Provavelmente você já escutou alguma das faixas do álbum Bluesman, do Baco Exu do Blues. Além da sonoridade e das letras que nos fazem refletir existe um outro tesouro nesse projeto: as fotografias. Nós, do site HT, fomos atrás da talentosa Helen Salomão, fotógrafa que assina as imagens, e contamos agora um pouco sobre a vida e o trabalho da baiana.
Com um “oi” tímido e direto, que logo se transformou em leveza e fluidez narrando os tantos acontecimentos da vida, Helen nos recebeu. Ela, que hoje vive da arte de fotografar, revelou que, a princípio, o seu sonho era seguir o caminho do Direito, visando modificar e melhorar a realidade das pessoas. Ao encerrar o estudo técnico em administração, a estudante conseguiu o que até então era sinônimo de futuro: um estágio no Fórum de sua cidade natal. “No começo foi muito animador, porque eu pretendia cursar Direito, mas quando eu comecei a estagiar descobri que não era aquilo que eu queria. Não era nada daquilo que eu havia construído na minha cabeça, sabe?”, explicou ela, que na época, resolveu sair do emprego, mas antes, fez algo que mudou a sua vida. “Eu havia comprado a minha primeira Canon usada. Foi paixão logo de cara”, afirmou.
Enquanto estudava a técnica fotográfica por conta própria, a jovem decidiu então que tentaria cursar design, pelo talento demonstrado desde criança ao desenhar. No entanto, sem conseguir passar para o curso que queria, Helen acabou optando por fotografia. “Eu não me reconhecia como artista mesmo quando eu comecei a fotografar. No curso, eu pude estudar para além da técnica, aprendendo mais sobre a minha própria vida e discutindo as minhas ideologias. Comecei a elaborar projetos de fotografia em cima dos meus escritos poéticos e fui percebendo que essa vontade de discussão e revolução que eu tinha no Direito poderia ser feita a partir daí”, contou.
Helen apontou as dificuldades do acesso à arte dentro das comunidades. “Eu estava inserida dentro do contexto da periferia sendo mulher e negra. Então, as pessoas diziam que a arte não era para mim. Minha família, quando eu comprei a câmera, questionou sobre o uso daquele dinheiro empregado na máquina, dizendo que eu poderia ter investido em algo diferente que me traria um retorno financeiro. Eu estava no escuro”, disse ela, que só com o passar dos anos reconheceu a mãe, que ganha a vida trançando cabelos, como artista também. E desabafou sobre a realidade na qual está inserida: “Eu poderia hoje estar morta, ao invés de estar aqui conversando com você. Eu poderia não ter construído tudo que eu construí, porque nós estamos à margem enquanto integrantes da comunidade periférica e da população negra”.
Sem culpar a família por essa cobrança, Helen explicou que essa pressão é comum pela falta de referências entre as pessoas de classes mais baixas, citando ela própria como exemplo: “Naquele momento, a fotografia era a minha única opção, mas eu não tinha um referencial, sabe? Não tinha nenhum contato com a fotografia enquanto arte e não conhecia um fotógrafo famoso”. Hoje, além de conhecer artistas como Amanda Oliveira, Willian Ukoh e Caroline Lima, a fotógrafa se orgulha em poder levar o debate artístico para dentro de casa.
Há seis anos entregue a esta arte, Helen admitiu que só começou a ganhar dinheiro recentemente, mas reforçou a ideia de que o que realiza é por amor. “Eu acho que qualquer trabalho que você faça tem que ter verdade. Ou a sua verdade ou a verdade de outras pessoas que estejam dentro do processo. Eu acredito que sempre trabalhei assim. Não é só captação de dinheiro, mas uma forma de expressão”, informou, admitindo que a fotografia entrou em sua vida de forma muito despretensiosa. “Foi um tiro no escuro e aconteceu. Deu certo! Eu gosto de dizer a fotografia me escolheu”, afirmou.
Apesar de presente na cena artística e cultural de Salvador, Helen lamentou a existência do racismo e do machismo também entre os companheiros de profissão: “Eu sou muito conhecida aqui, mas não sou respeitada, porque sou mulher e negra. Ainda assim, consigo muitos trabalhos e isso só porque sou negra da pele clara, pois se eu fosse alguns tons mais escura, com certeza estaria sendo ainda mais anulada”. Para ela, apesar de a cidade ser um berço de talentosos artistas, não sabe ainda como lidar com eles. “Salvador é essa incubadora onde a galera nasce, produz e tira leite de pedra, mas não é valorizada. Essa cidade se tornou uma atração turística e parece que nos resumimos só a isso. Os artistas daqui sempre vão embora ou são esquecidos pela falta de valorização, enquanto que muitas pessoas de fora, chegam aqui e fazem um sucesso enorme”, afirmou, relembrando em seguida do colega de profissão Roberto Lázaro, descoberto recentemente por ela. “Um fotógrafo incrível, negro retinto, de periferia e que veio retratando a população negra durante anos. Como as pessoas não conhecem esse cara? Como eu não conhecia esse talento? É um absurdo! Quando algum gringo vem aqui, todos damos apoio”, reforçou. E prosseguiu, apontando a falta de representatividade nesse cenário: “Quando eu olho para fotografia e penso que ela não foi criada por pessoas negras e periféricas. Então, eu olho para dentro dessas fotografias e não me vejo representada. Não vejo meu povo, minha gente, minha cor”.
Nesse contexto, Helen se reconhece como responsável por pequenas e cotidianas transformações. Olhando para dentro e para aqueles que a cercam, ela faz o que chama de “trabalho de andorinha”. “Dentro da fotografia, o negro está como documento, número, ao invés de aparecer pelo lado positivo. Se nós não damos o nosso nome e o nosso sobrenome o racismo vem dar. Tento fazer diferente e ser verdadeira comigo e com as pessoas, contando a minha história, incentivando outros a contar as suas histórias também. São muitos anos negando e escondendo isso. São muitos anos recebendo o resto. Então, eu tento trazer uma outra relação para dentro da minha foto, a partir da discussão, abordando coisas positivas. A gente já vive desgraças demais. É trabalho de andorinha mesmo. Precisamos pensar em nós e nos nossos, começando dentro de casa, na vizinhança”, afirmou.
Por meio do seu incrível e representativo trabalho, Baco chegou à conta do instagram @helensalomao, hoje com mais de 25 mil seguidores. Ele, que no álbum anterior utilizou as fotografias de Mário Cravo, dessa vez convidou Helen. “Ele escolheu as imagens em cima do que ele acreditava que ia casar com cada letra de música. Fiquei muito feliz de colocar pessoas negras, de pele retinta, que talvez nunca se viram protagonistas, na capa de um CD”, disse ela, que assumiu preferir, dentre todas as músicas do álbum, as faixas Me desculpe, Jay Z e Kanye West da Bahia. A fotógrafa aceitou a parceria, mas nos contou que já recusou muitos trabalhos por irem contra os seus princípios. Em uma crítica ao oportunismo de muitas empresas, ela comentou: “Existe uma falsa discussão pela sociedade que quer falar sobre tudo. As marcas e empresas procuram pessoas militantes para se aproveitar de suas bandeiras, mas, pessoalmente, por trás das câmeras, nos destratam”.
Para 2019, Helen revelou que continuará firme e forte em suas convicções e ideologias, passando suas mensagens, por meio do seu trabalho. “Preciso acreditar cada vez mais na minha arte. Mobilizar e me organizar com os meus. Minha ideia não é falar de desgraça. Vamos falar do que é positivo, do que é bom, para que a esperança ressurja dentro das pessoas. Precisamos continuar o que já fazemos há muitos anos só que em uma intensidade maior. Coloco a minha digital na história como fotógrafa e faço questão de continuar fazendo isso”, concluiu.
Artigos relacionados