“Eu tinha me recuperado de uma depressão e abuso de drogas”, diz Andrew Oliveira autor de o ‘Vazio da Forma’


Natural de Macapá, o jovem autor, conversou com o site Heloisa Tolipan sobre a saúde mental dos LGBTQIA+, tema do livro, agressões e a falta de políticas públicas para essa parcela da sociedade. “Construir esse livro fui eu me desafiando a criar algo que transmutasse muito das adversidades que eu mesmo já tinha passado. Foi uma provocação. E quanto mais eu me provocava e tocava na ferida, mais a história se formulava por conta própria”, revela

*Por Rafael Moura

“Construir esse livro fui eu me desafiando a criar algo que transmutasse muito das adversidades que já tinha passado. Foi uma provocação. E, quanto mais me provocava e tocava na ferida, mais a história se formulava por conta própria”, revela Andrew Oliveira, autor do livro ‘Vazio da Forma’, logo no início da conversa com o site Heloisa Tolipan. Aos 26 anos, e natural de Macapá, é um multiartista que acaba de lançar a publicação que fala sobre a saúde mental da comunidade LGBTQIA+.

“Essa narrativa não foi nada planejada. Eu tinha acabado de me recuperar de momentos muito difíceis na minha vida, entre eles a depressão e abuso de drogas, e estava redescobrindo o meu próprio poder como autor. Precisei recomeçar do zero em vários aspectos na minha literatura, para limpá-la e remoldá-la em algo que eu gostaria que ela se transformasse. E, depois de alguns anos de sofrimentos e muitas tentativas, surgiu o ‘Vazio da Forma'”, explica.

O ‘vazio’ é um conceito muito presente na vida dos LGBTs. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) ansiedade, depressão e risco de suicídio são recorrentes muitos provenientes pela falta de apoio familiar. “Eu cuido da minha saúde mental com a minha espiritualidade. Sou filho de santo em uma casa de umbanda e também guardião em uma Casa Xamânica, que consagra Ayahuasca. Foi a minha fé que me salvou de abismos que poderiam ser irreversíveis, então sou muito grato a ela e tenho dedicado minha vida a aprender cada dia mais com meus mestres, guias e mentores espirituais”, conta.

E acrescenta: “Eu já passei por muitos problemas por conta da minha sexualidade, na infância e adolescência, e isso definitivamente também influenciou no quadro depressivo que viria a ter na fase adulta, porque acabei acumulando muita coisa, e uma hora tudo implodiu. Também já fiz tratamentos com antidepressivos, acompanhamento médico, etc. Mas particularmente, as coisas voltaram a funcionar quando passei a me dedicar à filosofia xamânica”.

Andrew acredita que somos uma reunião de todas as nossas experiências, vivências e aprendizados e isso se traduz na publicação e em sua caminhada, que construiu seu repertório cultural. “Na adolescência lancei um livro de poesias intitulado ‘Santuário’, os exemplares só se encontram em Macapá. Em seguida, me mudei para Belo Horizonte a fim de cursar Cinema e Audiovisual, no Centro Universitário UNA, formando em meados de 2015. No ano seguinte me fui para São Paulo, para trabalhar com fotografia e filmagem e com meus outros projetos, como os meus livros”, conta.

Começamos a perceber que a arte ativista ou feita por artistas LGBTQIA+ começa a ganhar visibilidade na grande mídia, mas percebemos que ainda falta um apoio mais expressivo do mercado em geral que só levantam bandeiras quando lhes é favorável. “Só para dizer que apoiam. Mas cadê essas pessoas indicando artistas LGBTQs? Cadê essas pessoas falando desses artistas? Chamando para entrevistas, conversas, pra participar ativamente dos seus meios privilegiados? Fotografando, filmando, falando sobre a nossa arte? Falta uma vergonha na cara, eu acho! Só dizer que apoia e postar uma foto, não é apoio. Essas artistas precisam entender que não precisamos de migalhas, mas de uma atenção minimamente digna”, dispara.

O Brasil, ainda, é um dos países que mais mata LGBTs no mundo, a cada 16 horas registramos um caso de lgbtfobia, seja com agressão verbal ou física. Segundo dados da ONU, 70 países no mundo ainda consideram crime a relação entre pessoas do mesmo sexo. “Falhamos na educação básica escolar. Eu não aprendi sobre a minha sexualidade ou identidade de gênero lá. O ambiente escolar é o primeiro contato que temos com o ‘mundo externo’, além da nossa casa. Só aprendi sobre sexo e sexualidade cis-heterossexual, que nunca me contemplou. A maioria das coisas tive que aprender ‘clandestinamente’, e isso não era saudável, porque me faltavam referências. Cresci aprendendo no colégio foi que, se eu me assumisse, seria morto ou violentado, e as pessoas que fizessem isso sairiam ilesas, porque era
socialmente aceitável”, lamenta Oliveira.

Uma pesquisa recente divulgou que 71% dos trabalhadores LGBTQIA+ acreditam que representatividade na liderança das empresas é de suma importante para o desenvolvimento profissional da classe. O que vemos é uma grande  falta de políticas de inclusão no mercado de trabalho. “Brutal, é a palavra! Em todos os ambientes em que transitamos, sempre existe um certo nível de hostilidade, mesmo que apenas um rastro, ou quando o ambiente – profissional ou recreativo – é dito inclusivo. Quando a gente vive nessa clandestinidade, à margem da sociedade, aprendemos muito rapidamente a perceber os sinais, a captá-los no ar, pequenos gestos ou palavras deixam isso claro. É por isso que muitos de nós criamos famílias de amigos, elos e uma rede apoio fora a nossa família. É uma maneira de nos sentirmos mais seguros. É necessário existir uma educação a respeito da comunidade LGBTQ, não só a inclusão por inclusão, as pessoas precisam parar de nos colocar numa categoria sub-humana. Sobretudo pessoas trans, que são as que mais sofrem no mercado de trabalho e as que menos têm oportunidades profissionais”, conclui.