Ferro velho, caçamba de obra, loja de R$1,99. Para o arquiteto e “fazedor de peças” André Marques, qualquer material pode ser um start para um trabalho plástico. O artista, que considera o título de designer apropriado somente para quem “cria algo muito novo e vanguardista”, trabalha com peças recicladas e materiais de refugo – descartados pela indústria – com a proposta de exclusividade e renovação da matéria-prima em prol do meio-ambiente. Em 2015, André expôs, na Semana de Design de Milão, a Lumen: luminária feita com corpo de prova – cilindros de concreto usados e descartados pela construção civil -, cúpulas feitas a partir de garrafas pet e aros de bicicleta. “A Lumen foi a possibilidade de juntar materiais que estavam separados em uma peça que eu nunca tinha criado até o fim. Eu primeiro montei uma foto com os materiais antes mesmo de verificar a funcionalidade da peça”, confessou o designer.
Em entrevista ao HT, o “fazedor de peças” reconheceu que esse tipo de trabalho apresenta diversas dificuldades, desde a confecção à comercialização das obras. “Eu sempre fui fascinado por ferros-velhos. Mas o problema em usar um portão de ferro abandonado, por exemplo, é que você vai ter que projetar a partir daquela estrutura já pronta. Com isso, as peças nunca vão sair iguais. Isso pode ser bom ou ruim. Eu vejo como peças icônicas e muito interessantes. Mas o comércio, por exemplo, não aceita muito as diferenças entre os trabalhos de design. O comerciante gosta de obras iguais para vender uma e recolocar outra na vitrine. Se o cliente da loja gostar de algum trabalho hoje, na semana que vem não pode ter outro parecida. Tem que ser igual, porque a similar não agrada pelos detalhes. E peças iguais nem sempre podem ser feitas a partir de material de refugo”, explicou ele que disse ser “desestimulante” essa falta de “compreensão e aceitação” por parte do comércio.
No mercado das artes há mais de 20 anos, André Marques explicou que, em alguns casos, é possível garantir peças iguais e com origem sustentável. “Uma vez, eu consegui comprar de um ferro-velho um lote enorme de discos de ferro. Dessa forma, eu garanti que os porta-cds tivessem a mesma base e ficassem todos iguais, mesmo usando uma peça já pronta no projeto. A matéria prima in natura é muito mais complicada. A não ser em situações como essa que você feche um lote de peças”, contou ao HT. O arquiteto, que desde o começo da carreira teve a preocupação com a reutilização de peças abandonadas nos trabalhos plásticos, não vê a mesma abordagem e divulgação desse tipo de material em revistas de arte. Para ele, “essas novidades aparecem em bem menos proporção nos veículos do meio”. Como ele descobre esses materiais? “Eu vou em fábricas de plástico pegar peças de baldes com erro, por exemplo. Também gosto de ver em caçambas de obras se tem alguma coisa interessante. Por aí”, disse ele que vai achando as novas matérias-primas pela rua e carregando no carro. “Esses materiais me interessam muito. O que sobra na produção e de preferência com uma matéria-prima interessante, como aço inox e alumínio, é muito bom. O refugo de um material desses é positivo só pela composição já ser nobre”, completou André.
Embora seja uma preocupação recorrente nos dias de hoje, a sustentabilidade não é tão considerada no meio artístico, segundo André. Para ele, que se diz “muito desconfiado do discurso verde no mercado”, as madeiras com selo de reflorestamento são as matérias-primas mais usadas para transformar projetos em “ecologicamente-corretos”. “Eu sou muito descrente de tudo isso. Eu acho que esse termo virou moda e por isso tem muita fraude no mercado para ter peças com esses selos e denominações. Se fosse realmente levado a sério, eu iria gostar muito mais, talvez até me considerasse fazendo parte dele. Mas, atualmente, eu vejo uma grande confusão nisso tudo, é muito coisa errada. Na verdade, todos querem usar a melhor madeira possível e não estão tão preocupados com o reflorestamento”, disse o arquiteto.
Dentre as matérias-primas reutilizadas por André, a garrafa pet aparece como principal. Ele, que já ocupou um andar da própria casa com centenas desse material sem saber como iria usar, não gosta da plástica de peças feitas com essas garrafas. Para ele, esses trabalhos tendem muito para o lado artesanal. “Não que o artesanato seja um problema, eu até gosto. Mas, para mim, ele tem que ser inserido de uma forma diferente da que seria usado inicialmente. O que me interessa nessa técnica é conseguir desenhar uma peça em que, uma renda nordestina, por exemplo, esteja em destaque, mas que tenha uma função que ninguém nunca viu. Fora isso não me interessa”, contou. Na luminária sustentável que expôs em Milão, André Marques usou na cúpula um material feito a partir do derretimento das pets. “A indústria derrete o plástico e o transforma em uma película fina. Porém, esse material não é 100% reciclado, já que a garrafa voltou para a fábrica, poluiu o planeta, gerou resíduos e etc”, explicou. Apesar de não ser upcycling – quando o material descartado ganha nova função sem precisar de alteração –, a matéria-prima agregou nova utilização a milhares de garrafas plásticas que demorariam cerca de 100 anos para se decompor no ambiente. Segundo ele, essa peça é considerada “arte-design”. “A Lumen é um trabalho que foge dos padrões normais e que tem material reciclado ou upcycling, como os corpos de prova e os aros de bicicleta. Para mim, é uma escultura com função. Eu estou reaproveitando um material que ia para o lixo e devolvendo à sociedade uma peça artística com utilização”, afirmou André Marques.
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