*Por Rafael Moura
Elisa Lucinda está lançando o seu mais novo romance Livro do Avesso, pela Editora Malê, o décimo quinto de sua carreira. A obra é uma coleção de textos que revelam os caminhos íntimos e inquietantes da imaginação da poetisa, que na história encarna a personagem Edite. “Esse livro começou no bloco de notas do meu celular. Foram pensamentos e ideias que transbordaram de Fernando Pessoa – O Cavaleiro de Nada (uma autobiografia ficcional, sobre a obra do escritor, de 2014). São como vozes internas que ficam ‘martelando na nossa cabeça’, explica a escritora que considera este o seu livro mais pop depois de Parem de falar mal da rotina, de 2010, que foi um boom de vendas e no teatro.
Elisa nos conta, atarefada com os preparativos da noite de autógrafos, que “não sabia que seria um romance. Não um pedaço ou um fragmento, essa história revê cada intenção, repensa cada momento, por isso Edite é uma mulher, negra, séria, mas alegre, convicta e determinada. Com narrativas que contemplam sobre o contemporâneo, de maneira muito particular”, ressalta. E completa: “Eu acredito que esse livro aciona as liberdades das nossas vidas e pensamentos. As pessoas estão se autocensurando”.
O nome da personagem Edite veio de uma das vozes interiores que Elisa Lucinda escuta e dizia: “Edite!” (Elisa caí na gargalhada, mostrando prazer ao falar desse grande nascimento) Assim, nasce o segundo romance da autora: uma prosa poética, que reúne os pensamentos mais livres e plurais de uma brasileira, adulta, negra, que vive os dilemas e paradoxos da sociedade contemporânea. “Esse livro não tem linearidades. Ele tem um fluxo narrativo que é muito divertido”, conta a autora sobre o ‘diário de ideias e pensamentos’ de Edite, Elisa Lucinda. desnuda, com graça e leveza, o íntimo de sua personagem narradora-protagonista.
Edite é também uma aficionada pelas palavras, toma notas de suas vivências e de seus sonhos. Seus pensamentos e memórias são repletos de cores e embalados por músicas; contam de amigos e familiares, questionam tradições e costumes religiosos, reclamam de convenções sociais, apontam preconceitos. Acima de tudo, o livro revela uma intimidade feminina – Edite fala de seus desejos ocultos, por vezes controversos, da mesma forma simples com que aborda seus cuidados rotineiros com o cabelo, a pele, a roupa, a casa.
Em uma coleção tem “cento e treze anotações minhas que cruzam a vida de diversas mulheres pelo Brasil”, diz Elisa Lucinda que traz tanta energia em suas criações que podem ser leves como ar, forte como o trovão, refrescantes como a chuva ou gostoso como uma brisa. São desses elementos que a poetisa encontra um jeito singelo de falar de amor, do sexo, da morte, do medo, da saudade. Há, no livro, uma crítica à moral coletiva: passagens do cotidiano por vezes induzem a protagonista a reflexões perturbadoras. E Edite ouve também vozes – suas e alheias – que tentam reprimir instintos mais subversivos. “São observações, internas, que fazemos e não temos coragem de assumir”. Para o editor da Malê, Vagner Amaro, a obra permite ao leitor “aproximar-se do que há dentro, no outro, ler o avesso, estranhar com liberdade o próprio pensamento e perceber o comum da vida”.
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