* Por Carlos Lima Costa
Primogênita da atriz Isadora Ribeiro, a estudante de Medicina Maria Sampaio, de 23 anos, que cursa doutorado em cirurgia cardíaca, participou de muitos plantões voluntários de obstetrícia em maternidades do SUS, período em que fez inúmeras reflexões sobre o que assistia dia a dia. “Por que tantos médicos agendam cesáreas?”; “Por que tantas mulheres (inclusive sua mãe no parto que trouxe Maria ao mundo) não conseguiram optar por um parto normal? Ela ficou com as indagações na cabeça e decidiu se aprofundar na questão do número enorme de cesarianas feitas no Brasil. E, quando engravidou, aos nove meses de gestação, lhe sugeriram fazer uma cesárea para dar à luz Catarina, hoje, com um ano e meio. Toda a vivência sobre o tema foi reunida no livro O Parto Anormal: Revelações de Uma Quase Médica Sobre o Cenário Obstétrico Brasileiro, sobre o cenário das gestantes e o momento em que elas se deparam com a hora do parto, que acaba de ser lançado, no Dia Internacional da Mulher, de forma online no canal de Maria, no YouTube.
Maria queria encontrar respostas para indagações sobre o porquê o parto no Brasil é diferente do resto do mundo e sentiu que muitos profissionais consideram que ficar em uma maternidade esperando para realizar um parto normal demanda tempo para quem precisa atender diversas mães dando à luz seus filhos por dia. “Não diria categoricamente que é uma questão de dinheiro. Na verdade, a maioria dos médicos está inserida em uma cultura. Isso é aceitável no Brasil e é assim que é feito. Claro que é mais prático e rentável, mas quem disse que pode fazer dessa forma? Por exemplo, no Canadá, se um médico resolve marcar uma cesárea para poder lucrar, o sistema de saúde de lá e a sociedade não permitem e dizem que esse médico é ruim. Então, o problema é como a gente permite que seja assim. Essa é a conclusão”, comenta ela, filha do empresário Walter Sampaio.
“O livro é todo embasado em evidências científicas atualizadas. Mas é um grande artigo de opinião. É a minha visão das questões que abordo. Não é uma revisão sistemática da literatura científica. Mesmo não sendo a minha área de atuação, fui investigar porque vi que o negócio estava estranho”, relata Maria, que divide a autoria com Clarissa Oliveira.
Maria prossegue revelando mais detalhes sobre o nascimento de sua filha com o cientista Bruno Paranhos. “Com nove meses de gravidez, recebi a indicação de uma cesariana. Me disseram: ‘Tem uma coisa estranha aqui no exame’. Mas, ao longo da gestação, eu tinha escutado que o parto normal ia ser possível. Então, mudei de médico e aí fiz um parto natural supertranquilo, sem anestesia, em um hospital, mas com uma equipe que eu considerava mais atualizada e deu tudo certo. Essa experiência me transformou muito”, relata.
Na ocasião, recebeu apoio e orientação da família e de sua doula (pessoa que ajuda a gestante em trabalho de parto dando suporte emocional e físico), Clarissa Oliveira, a sua parceira literária. “Ela é antropóloga e contribuiu com relatos de partos que presenciou”, explica.
Maria considera curioso o hábito que existe no Brasil do obstetra que acompanha uma gestação, realizar o parto da paciente. “Muitos países que tiveram resultados melhores do que nós no Brasil optaram por ter uma assistência diferente. Você chega ao hospital e todo mundo vai te atender. Seu médico pode não estar ali naquele momento, mas nem por isso você precisa ter uma cesárea. Essa estratégia seria muito boa para o Brasil, que é um dos únicos lugares que eu consigo pensar que tem realmente isso de você ficar com o mesmo médico desde o início da gestação até o parto. Até nos Estados Unidos, que nem é um exemplo maravilhoso quando o assunto é parto, a mulher tem o seu bebê com quem estiver na hora no plantão no hospital. Isso ajuda muito a diminuir os índices de cesárea, porque o médico não precisa de mobilizar de onde ele está para ir até a gestante”, ressalta.
Efetivamente, pensando em termos de futuro, existe uma diferença entre a criança que nasce de parto normal ou de cesárea ou para a mulher? “Muitas, na verdade. O bebê tem mais chances de ter complicações respiratórias, de ser internado na UTI. Por exemplo, eu e minha irmã nascemos em cesarianas. E nós duas temos asma, fomos internadas na infância com pneumonia, bronquite. Até hoje temos rinite e problemas respiratórios. Posso dizer categoricamente que foi por causa da cesariana? Não, mas não deixa de ser um exemplo. Nas cesáreas marcadas, você pode ter dicas, mas não temos realmente como saber se está no tempo certo da criança nascer. Muitas vezes, o bebê nasce cedo demais. Mas é o trabalho de parto que realmente evidencia que é o momento. Existem estudos mostrando que os bebês que nascem de cesárea têm mais doenças auto imunes”, observa.
E prossegue analisando o tema em relação às mães. “Para a mulher existem consequências para a história obstétrica dela. A gente ouve muito isso: ‘Uma vez cesárea, sempre cesárea’. Isso não é verdade. Mas se fizer uma, duas, três vezes, isso acarreta problemas para a saúde reprodutiva da mulher. Agora, é claro que se forem necessárias, as cesáreas salvam vidas, aí é outra história”, explica, contando que o Brasil é o segundo país em termos de realização de cesarianas. “O primeiro é a República Dominicana”, conta.
Maria explica que Canadá, Suíça, Noruega, Inglaterra e Holanda são exemplos de países onde se têm mais parto normal. “E eles são bem assistidos. Então, até a mortalidade materna e a de bebês é muito menor. Também tocamos no livro sobre essa questão da perda de bebês. A Clarissa, passou por isso, e nós temos bastante respeito por esse assunto. A parte mais importante sobre falar de perda de bebê é que a gente não está preparado para entender que esse risco existe. Na verdade, na Medicina, a gente não está preparado para entender que nenhum risco existe, a gente quer mitigar todos os riscos. Só que estar na barriga de alguém não é isento de riscos, que existem em qualquer lugar do mundo. A gente não pode salvar todos os bebês, infelizmente”, lamenta Maria.
Para a filha de Isadora Ribeiro tudo relatado até agora vem de uma questão cultural. “No Brasil, você se forma com a possibilidade de fazer uma especialidade que inclui Nascimentos, Bebês, Partos, Atenção à mulher e Praticidade. Essa última é muito tentadora, mas não deveria existir. Esse é o problema. E ela só existe aqui. Não dá para ser prático e ter nascimento envolvido. E hoje em dia isso ainda é possível. Acho que tem uma questão financeira envolvida, mas ela é menor perto do que a questão cultural”, observa.
Por outro lado, volta e meia escutamos uma mulher comentando que não deseja passar pelo parto normal por conta da dor. “Já ouvi muito isso enquanto acompanhava exclusivamente maternidade pública, onde a maioria dos partos era normal. Mas muitos aconteciam com violência, negligência, descaso mesmo. Esse é outro aspecto da obstetrícia no Brasil. Quem disse que se eu for fazer um parto normal vai ser bom? Muitas vezes é ruim. Eu tive o privilégio de ter uma equipe cara e atualizada. Na maioria das pessoas, seja no hospital privado, com o plano de saúde, ou na maternidade pública, isso não vai acontecer. Tive a vivência de ver partos que não eram legais. E quando a gente está falando de sofrimento humano, de tirar a dignidade de uma pessoa, aí não importa mais se é cesárea. A gente tem que primeiro não violentar ninguém. Aí depois, podemos discutir se está fazendo cesárea demais”, reflete.
E explica por qual motivo um parto normal também pode ser sofrido para as mães. “Tem dois pontos a serem analisados. Primeiro, é fazer condutas que não são atualizadas, sem benefício, tipo episiotomia de rotina, que é a incisão efetuada na região do períneo. Um corte muito traumático. Isso é uma violência contra a mulher. Muitas até falam: ‘prefiro ser cortada por cima do que por baixo’. Elas querem dizer que preferem ser cortadas na barriga do que lá na vagina. Entendo esse argumento, pois isso não é necessário nem para saúde da mãe nem do bebê. Não posso dizer que o médico faz isso para ser mais rápido, se a ciência diz que isso não torna tudo mais rápido. Antes, os médicos pensavam sobre isso. Aí os cientistas foram lá e começaram a calcular o tempo que demorava para o bebê nascer com ou sem esse corte. Viram que não mudava. Então, não pode fazer cortes nas pessoas se não consegue verificar algum benefício”, analisa.
E prossegue: “Quando é feita a incisão, a recuperação é muito mais difícil. E ela pode acarretar consequências para a vida sexual, do prazer feminino. O parto, por si só, pode lacerar a genitália da mulher. Isso acontece com algumas. Então, com a episiotomia de rotina já estão antecipando um corte que poderia ser natural, que costuma ser mais brando em sua maioria”, ressalta Maria que tanto em seu canal no YouTube quanto no Instagram, fala principalmente de assuntos sobre a saúde da mulher e a maternidade.
Antes de seu atual livro, Maria Sampaio lançou outras duas obras, Vicentinho e Efeito Condor, em 2014 e 2016, respectivamente. Mas se iniciou na área literária participando de cinco livros de coletâneas, a Coleção Rumos. Na primeira, aos 13 anos, desenvolveu crônicas de viagens. Alguns anos depois, baseada nesse texto, a mãe dela encenou a peça Diário de Bordo. “Nem lembro quando comecei a escrever, mas qualquer computador que eu via, ia direto no word para escrever e ficava muito brava quando diziam que não ia cursar Letras. Eu falava que ia ser escritora. E queria ser escritora de novela. A Medicina veio como um amante, me tirou do rumo da maior certeza da minha vida, provando que não há certezas. Eu queria cursar Letras, mas comecei a gostar muito de aula de Biologia e minha professora me disse que na Medicina eu teria mais possibilidades”, recorda.
Maria conclui a faculdade de Medicina somente em agosto de 2022, mas concomitantemente ela faz a pós graduação em cirurgia cardíaca. “É um programa chamado MD – PHD que incentiva o médico a virar cientista. Você pode pular o mestrado e ir direto para o doutorado, começando no meio da faculdade”, informa.
Maria conta que sua mãe “é uma avó muito presente”. Inclusive, no livro, ela traça um paralelo entre o seu parto e o das duas gestações de Isadora Ribeiro, que também é mãe de Valentine, de 14 anos. “Os dois partos foram tranquilos, mas ela queria muito que tivessem sido normais. Hoje, ela entende que não precisava ter feito cesariana. Tem problema sim, porque ela passou por duas cirurgias. O pós-operatório da cesárea é difícil. Ela fala que teve de lidar por muito tempo com cicatrizes enormes. Isso para quem é atriz é complicado, então, foi impactante para a carreira dela, para a auto estima. Não pode fazer se não tiver um verdadeiro gigante motivo. Já pensei muitas vezes em desistir de falar sobre esse assunto, porque a gente fica meio que querendo arrumar desculpas para os médicos. Mas eu não passei por uma cirurgia abdominal de grande porte, não tenho uma cicatriz enorme aqui, agora. Essa é a conclusão da história”.
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