*Por Fabiane Pereira
No mercado editorial contemporâneo, a criatividade é pré-requisito. Mas ao contrário do que se possa pensar, ter afinidade com as Ciências Humanas é condição sine qua non. Dito isso, é fácil entender a bem-sucedida carreira de Camilla Savoia, editora e idealizadora da Revista Blooks, recém-lançada no mercado. “Ter feito Comunicação, ter estudado na ECO, ter lido os livros que li no trabalho e na vida, e ter cruzado com toda essa gente de humanas mudaram completamente minha forma de ver o mundo e sou muito grata por isso”, afirma.
Sincera, daquelas que vai direto ao ponto, Camilla é categórica: “O mercado editorial brasileiro é fechado.” Mas sua trajetória mostra que é possível empreender e ter sucesso na área. Nesta semana, a editora coloca na rua o segundo número da Revista Blooks – uma parceria com a livraria de mesmo nome. De extremo bom gosto, a revista é a cara da Blooks, um espaço construído por gente que deseja dialogar.
Lançada com festa há pouco mais de um mês, a primeira edição da revista falou sobre arte da mulher negra e Afrofuturismo, apresentou perfis de artistas como o hype Liniker e a consagrada Patti Smith. Já o segundo número aborda a literatura de cordel, a relação entre cinema e racismo, literatura erótica, traz um perfil com a cantora carioca Mahmundi, além de uma entrevista com Kleber Mendonça Filho. E para celebrar esta nova edição, afinal colocar uma revista no mercado num momento em que muitas editoras estão fechando é um super motivo para festejar, a comemoração será junto com a inauguração da nova livraria Blooks em Niterói, no fim de agosto.
Minha aproximação com a Camilla, além da profissional, é mais forte porque temos uma sinergia ideológica, por isso perguntei a ela sobre o momento atual e, claro, não se fez de rogada. “Apesar de acreditar que estamos regredindo politicamente, não me esqueço de sempre lembrar que pra muita gente o país sempre esteve muito ruim, não é uma coisa só de agora.”
Nesta entrevista fica claro que o mercado, qualquer que seja ele, é feito de pessoas e pessoas sempre serão feitas de razão e emoção.
FP: Como você entrou no mercado editorial e qual sua trajetória?
CS: Então, desde sempre entendi que meu caminho era as Ciências Humanas. Comunicação foi da vontade de ser jornalista e fuçar o que acontece por esse mundo afora. E, na real, comecei a fazer Publicidade, depois Jornalismo, para parar no meio e ver que não era o que queria exatamente ainda, quando descobri o curso de Produção Editorial na UFRJ. Foi no primeiro estágio que me chamaram para trabalhar em uma revista de comunicação da empresa e me pediram que ficasse com a seção de dicas de livro. Uma pessoa iluminada me viu gostando de fazer isso e comentou: “Tem um curso de produção de livros na UFRJ, você conhece?”. Não deu outra, já estava em cima do laço, mas estudei, passei e foi uma ótima escolha! Depois terminei Jornalismo também porque achei que me complementaria. Apesar de falarem que Comunicação “é ralação e ganha mal” ou “não sabe o que quer fazer, vai fazer Comunicação”, só posso dizer que ter feito Comunicação, ter estudado na ECO, ter lido os livros que li no trabalho e na vida, e ter cruzado com toda essa gente de humanas mudaram completamente minha forma de ver o mundo e sou muito grata por isso.
FP: Qual a real situação do mercado editorial brasileiro e como você analisa o crescimento das editoras independentes?
CS: A verdade é que o mercado editorial brasileiro é fechado. Autoras e autores que não têm contato com ninguém do mercado por vezes não conseguem espaço para publicar. É difícil para as grandes e médias editoras também, porque são muitos originais que chegam todos os dias, é muito material para analisar, muito livro para publicar, e tudo isso em pouquíssimo tempo! Então, as editoras independentes ocupam esse espaço muito bem! E são cada vez mais procuradas. O problema é que as editoras independentes esbarram, por muitas vezes, em questões de logística de distribuição, já que as grandes editoras possuem mais espaço nas livrarias por fazerem parte da engrenagem com a sua diversidade de títulos. Mas com relação à produção, sempre digo que dá para fazer um bom ou um mau livro em qualquer editora, a questão são as pessoas que estão ali e o cuidado que se tem com o produto final.
FP: Como surgiu a ideia da revista Blooks?
CS: Notei que havia um espaço no mercado editorial para revistas de cultura e um interesse por parte das editoras em terem esse canal para divulgar suas produções. A dúvida no início foi por conta do impresso, mas como não gosto dessa dicotomia impresso-digital, acredito que um possa complementar o outro, não descarto de querer um conteúdo digital também. Inclusive é uma ideia que fica rondando a cabeça, talvez seja um caminho natural. Como trabalhei com a Elisa (dona da Blooks Livraria) por seis anos na Aeroplano, imaginei que poderíamos fazer juntas uma revista da Blooks. Uma livraria que funciona tão bem como espaço de debates, por que não continuar em uma publicação? Propus à Elisa em novembro, ela nem me deu muita bola porque já tinham conversado sobre a ideia antes com ela, sem ir pra frente, e também por conta do momento mais recuado do mercado, e mandou um: “Vai, tenta aí!” meio na brincadeira. E em maio, apenas seis meses depois, já colocamos uma revista na rua. Agora, em julho, chegou a segunda, e de dois em dois meses estamos aí!
FP: Como você “definiria” a revista e quais os critérios usados pra escolher uma pauta?
CS: Acredito piamente que a revista de uma marca, seja livraria, farmácia ou companhia aérea deva passar sua identidade em tudo, nas pautas, no projeto gráfico, no formato, no papel. O público é esperto e saca o que cada um tem a dizer e sua revista nada mais é do que a continuidade das suas escolhas, se não fica fake. A Blooks tem um perfil de curadoria, não vende quase espaço nenhum em loja, propõe debates sobre questões sociais, expõe temáticas de identidade de gênero e LGBT, tem uma força em quadrinhos, com o público infantil, recebe o clube de leituras mensal #Leiamulheres, no Rio e em São Paulo. Na revista, nada mais natural do que falar sobre esses temas, que pessoalmente também como editora, tanto me tocam. Além disso, decidimos que não era um desejo nosso ser mais uma revista que fala sobre tudo que já se comenta por aí. Queremos pautar sobre o que está vindo e saber da reação de uma leitora: “Nossa, não conhecia isso!” ou “Vou prestar mais atenção nessa artista agora e passar a ouvir mais sua música.”. É a sensação de querer passar uma surpresa boa a alguém, sabe? É um desafio, mas, agora que começamos, o único caminho possível que temos é continuar tentando, e tem sido uma delícia!
FP: Você é uma editora extremamente engajada nas causas sociais. Como você vê os últimos acontecimentos do país? E qual sua expectativa para um futuro próximo à respeito da situação político-econômica?
CS: Ixii, pergunta brabíssima essa de definir, mas necessária e urgente. Os últimos acontecimentos do país têm sido devastadores e desanimadores. Talvez esse seja um bom começo de definição. Apesar de acreditar que estamos regredindo politicamente, não me esqueço de sempre lembrar que pra muita gente o país sempre esteve muito ruim, não é uma coisa só de agora. E algumas políticas sociais mais recentes melhoraram certas coisas. Mas ainda é um país extremamente desigual e preconceituoso e só espero que isso se minimize cada vez mais. Sobre futuro, nessa bagunça que está agora, difícil saber. Uma vez, entrevistava Marcelo Rubens Paiva e fiz essa mesma pergunta antes do afastamento da presidenta, o que ele me disse: “Não tenho a menor ideia. Ninguém sabe o que vai acontecer. Nem a oposição. Nem a Dilma.” É isso, mesmo depois de todo esse circo que aconteceu, estamos vivendo um dia de cada vez, e fazendo, cada um dentro das suas limitações, o que está ao nosso alcance.
FP: Em um momento em que o país atravessa uma grande crise política que afeta diretamente a economia, você decide sair de um trabalho fixo pra montar seu próprio negócio. Por quê?
CS: Porque eu sou louca é a primeira resposta que me vem à cabeça quando me perguntam isso (risos). E depois penso: “Mentira, Camilla, os loucos são mais inteligentes do que nós!”. Sempre amei trabalhar com livros, completei dez anos no fim do ano passado trabalhando com isso, e achei que seria uma boa testar outras frentes. Queria fazer uma revista com mais autonomia, sem estar inserida em outra editora, mas que dependesse de mim viabilizá-la e concretizá-la, por isso a decisão de empreender. E foi o que fiz! Muita gente pode achar que não é o momento pela situação do país e do mercado também, mas penso o contrário: aí é que é a hora de aproveitar as oportunidades, sabe? E estou aberta a novas revistas, em outros mercados inclusive, começar com a Blooks foi uma escolha natural por conta de ser o mercado que já trabalho e com ideias que curto, mas o caminho é vasto, espero.
FP: Empreender no Brasil com a quantidade de impostos que pagamos é pra aqueles que têm coragem. O que você acha sobre a autopublicação e o crescimento do mercado digital?
CS: Acho a ideia da autopublicação ótima do ponto de vista de dar mais espaço para as pessoas, que é algo que me interessa. Mas existem outras questões. Acredito que o produto final seja outro a partir de um bom trabalho de coordenação editorial. Além disso, outra dificuldade da autopublicação é a distribuição, como falei antes em relação às editoras independentes também. O autor quer ver seu livro distribuído por aí e as livrarias, geralmente, não têm espaço para abarcar livros que não sejam via editoras, ainda mais se falarmos de megastores. O digital é uma parte do mercado a que não me dedico ainda, para ser sincera, nem como editora, nem como leitora. Talvez o livro digital não chegue a muita gente, a uma massa de pessoas, pensando em um país do tamanho do Brasil. Ele ainda me passa uma imagem de nicho, mas também é tudo muito recente, historicamente falando.
FP: Ainda sobre a atual situação política, como você vê o crescimento do engajamento feminista e de que maneira ele afeta o mercado editorial?
CS: Acho lindo esse movimento feminista todo, quero é cada vez mais. Hoje, sem se esquecer que depende da realidade e do acesso à informação de cada um, mas com tudo que temos lido sobre machismo e abusos de todas as formas, não dá mais pra não sermos feministas, né? Quando você começa a entrar um pouco mais no movimento, você vê recortes que existem, porque as pautas são diferentes mesmo. Num mundo ideal, queríamos todas juntas, mas entendo que, infelizmente, realidades são distintas entre mulheres pela sua cor, orientação sexual e classe social, por exemplo. Agora, sobre o que você disse, esse movimento todo afeta o mercado editorial não só em debates e discussões, em grupos e blogs de estímulo a leitura de mulheres, como em publicações com essa temática mesmo, cada vez mais expostas em destaque nas livrarias. Hoje, em grandes lojas, há seções especializadas sobre o feminismo, e isso é maravilhoso. Acredito que não seja um modismo, como já escutei muitos falarem por aí, mas uma revolução contemporânea, fruto de outras revoluções feministas que já ocorreram no passado e com mulheres tão importantes, que se não fossem por elas, não estaríamos aqui, fazendo o que fazemos.
FP: Que conselho você daria aos novos escritores e aos profissionais que querem entrar no mercado editorial?
CS: Tenho evitado cada vez mais os conselhos, pois cada um sabe dos seus caminhos, mas seriam dicas diferentes para cada grupo desses que você citou. Para os escritores, digo para pessoas próximas a mim e também para pessoas desconhecidas que me procuram pela internet querendo publicar: leiam, leiam muito, leiam de tudo, leiam coisas que vão amar, leiam coisas que vão odiar, leiam coisas que vão achar mais ou menos, mas leiam, e depois escrevam. Leiam mais e escrevam. Para os profissionais do mercado editorial, sendo bem sincera, penso que o trabalho pode ser mais corrido e menos gostoso do que queríamos em muitas vezes, por conta de prazos, metas de venda e outras questões, você pode não ter um retorno financeiro almejado, se quiser ficar rico, não venha pra cá (risos), mas o crescimento pessoal pode ser lindo, a gente reclama, mas ama o que faz. Cada vez mais acredito que o que importa nessa vida, em qualquer coisa que você escolha fazer, é ter fibra e afeto. E isso acontece quando você gosta do que faz, aquele clichê inabalável. Trabalhar com palavras e gente tem muito desses conceitos pra mim: de fibra e afeto. Apesar de parecer poético ou filosófico, vejo muito pragmatismo nisso também. E assim vou seguindo…
NOTA DE RODAPÉ: a Revista Blooks é distribuída gratuitamente nas lojas da Blooks e também em centros culturais. No Rio, a revista está no MAM, no Circo Voador, na Fundição Progresso, no IED, no Parque das Ruínas e no Cine Odeon. Em São Paulo, no Centro Cultural São Paulo, no Museu Afro Brasil, na Casa das Rosas, no IED, na Pinacoteca e na Quanta Academia de Artes. Boa leitura!
*Fabiane Pereira é jornalista, pós graduada em “Formação do Escritor”, sócia da Valentina Comunicação — empresa voltada para criação, divulgação e produção de projetos musicais e literários — apresentadora, roteirista, produtora e programadora musical do programa de rádio Faro MPB, da Rádio MPB FM.
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