Flertando com o perecível, Gabriel Wickbold apresenta a validade do corpo na série “Sans Tache (Sem Manchas)”


Com 15 imagens inspiradas em Caravaggio, o fotógrafo critica a imposição da mídia e da sociedade sobre a obsessão da “juventude eterna”, submetendo suas imagens à implacável ação de insetos

*Por João Ker

Gabriel Wickbold lança mais uma série de imagens impressionantes, com exposição individual na Galeria LUME, em São Paulo. Depois de despejar um balde de tinta em celebridades como Adriane Galisteu, Fernanda Paes Leme e Didi Wagner no editorial “Sexual Color”, o fotógrafo agora revela a mortalidade e deterioração do corpo com “Sans Tache (Sem Marcas)”.

Com curadoria de Diógenes Moura, a série inclui 15 imagens que debatem a impotência do ser humano frente ao poder do tempo e do envelhecimento. Gabriel critica com veemência a obsessão geral pela juventude eterna, algo presente tanto na mídia, que não mede esforços para apagar rugas e outros sinais da idade em imagens ultratratadas,  em hiperrealismo surreal. Talvez o exemplo mais claro e recente disso seja o ataque que Betty Faria, no auge de seus 72 anos, sofreu ao usar um biquíni na Praia do Leblon.

Para criar as fotografias, Gabriel pega referências do barroco italiano de Caravaggio (e talvez uma coisinha aqui e ali da técnica de  Ryan McGinley) e imerge no o clima lindamente obscuro das locações. Depois, trata a imagem dos corpos “emprestados”, removendo toda e qualquer mancha presente neles para, em seguida, submetê-los ao processo de “grilagem”, onde cada foto tem sua superfície individualmente alterada ou corroída por insetos. O resultado disso tudo? Fotografias atemporais, carregadas de uma leveza palpável, que mostram através de uma metáfora sombria e irrevogável que, no final das contas, todo mundo acaba virando lanchinho para decompositores gulosos.

“Todos nós queremos ser belos, adorados, inesquecíveis, material de consumo. Gabriel Wickbold pensa uma série para entregá-la à passagem do tempo.  Possibilita que sua fotografia corroída invente um outro corpo – dessa vez nada renascentista – diante do espelho/simulacro que enfrentamos diariamente em nossa fragilidade cotidiana”, comenta Diógenes. Gabriel rebate e explica: “Sans Tache trata da relação humana com as marcas das quais nós mesmos queremos fugir, ao invés de acreditar que elas são parte do nosso aprendizado e forma mais pura do homem, que é ser feito de carne e osso”. Como já dizia Simone de Beauvoir: “Viver é envelhecer, nada mais”.

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Fotos: Divulgação