Desde muito cedo, eu gostava de histórias, tanto as que eu acompanhava nas novelas, hábito que herdei da minha mãe, dona Maria Ana, quanto as que eu lia nos livros. Apesar de ter aberto mão dos estudos cedo para trabalhar, minha mãe fez questão de me apresentar à magia da leitura e a importância de estudar. Sempre esteve muito nítido na minha cabeça que o único jeito de mudar a minha realidade seria estudando. Outro aprendizado que a minha mais velha sabiamente fez questão de me ensinar. Preciso reforçar quanta sabedoria tantas mães sem diploma de nível superior, algumas semianalfabetas, são capazes de passar. Amor e vivências também são excelentes faculdades.
Mas, voltando ao que viemos, livros eram a minha paixão. Adorava ficar na biblioteca do colégio onde minha mãe trabalhava como merendeira, lendo, enquanto aguardava o horário dela sair. Fiquei tanto tempo por lá que ganhei uma carteirinha de frequentadora. Já naquela época, eu dizia para a minha mãe que um dia, eu ia escrever um livro. E este dia chegou. Este mês, lancei o livro ‘Nós por Nós‘, pela Editora Conquista. Um trabalho que divido com mais 23 coautoras pretas, no qual apresentamos narrativas que buscam gerar resistência ao racismo por meio do autocuidado e autoconhecimento.
‘Nós por Nós’ é uma obra que reverbera potentes vozes negras e proporciona uma reflexão sobre os atravessamentos que mais de 500 anos de racismo, das mais variadas formas, geraram em nós, e maneiras de enfrentar o sistema e debater as questões raciais de forma saudável.
Com diferentes relatos, conseguimos diversificar o discurso que vai desde a representatividade afirmativa na construção de ser negro, passando pela importância do senso coletivo, o teatro como senso de luta e a importância da psicologia preta. A mim, coube escrever sobre a presença preta na comunicação.
Ser uma jornalista que trabalhou grande parte da carreira no ramo de moda, beleza e entretenimento, me fez por muitas vezes ser a única negra em eventos e em algumas redações. E foi só com o tempo que eu entendi o significado que a minha presença tinha naqueles locais e como isso afetaria as gerações futuras.
Não é de hoje que eu questiono a ausência de jornalistas negros ocupando cargos de protagonismo no ambiente midiático. Essa invisibilização nunca foi natural aos meus olhos. Ao fazer a pesquisa para o meu artigo do livro, me deparei com este dado: a revista Vaidapé, em 2017, apontou que apenas 3,7% dos apresentadores dos programas de TV são negros. Como driblar o sistema que por anos perpetuou um padrão como o belo, o certo, o desejado e abrir espaço para nós?
Eu decidi lutar de dentro. Primeiramente como repórter trazendo as mais variadas pautas pretas para as manchetes. E entenda, não estou falando de pautas que envolvam apenas racismo, somos mais do que isso. Produzimos diversos conteúdos que merecem ser vistos. Outra forma de dar holofote à causa foi fundando a CL Assessoria, espaço onde divulgo afroempreendedores, em sua maioria, por um valor acessível.
Hoje, dois anos depois do surgimento da CL Assessoria, sinto como se tivesse descoberto a fórmula para exercer jornalismo da maneira que eu sempre sonhei: ouvindo e contando boas histórias, me emocionando e gerando reflexão. E é sobre isso que também se trata o livro ‘Nós por Nós‘. Muitas mulheres, muitas vivências, muitas inquietações e um objetivo: ressignificar nossas identidades e reposicionar nossos papéis na sociedade, para a manutenção do nosso equilíbrio físico, mental e emocional, nosso e da nossa comunidade.
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