aqui no Brasil as oportunidades dentro dessa vertente são pequenas e imersas em um circuito fechado. Aqui falta muito investimento de mão de obra em profissões tradicionais como iluminação, contrarregragem, cenografia e fotografia, por exemplo”, destacou ele, que logo foi complementado pelo colega. “Principalmente por formação. Às vezes as pessoas aprendem de maneira muito intuitiva, através de observação. A gente ensina, não só um técnico a ser um técnico, mas para ele ter uma cultura sobre o trabalho de uma forma integral”, disse.
Ainda assim, além da formação profissional e dignidade que a escola proporciona, a instituição também leva aos alunos conhecimentos aprofundados em ramos existenciais como filosofia, cidadania e direitos, expressão corporal, oral e escrita, história da arte e criatividade. “A gente está formando pessoas melhores. E essas pessoas por acaso são técnicos (risos). São desculpas pedagógicas, para inserir ideais de cidadania e reflexão para esses jovens. Para gente é muito importe criar uma ideia de responsabilidade e pertencimento”, disse Gringo Cardia. Que também comemorou o fato de seus parceiros abrirem espaço em seus espetáculos para empregar os alunos. “Ela traz uma ideia de pertencimento da cidade que você mora, sabe? A gente faz muito isso, através de pessoas que conhecem a escola, do Vik, da Marisa e da Mallu, mas é legal porque cria pontes e tem muita gente a fim de ajudar. Existem profissionais muito grandes por trás disso. Muitos são atores, produtores, artistas do meio, são pessoas que não só são padrinhos como também abrem as portas”, comemorou.
Agora, como nem tudo são flores, Vik aproveitou o momento para lembrar que os tempos são difíceis, e que toda ajuda externa será bem vinda para a Spectaculu. “Os desafios aumentam com esse momento de crise. A gente tem tido que apelar um pouco para a boa vontade da pessoa física. Teve um retrocesso muito grande em relação ao patrocínio corporativo. É uma responsabilidade de cidadão a ajudar nesse tipo de iniciativa”, frisou. Já Gringo aproveitou para falar sobre os cortes emergenciais do governo, que têm implicado na formação das crianças e dos adolescentes. “Em épocas de crise, os últimos da fila são a cultura e a educação. Como criança não vota, eu acho que a educação é sempre desmoralizada. O artista pode ter até uma ideia criativa para se transformar. Com a educação é ainda mais triste, porque temos um tremendo retrocesso”, avaliou ele.
Atento a todos os movimentos políticos e artísticos do país, Vik Muniz tem assistido aos últimos tempos com bastante tristeza, já que os pilares que constroem o pensamento crítico de uma sociedade como a cultura e a educação têm sido tão desvalorizadas pelos poderes do país. “Eu sempre fui a favor de um ministério integrado entre cultura e educação, porque são pastas que se relacionam o tempo todo. A cultura talvez seja a vela e a educação o motor, ou vice e versa. Engraçado, que eu já mexi com questões ambientais, sociais e pobreza, mas tenho um denominador comum: a educação. O país tem negligenciado esse lado. Existe uma inacreditável falta de respeito pelas gerações futuras”, completou.
Com dezenas de exposições e trabalhos emblemáticos no currículo, Vik é grande entusiasta das possibilidades que a Lei Rouanet trouxe até hoje para o crescimento cultural do país. Mesmo em tempos de investigações e embargos sobre o uso indevido de recurso, para ele, ela continua sendo fundamental. “Eu acho que a lei serviu muito bem para muita coisa importante. Acho que se todo mundo respeitasse e soubesse usa-la, seria incrível. Ela foi responsável por diversas publicações e peças incríveis. Financiamento de arte é uma coisa muito delicada, porque o processo faz parte do resultado e o capital acaba influenciando uma série de lacunas. Mas já vi muita coisa linda que me inspirou também. Seria muito difícil imaginar o cenário cultural brasileiro contemporâneo que não fosse o resultado de muito participação oriunda da Rouanet”, avaliou.
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