Exclusivo! Rodrigo Santos, ex-Barão Vermelho, lança autobiografia e fala sobre rock, carreira e vícios: “Não me arrependo de nada”


Um dos principais baixistas do cenário de rock nacional assina o livro “Cara a cara” ao lado de Ricardo Pugialli e conversa com o Site HT sobre os altos e baixos de sua carreira e de sua vida

Parte essencial do movimento oitentista que causou a explosão do rock no Brasil, o que não falta ao longo dos 55 anos de Rodrigo Santos é história para contar. E é exatamente isso que o baixista do eterno Barão Vermelho pretende fazer com “Cara a cara”, sua autobiografia reveladora, que será lançada no próximo dia 17, na Livraria Argumento, no Leblon, juntamente com o CD e DVD “A Festa Rock Vol. 1”, produzido por Roberto Menescal. “Decidimos que não seria uma história apenas sobre a dependência das drogas e, então, resolvemos contar um pouco sobre os bastidores do rock e da minha carreira”, explica o músico, cantor e compositor, em entrevista exclusiva ao HT.

Escrito em parceria com o jornalista Ricardo Pugialli, o lançamento editorial vai até os tempos do Rodrigo menino, contando até episódios de consagração do seu nome no rock nacional, tanto os sombrios quanto os felizes. Dentre as muitas conquistas no território profissional, estão os períodos com Kid Abelha, Blitz, Os Britos e, claro, o Barão Vermelho. Do outro “lado negro” da força, o músico se abre sobre a dependência ao álcool e à cocaína, os problemas que teve com ambos e como se decidiu pela internação em 2005, período desde o qual se mantém sóbrio. “Tive que contar tudo o que aconteceu realmente, e tentei me ater aos fatos mais significativos. (…) O mais difícil poderia ter sido falar do meu período internado na clínica de reabilitação, mas eu sempre abordei esse assunto. No livro, decidimos voltar à minha infância para explicar como cheguei a esse ponto”, conta.

Capa de "Cara a cara" (foto: Reprodução)

Capa de “Cara a cara” (foto: Reprodução)

O livro ainda conta com prefácio assinado por Frejat e cerca de 70 depoimentos de ícones do rock e da MPB, todos falando sobre a relação com o músico e lembrando pontos de convergência entre suas carreiras. “O Rodrigo foi uma grata surpresa pro Barão Vermelho. Depois de substituirmos o por seu ídolo Dadi, surgiu o Rodrigo. Era 1992 e o novo baixista  subiu no bonde andando, literalmente, e saiu tocando. Rodrigo é um ariano nato, impulsivo, intuitivo, Kamikase. Admiro sua força e sua capacidade de insistência no que acredita”, escreveu o antigo parceiro de banda, Guto Goffi.

Abaixo, Rodrigo santos fala com HT sobre a decisão de expor sua intimidade em uma autobiografia, o período de luta contra os vícios, sua recuperação, o prestígio dos ídolos, a carreira solo e, claro, rock. Vem com  gente:

HT: De onde surgiu  ideia de escrever uma autobiografia?

RS: Algumas pessoas já haviam me convidado, porque eu tinha muito história e por conta da superação da dependência química. Analisei por um tempo e, a partir do ano passado, comecei a pensar definitivamente mais nisso, por comemorar dez anos de abstinência das drogas em 2015. Então, o (Ricardo) Pugialli se dispôs a me ajudar e, como eu queria lançar isso ainda este ano, recebi algumas dicas do Guilherme Fiuza. Decidimos que não seria uma história apenas sobre a dependência e então resolvemos contar um pouco sobre os bastidores do rock e da minha carreira.  Quando decidimos isso, começamos a ligar todos os capítulos aos Beatles e ver o que o Paul estava fazendo quando eu experimentei alguma coisa, ou o que a banda lançava em determinado período etc. Essa pesquisa foi feita pelo Pugialli, enquanto eu mesmo me fazia umas 400 perguntas, para lembrar de momentos muito bacanas e outros momentos muito ruins. Tudo deixa marcas, que vão trazendo novas histórias, mas eu precisava lembrar da cronologia e, no meio disso, eu também tive os depoimentos de 85 artistas do rock, do pop e da MPB, de Erasmo Carlos a Moraes Moreira.

HT: De onde veio essa ideia de conectar os capítulos com a obra dos Beatles?

HT: Eu quase fui desenhista e na minha infância, teve um francês que queria me levar para a Europa. Minha família não deixou porque eu era muito jovem, então pedi um violão de presente e, com isso, passei a ouvir Beatles e Bob Dylan. Foi nesse período que passei a compor. Lembro que minha irmã foi para Londres e todos estavam escrevendo cartas para ela, mas eu decidi compor uma música, que meu pai até gravou em fita k-7. Já compus umas 15 músicas nessa primeira leva, com uma pegada bossa nova. Encadernei essa letra com outras quatro no livro, por sinal.  Foi quando migrei para a profissão musical e comecei a ouvir muitos estilos diferentes.

HT: Como foi selecionar os depoimentos que entraram no livro?

RS: Eu escutava muito Novos Baianos, Secos e Molhados, Mutantes etc. Lembro de reproduzir os solos de baixo que o Liminha gravava com o Arnaldo Brandão para o Lulu Santos e o Gilberto Gil. Hoje, ter nomes como Pepeu Gomes, Dadi, Moraes Moreira e Ney Matogrosso, que já participou de um DVD comigo, escrevendo esses textos é uma satisfação muito grande. Lembro de ter assistido ao show “Outras Palavras”, do Caetano Veloso, no Canecão. Eu tinha fumado maconha e estava disposto a começar a investir na guitarra, já fazia até algumas aulas. Mas ouvir todos aqueles baixos do Arnaldo me impressionou muito, era muito foda. Então, resolvi voltar a isso e me manter com o baixo, que foi a minha grande chancela ao longo de toda a minha carreira.

“O que mais me surpreende no Rodrigo Santos é a capacidade que ele tem de se reinventar. Depois de muito tempo sendo baixista do Barão Vermelho, com a parada do Barão montou Os Lenhadores, virou vocalista principal, gravou bons álbuns solos e caiu na estrada fazendo shows espetaculares por todo o Brasil tocando o que mais gosta: rock’n’roll. Isso sem falar na vitória que ele tem tido na sua luta diária e pessoal pela abstinência! Parabéns Rodrigo e boa sorte!”

Arnaldo Brandão

Há outro depoimento da Paula (Toller, leia abaixo) falando sobre um ensaio que cheguei atrasado porque estava drogado. Na época, a galera colocou panos quentes e acho que ela nunca soube o motivo verdadeiro desse atraso. Pelo menos não da minha boca. Mas tive que contar tudo o que aconteceu realmente, e tentei me ater aos fatos mais significativos, então finalmente abordei esse episódio. São detalhes da riqueza dos depoimentos e que me fazem pensar muito. Também conversei com pessoas que me conheceram na infância, na minha fase heavy user, na fase limpo etc.

Paula Toller e Rodrigo Santos em apresentação do Kid Abelha (Foto: Reprodução)

Paula Toller e Rodrigo Santos em apresentação do Kid Abelha (Foto: Reprodução)

“O Rodriguinho era um gato, e eu o via sempre na turma do Léo Jaime, no Baixo Leblon. Ele tem estrela e também traz estrela, cruzou comigo em vários momentos importantes do Kid. A gravação e a turnê do Acústico MTV, um momento-magnata da banda, coroando um trabalho duro de seis meses!  
Na estrada, era divertido, irreverente e astral, cantávamos Beatles e Police nos ônibus, ele sempre sabia as vozes.  E tinha uma bela figura e postura de palco.  Fiquei feliz por ele ter investido na carreira solo. Quanto ao lado junkie, houve tensão quando ele não foi ao tal primeiro ensaio. Fiquei na dúvida se daria certo mantê-lo, mas escolhi confiar. O Rodrigo, além de ter talento e ser do bem, é inteligente e soube aproveitar a bronca que eu devo ter dado!”
Paula Toller

HT: Quais foram as maiores dificuldades desse processo de escrever uma autobiografia?

RS: Acessar a memória, porque muitos episódios eu já havia esquecido. Há uma passagem, por exemplo, quando o Barão (Vermelho) parou e antes de eu tocar com a Blitz e o Kid Abelha, no qual fiquei seis meses tentando outros projetos e nenhum rolava. Então, vi no jornal que o baixista do Biquíni Cavadão havia saído e liguei para alguém do grupo me oferecendo. O Bruno (Gouveia, vocalista) lembrou que, quando liguei, eles conversaram entre si e falaram que a banda parecia um monastério perto de mim, fora as dúvidas de como seria o trabalho na estrada. E eu nem lembrava dessa decisão do Biquíni!

Rodrigo é um querido. Sempre que nos encontramos rola a velha brincadeira dos tempos de Los Angeles, quando trabalhamos em um disco do Lobão: “meu papai”, “meu filho”! Gostamos das mesmas coisas, tocamos baixo. Fiquei muito feliz quando ele foi para o Barão. Acho legal ele cantar, tenho inveja deste ímpeto. Canta super bem. Fico contente de ver como ele está, com muita garra. Admiro o seu trabalho, gosto muito dele, é muito musical. 

Liminha

Rodrigo Santos em apresentação do Barão Vermelho em 1992 (Foto: reprodução)

Rodrigo Santos em apresentação do Barão Vermelho em 1992 (Foto: reprodução)

HT: Como foi reviver esse período da dependência das drogas no livro?

RS: O mais difícil poderia ter sido falar do meu período na clínica, mas eu sempre abordei esse assunto em entrevistas, nesses últimos dez anos. No livro, decidimos voltar à minha infância para explicar como cheguei a esse ponto, de experimentar a maconha aos 14 anos e a cocaína aos 19. Mas não tive dificuldade nesse aspecto. Não queria fazer o livro só disso, mas também não tinha como não citar. Eu tenho orgulho de ter entrado lá. Conto também o que aconteceu na última semana antes da internação e como foi gradativa a dependência química. Eu era o único músico do lugar, então nem tem como usar a profissão como desculpa. Claro que, com quanto mais loucos você anda, mais louco você fica. Mas não posso me basear nisso, porque eu poderia ter morrido.

HT: Como foi voltar à música depois de se internar em uma clínica de reabilitação?

RS: Fiz seis discos, dois DVDs, toco mais de 20 shows por mês, tive três turnês internacionais, isso tudo de uns anos para cá. Aprendi como dar um outro significado àquele personagem do rock. Tive entrar como alguém mais focado para poder seguir carreira solo, até porque o Barão virou uma banda comemorativa, que só volta de cinco em cinco anos. Quando parei com álcool e drogas, comecei a ter mais espaço interno. Também conto no livro como fui transformado em coordenador da clínica depois de 10 meses lá. O nome da filosofia que sigo é “só por hoje”, porque o amanhã pode não existir. É preciso aprender a viver e se divertir vivendo. Eu e minha mulher falávamos sobre isso todo dia. Ao mesmo tempo, tive o exemplo dos meus irmãos, que conseguiram superar seus vícios também, e eu até dedico esse livro para eles em um momento.

Leo Jaime e Rodrigo Santos juntos durante turnê nos anos 1990 (Foto: Reprodução)

Leo Jaime e Rodrigo Santos juntos durante turnê nos anos 1990 (Foto: Reprodução)

HT: Qual momento do livro te deixou mais nostálgico?

RS: A minha entrada no Barão e a viagem com Os Britos para a Inglaterra. E também o dia que abrimos o show dos Rolling Stones. Teve muita coisa da infância, de quando eu batalhava com a banda Front e o LP gravado pelo Leo Jaime. Esse momento foi o mesmo sentimento de desbravar que senti quando tive a minha carreira solo Esse momento do Front, de faz as rádios e programas de TV que abriam para a gente, foi incrível. Só não sinto nostalgia do vícios. Quando eu me lembro da cocaína, só me lembro de coisa ruim. Nostalgia nenhuma.

Rodrigo Santos é uma fonte inesgotável de energia. O morno, o calmo, o cool, não são muito vistos em seu universo. Já era assim quando novo, quando o conheci e oferecei o primeiro trabalho profissional. Produzi seu primeiro single, o da banda Front, e algumas parcerias de vida definitivas estavam ali seladas. O entusiasmo e a energia frenética foram, em algum momento da vida, também o seu martírio. Mas estamos falando aqui de alguém que tem muito fôlego e se a vida lhe levou ao fundo, fôlego não faltou para voltar com tudo e se refazer com o mesmo entusiasmo. Por isto admiro tanto este cara: é um vencedor na vida e na carreira. E vencedor não é quem ganha sempre”

Leo Jaime

HT: Como avalia a atual cena do rock brasileiro?

RS: O rock está rolando e nunca vai deixar de rolar. Hoje, há muitas bandas boas por aí, como Vanguart, Móveis Coloniais de Acaju, Autoramas, Filhos da Judith, Suricato e Cachorro Grande que é quase uma mistura de Beatles com Rolling Stones. Também gosto muito do Pedro Macê, um garoto novo, superlegal, que compõe para caramba e com letras bacanas. Hoje, com programas como o Superstar, você pode conhecer bandas novas de rock, como a Scalene. Não importa se estão começando ali, o que interessa é ver bandas boas aparecendo no mercado.

Rodrigo Santos tocando com o Barão Vermelho, em 1992 (Foto: Reprodução)

Rodrigo Santos tocando com o Barão Vermelho, em 1992 (Foto: Reprodução)

HT: Quais as principais semelhanças e diferenças entre o rock dos anos 1980 e o rock de hoje?

RS: Há uma galera daquela época que eu não consigo deixar de gostar e continuam muito férteis, como Titãs, Nando Reis e o Lobão, que faz uma categoria de rock que não vejo ninguém fazendo. Acho que ele é genial e pode até ser que não chegue em todas as rádios, mas ninguém chega. A realidade é que o Brasil é um país predominantemente sertanejo hoje, em todos os veículos de comunicação. Mas, de certa maneira, são poucas as rádios que tocam pop rock, como o Skank, que eu considero os Beatles brasileiros. O rock, hoje em dia, precisa batalhar como se batalhava antes do boom nos anos 80: tentando espaço aqui e ali, e sabendo que as rádios estão fechadas para o gênero. Nacionalmente, aquilo que aconteceu com “Bete Balanço” ou “Você não soube me amar”, era uma luta das bandas, um movimento que começou com a Blitz, talvez, e foi para as outras. Acho que esse movimento não é tão forte assim atualmente, é mais esporádico.

HT: Hoje, olhando para trás, você mudaria alguma coisa na sua vida se tivesse a chance?

RS: Não. Eu evitaria algumas coisas se pudesse, se tivesse controle sobre elas. Mas foram acontecendo. E esse é o problema da dependência química. Quando você vê, se envolve. Não existe como acordar um dia e resolver: ‘Ok, sou dependente químico’. Muitas coisas eu considero parte normal da vida. Eu não me arrependo, mas se fosse controlável eu poderia ter evitado algumas coisas. Mas eu comemoro, não lamento nada. Inclusive, de poder contar essa história.