Casa que teria inspirado ‘O Morro dos Ventos Uivantes’ está à venda na Inglaterra


Ponden Hall, residência senhorial em West Yorkshire com quase 500 anos de história, foi frequentada por Emily Brontë e suas irmãs no século XIX

*Por Jeff Lessa

Em curtíssimos trinta anos de vida, a inglesa Emily Brontë (1818-1848) escreveu um romance que se tornaria um clássico da literatura britânica – ou melhor, universal: “O Morro dos Ventos Uivantes” (“Wuthering Heights”). Lançado em 1847, pouco menos de um ano antes da morte da escritora, o livro conta a história do amor trágico de Catherine (“Cathy”) e Heatcliff, sentimento que nasce na infância dos dois e não termina com a morte dos protagonistas.

Essa história de tons góticos se passa entre duas grandes casas senhoriais daquelas que só a Inglaterra soube produzir em sua área rural. Casas que, de tão imponentes, mereciam nomes (tipo palácios e palacetes reais): Thrushcross Grange e Wuthering Heights, vizinhas na fria região de Yorkshire, ao Norte do país. Pois bem, nada menos que a residência que serviu de inspiração para uma das obras literárias mais importantes de todos os tempos está à venda. Chama-se Ponden Hall, começou a ser construída há cerca de 500 anos e fica em West Yorkshire. Melhor: sua imensa biblioteca era frequentada assiduamente pelas irmãs Brontë (além de Emily, Charlotte e Anne, igualmente escritoras).

Emily Brontë lançou sua obra-prima em 1847 e morreu um ano depois, aos 30 anos

Por décadas e décadas, os estudiosos da obra da Miss Brontë mais famosa tentaram descobrir que lugar teria servido de inspiração para o cenário do livro, já que sua descrição da arquitetura é minuciosa. Ponden Hall corresponde perfeitamente ao que se vê em Wuthering Heights. Sobre sua porta principal, uma placa celebra a “grande reforma de 1801” – o ano em que a saga de Cathy e Heatcliff começa.

O casal que está vendendo a construção histórica vive em Ponden Hall desde 1998, quando transformou o local em um premiadíssimo bed-and-breakfast. Steve Brown, o proprietário, conta que ele e sua mulher descobriram a preciosidade por acaso e que não sabiam que estava à venda na época. Também não tinham noção de sua importância histórica. “A gente ficou impressionado com a escala da residência e sua imponência”, diz. “Lamentamos o fato de casas como essas jamais serem postas no mercado e seguimos com a nossa caminhada”.

Deste ângulo, percebe-se que Ponden Hall resultou da junção de várias construções pré-existentes

Poucos dias depois, um amigo ligou para contar a Steve e a sua mulher, Julie Akhurst, que uma casa intimamente ligada às irmãs Brontë estava à venda. “Marcamos uma visita sem a menor intenção de comprar, mas ficamos espantados quando nos vimos diante da construção que tinha nos impressionado tanto poucos dias antes”, conta Steve. O casal que havia posto Ponden Hall à venda morava lá desde 1975 comandando um hostel no local. Nove meses depois, Steve e Julie estavam de mudança.

A história de Ponden Hall começa há cerca de 500 anos, quando as terras pertenciam à rica e poderosa família Heaton. Junto com a residência – que não chegava sequer perto do que é hoje – havia terras sem fim com casas alugadas a vassalos, um moinho de milho, uma cervejaria, duas pedreiras e um moinho para fabricação de tecidos. A parte mais antiga da residência é de 1541 e foi incorporada a uma estrutura maior em 1634. A reforma de 1801 reuniu as construções da família em um único edifício. “Uma casa senhorial compatível com o status deles”, explica Brown.

 O cinema dos ventos uivantes

Quando foi lançado, “O Morro dos Ventos uivantes” causou escândalo na sociedade inglesa. Afinal, como aquela jovem escritora ousava apresentar o romance entre um homem e uma mulher de classes sociais tão diferentes? E como podia escrever sobre o amor de pessoas de caráter tão duvidoso? (Cathy e Heatcliff não são nem de longe um casal que a gente chamaria de fofo.) E, blasfêmia maior!, um casal inter-racial!!! (Heatcliff era cigano, lembra?)

Cena de “O Morro dos Ventos Uivantes”, de 1920, primeira adaptação para o cinema

Pois foi exatamente por essas características únicas (e não apesar delas) que o romance sobreviveu até hoje e ainda encanta jovens de todo o mundo. No cinema, as adaptações começaram em 1920. Infelizmente, da primeira versão, inglesa, não resta uma cópia sequer. Felizmente ainda há fotos para contar a história.

Em 1939, Merle Oberon e Sir Laurence Olivier estrelaram uma das versões mais conhecidas e queridas dos cinéfilos. Na época não foi um grande sucesso, mas ficou para sempre como ‘A’ adaptação do livro para a telona, apesar de mostrar só 16 dos 34 capítulos do livro.

Em 1953, Luís Buñuel dirigiu a versão mexicana do romance. Os nomes de Cathy e Heatcliff foram trocados para Catalina e Alejandro, mas a história permaneceu fiel ao livro. No Brasil, a versão para a TV surgiu em 1967 na Excelsior, com Altair Lima e Irina Grecco nos papéis principais. Em 2011, a cineasta Andrea Arnold procurou um ator de ascendência cigana para viver Heatcliff. A comunidade cigana, porém, não gostou muito da ideia e a diretora acabou abrindo uma seleção para atores entre 16 e 21 anos de qualquer raça na qual James Howson foi o escolhido. O papel de Cathy ficou com Abbie Cornish.

Até o momento foram feitas 13 adaptações do romance para o cinema. Alguém acha que já chega?

Os ventos uivantes e a música pop

Em 1978, 130 anos depois da morte de Emily Brontë, a cantora, compositora e bailarina inglesa Kate Bush lançou seu primeiro álbum, “The Kick Inside”. A última faixa do lado A (coisas da era do vinil…) chamava-se… “Wuthering Heights” e retratava uma cena do livro, em que Cathy, morta, pede a Heatcliff que a deixe entrar em casa.

A cantora, compositora e bailarina Kate Bush na época do lançamento de Wuthering Heights

A cantora, compositora e bailarina Kate Bush na época do lançamento de Wuthering Heights

A canção estourou e, de lá para cá, jamais deixou de tocar em rádios, trilhas sonoras, festas. O mundo inteiro conhece a voz de falsete de Kate clamando “Heatcliff, it’s me, I’m Cathy, I’ve come home, let me in your window”.

Uma das mais recentes homenagens à canção que completou 40 anos em 2018 é o chamado “The most Wuthering Heights Day Ever”. Fãs da cantora se reúnem em um lugar público de alguma cidade e recriam a coreografia criada por ela para a música. De qualquer jeito, o importante é brincar. Assista à performance dos “bailarinos” em Berlin no ano passado: