Com 28 anos de jornalismo e três livros como escritor, Luís Ernesto Lacombe lança obra com a história de sua família alemã: “Perdi parentes e heranças incalculáveis”


À frente do boletim esportivo do “Bom Dia, Brasil”, da Globo, ele lembrou do difícil dia da tragédia com o avião da Chapeconse. Depois de cobrir guerras e o atentado de 11 de setembro, Lacombe confessou que não esperava passar por momentos assim. “Eu não imaginava que teria que falar dos meus amigos mortos na televisão. Foi muito duro”

Jornalista consagrado e escritor experiente, Luís Ernesto Lacombe lançou o seu quarto livro “Cartas de Elise – Uma história brasileira sobre o nazismo”. A obra conta através de cartas achadas dos anos 1930 a situação e o desespero dos alemães e judeus no período nazista e os planos de fuga da Europa. O material que serviu de inspiração, base e pesquisa para Lacombe é um arquivo de sua própria família, que foi descoberto após a morte de sua avó paterna. “A gente descobriu a existência dessas cartas na morte da minha avó que era casada com esse alemão fugido da guerra. Nós achamos cerca de 300 cartas, sendo 90% delas enviadas pela Elise, que era minha bisavó que havia ficado na Alemanha”, disse o jornalista.

Depois de encontrar essa riqueza histórica em formato de cartas, Luís Ernesto Lacombe contou que sua irmã caçula Cristina Heilborn-Guenther decidiu traduzi-las por curiosidade. Ela, que mora na Alemanha há 25 anos e é a única da família que domina o idioma, decidiu tentar descobrir através deste material informações mais completas sobre a sua família, que foi pulverizada por causa da Segunda Guerra Mundial. “Até então, nós só sabíamos pequenos trechos do nosso passado. A partir do momento que ela começou a traduzir essas cartas da nossa bisavó para o nosso avô, ela passou a me mandar emails contando o que ela ia descobrindo. Nesses relatos, têm todo o processo de degradação, segregação e preconceito que os judeus sofreram. Foi então que fomos amadurecendo a ideia de escrevermos um livro com todo esse material”, explicou.

Luís Ernesto Lacombe lançou o livro "Cartas de Elise" que narra os dramas de sua bisavó alemã durante a Segunda Guerra Mundial (Foto: Cristina Granato)

Luís Ernesto Lacombe lançou o livro “Cartas de Elise” que narra os dramas de sua bisavó alemã durante a Segunda Guerra Mundial (Foto: Cristina Granato)

Com a intenção de relembrar os 70 anos do fim do nazismo com a publicação do livro, Lacombe disse que tentou correr com a obra para que ficasse pronto até maio do ano passado, data da celebração. No entanto, como sua irmã entregou as traduções completas em julho de 2014, o prazo para lançamento ficaria muito curto. Segundo Luís Ernesto Lacombe, além de se responsabilizar pelos mais de 300 relatos de sua família, Cristina também realizou uma enorme busca sobre os parentes até então desconhecidos e os localizou pela internet. Já o jornalista e escritor ficou responsável por uma intensa pesquisa do período nazista e da Segunda Guerra Mundial para uma imersão mais profunda e completa no assunto.

Apesar de não conseguir lançar o livro “Cartas de Elise” em maio de 2015, Luís Ernesto Lacombe ressaltou a contemporaneidade da obra nos dias de hoje. Segundo ele, além de contar uma história familiar, o livro tem a função de lembrar sobre o que ocorreu no passado e não permitir que os dias de dor e tortura se repitam no futuro. “Nós ficamos imaginando que esta foi uma história que se passou há 71 anos e que, por isso, não é mais atual. Mas a cada dia, com o crescimento da extrema direita, nós estamos percebendo que a ideia do livro é essencial: queremos contar o que houve para ninguém esquecer. Nós temos que falar disso para que não se repita”, destacou.

Para a obra, a irmã de Lacombe, Cristina, traduziu mais de 300 cartas de sua bisavó (Foto: Cristina Granato)

Para a obra, a irmã de Lacombe, Cristina, traduziu cerca de 300 cartas de sua bisavó (Foto: Cristina Granato)

Para fazer esse manifesto, Lacombe explorou o conteúdo das cartas de três maneiras. Como ele explicou, a intenção era proporcionar um livro agradável e histórico. “A ideia desde o início era fazer um livro bem palatável. Por isso, eu quis transformar as cartas em um romance, e não uma biografia familiar. Na prática, eu usei parte do material de forma integral no livro, outras eu só aproveitei para pegar algumas informações e as demais cartas eu as transformei em diálogos. Para não ficar chato para o leitor, eu imagino como foi a conversa da minha bisavó com outra pessoa a partir do que ela contou para o meu avô”, relatou o jornalista que não tem medo da exposição da história de sua família. Pelo contrário. “A proposta era mostrar o que aconteceu com a minha família, o quanto eles sofreram e foram injustiçados. Eu perdi muitos parentes e heranças incalculáveis. A minha família tinha muito dinheiro na Alemanha, além de propriedades e negócios, como cervejarias e hotéis, que nós nunca vimos e soubemos. Isso é o de menos, mas são situações que doem”, completou.

Embora este seja o primeiro livro em prosa de Luís Ernesto Lacombe, engana-se quem pensa que a relação do jornalista com a literatura é recente. Na carreira, ele já possui outras três obras em forma de soneto. Definindo-se como “quase um parnasiano”, Lacombe contou que desde criança sempre leu poesia. Afinal, a literatura faz parte do outro lado da família do jornalista e escritor. “Meu avô materno era da Academia Brasileira de Letras e nós éramos vizinhos de rua. Então, eu cresci na casa dele lendo centenas de livros. Um dos andares era como se fosse uma enorme biblioteca com cerca de 20 mil volumes. E eu sempre li muita poesia, porque ele achava que, quando eu era criança, a leitura em versos era mais fácil e agradável”, relembrou Lacombe que destacou como a experiência literária contribui para seu trabalho à frente das câmeras. “Eu acho que a poesia me ajuda porque ela me dá ritmo, pausas e tônicas. Em um texto de televisão, é super necessário que a gente tenha uma sonoridade agradável para evitar encontros não tão legais. Nesse sentido, o poeta, mais que o escritor, ajuda muito o jornalista de televisão”, completou.

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Por falar na profissão de jornalista de televisão, Luís Ernesto Lacombe completa em 2016 28 anos de carreira. Aos 50 anos de idade, o jornalista comemorou as transformações da profissão. Segundo ele, está bem mais fácil fazer jornalismo em tempos de tecnologia avançada. “Quando eu comecei, eu trabalhava com Telex, máquina de escrever, telefone de disco e gravador cassete. A tecnologia era quase inexistente e, por isso, nós perdíamos muito tempo para atividades simples e banais. Nós precisávamos gastar uma energia que, hoje em dia, não faria o menor sentido. Antigamente, eu tinha que pedir uma pesquisa sobre determinada pessoa e esperar por horas até conseguir centenas de xerox de material. Hoje, é só dar um Google no nome e você já tem tudo na palma da mão. A profissão era muito complicada. Hoje em dia está fácil demais trabalhar”, analisou.

Junto com as novas tecnologias, vieram as redes sociais e a instantaneidade da internet. Em relação a isso, Lacombe confessou que ainda está um pouco atrasado. “Eu sou totalmente avesso às redes sociais. Há cerca de uma semana, eu fiz uma conta no Instagram, mas nem sei mexer. Confesso que sou meio arredio. Mas para mim, o principal ponto é que as pessoas precisam entender que elas não podem acreditar em tudo o que está nas redes sociais e na internet. A checagem e a verificação da fonte continuam sendo primordiais. Eu acho que é uma ótima plataforma para quem sabe usar. O problema é que tem muita gente que acredita em qualquer besteira. Sendo jornalista, eu sei de uma condição básica: a veracidade da fonte daquela informação”, destacou.

Em 2016, Luís Ernesto Lacombe completou 28 anos como jornalista (Foto: Cristina Granato)

Em 2016, Luís Ernesto Lacombe completou 28 anos como jornalista (Foto: Cristina Granato)

Além das mudanças tecnológicas que o jornalismo sofreu com o passar dos anos, Luís Ernesto Lacombe destacou outra transformação. Na televisão, o profissional apontou que hoje os jornalistas estão muito mais preparados e especializados para o veículo. “Quando eu comecei a trabalhar com televisão, nós não tínhamos ainda turmas de profissionais especializados pela faculdade. Eram apenas os radialistas que migraram com todas as características. Então, eles tinham aquelas vozes impostadas e aparências muito formais. Na minha geração, nós continuamos sem nos expor e totalmente isentos. E, até hoje, eu continuo assim. Para mim, a informação continua sendo o principal, eu só sou um porta-voz. Eu acho que as mudanças foram positivas porque nós ficamos mais leves e com linguagem descontraída, e isso aproxima. Mas eu acho que alguns profissionais confundem e acham que o apresentador é mais importante que a informação. Só que não é assim”, argumentou.

Um exemplo desta transformação apontada por Lacombe está na possibilidade do jornalista se emocionar com uma notícia. Hoje em dia, é permitido ao profissional mostrar o seu lado humano e expor determinadas reações espontâneas. Prova disso foi a cobertura da tragédia com o avião da Chapecoense no final do mês passado. No ocorrido, inúmeros profissionais da comunicação não conseguiram disfarçar suas emoções e as explicitaram durante as transmissões. Um desses jornalistas foi Luís Ernesto Lacombe. “Para mim foi especialmente difícil. Eu perdi nove companheiros de imprensa dos 20 que morreram. Eu cheguei às 5 da manhã na Globo e soube na hora que tinham três amigos da emissora no voo. Eu sei que cada um reage de uma maneira, mas eu, em momento algum, estava conformado com as mortes e sempre tive esperança. Para mim, a qualquer hora eu ia falar que eles foram encontrados com vida. Porém, quando terminou o ‘Bom dia, Brasil’ às 10 horas, depois de estar há mais de três horas ao vivo, eu percebi que não teria mais chance e foi um momento muito complicado”, relembrou o jornalista que não acreditou que fosse passar por momentos assim cobrindo esportes.

“Eu cobri três guerras pela Globo News, estava ao vivo durante o atentado de 11 de setembro e me gabava que nada mais seria tão difícil na minha vida profissional. Mas parece que a gente nunca pode prever nada. Ainda mais hoje em dia trabalhando com esporte, em que temos um outro tipo de matéria prima, eu não imaginava que teria que falar dos meus amigos mortos na televisão. Foi muito duro”, completou o jornalista e escritor Luís Ernesto Lacombe.