Candice Feio: jornalista, que vive em NY, lança livro ‘Asfixia’ sobre pandemia e protestos antirracistas


Jornalista da Globo e da GloboNews lança ‘Asfixia’ com registros e impressões dos eventos que marcaram 2020. Morando há oito anos em Nova York, Candice lamenta que o Brasil esteja vivendo uma crise tão grande e a escassez de vacinas, e fala da vontade de um dia voltar ao país. Ela também revela como tem feito para ver sua namorada, a também jornalista Monica Barbosa, já que os Estados Unidos mantém a restrição de entrada no país para passageiros vindos do Brasil. “Antes da pandemia era mais fácil. Mas nos falamos o tempo todo, trocamos mensagens, fazemos vídeos. E agora, criamos alternativas. O México virou nossa segunda casa. Nosso ponto de encontro”

*Por Brunna Condini

A jornalista Candice Carvalho Feio esteve no ‘olho do furacão’ de dois eventos recentes que ficarão marcados na história: a explosão da pandemia do novo coronavírus em Nova York, no ano passado, e os protestos antirracistas, após o assassinato de George Floyd, em maio de 2020 na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos, asfixiado pelo policial Derek Chauvin, declarado culpado pela morte de Floyd em abril deste ano. Candice ficou tão impactada por tudo que viu e viveu, que oferece seu olhar deste recorte na obra ‘Asfixia’, lançado pela Fotô Editorial. “O livro nasceu também do desejo de sair do papel só de jornalista, de relatar, e ir para um lugar mais humano, de poder dividir o que eu estava vivendo e sentindo naquele momento. Com os protestos foi igual e quis chamar atenção para aquilo de uma forma que não fosse somente a jornalística. Era a Candice acompanhando aquele movimento diariamente, de dentro”, relembra.

“O livro nasceu também do desejo de sair do papel só de jornalista, de relatar, e ir para um lugar mais humano, de poder dividir o que eu estava vivendo e sentindo" (Reprodução)

“O livro nasceu também do desejo de sair do papel só de jornalista, de relatar, e ir para um lugar mais humano, de poder dividir o que eu estava vivendo e sentindo” (Reprodução)

Com textos e fotografias de Candice feitas em sua maioria com um celular – “para dar agilidade e não criar distanciamento” – , a obra captura o leitor para dentro da cobertura da jornalista para a Globonews e TV Globo, principalmente quando falamos dos protestos que uniram uma diversidade de pessoas na cidade que ainda precisa encarar de frente o racismo estrutural. “No jornalismo existe dois lados para tudo, mas para assuntos de Direitos Humanos não têm dois lados. Racismo não tem dois lados. Então, não tinha porque me colocar separada dos manifestantes, dado que essa é uma causa, que eu, do meu lugar de privilégio branco, me sinto engajada e quero cada vez mais da maneira como me cabe”, afirma.

Manifestantes e policiais se emocionam em protesto antirracismo, após a morte de George Floyd, nos Estados Unidos (Foto: Candice Feio)

Manifestantes e policiais se emocionam em protesto antirracismo, após a morte de George Floyd, nos Estados Unidos (Foto: Candice Feio)

“Não tinha como ficar à parte da energia dos protestos. Foi a cidade inteira. Era todo tipo de gente, pais com filhos e cachorro. Claro que aconteceram episódios de revolta social e depredação na Quinta Avenida, por exemplo, nas lojas chiquérrimas, mas também tinham famílias nos protestos, o cidadão comum. O que aconteceu foi a união das pessoas em um momento em que a pandemia tinha deixado todo mundo isolado, acho que isso contribuiu também. Tanto que foram os maiores protestos antirracismo e luta pelos direitos civis desde a década de 1960, nos Estados Unidos. Era uma dor e uma revolta muito grandes. E à medida que os dias foram passando, esse sentimento foi se transformando em esperança e união. Foi muito bonito, contagiante, comovente. Quando você se sente tocada por algo, quer dividir. Eu olhava para aquilo tudo e pensava que as pessoas tinham que sentir o que eu estava sentindo. Não era suficiente o meu trabalho jornalístico e isso fortaleceu o propósito do livro”.

Candice em ação: "Quando você se sente tocada por algo, quer dividir. Eu olhava para aquilo tudo e pensava que as pessoas tinham que sentir o que eu estava sentindo. Não era suficiente o meu trabalho jornalístico e isso fortaleceu o propósito do livro” (Foto: Vanessa Carvalho)

Candice em ação: “Quando você se sente tocada por algo, quer dividir. Não era suficiente o meu trabalho jornalístico e isso fortaleceu o propósito do livro” (Foto: Vanessa Carvalho)

O prefácio é de Caetano Veloso, “porque tem tudo a ver com o livro. Pela defesa que sempre fez pelas mobilizações populares, além de ter sido uma voz muito atuante  na pandemia”. O livro também traz o contexto caótico em que Nova York mergulhou sendo o terceiro epicentro em que a pandemia da Covid-19 eclodiu. “O coronavírus surgiu em 2019 na cidade de Wuhan, na China. Depois começou na Itália e Nova York foi o terceiro epicentro. Lembro que era 23 de março de 2020 e a cidade tinha entrado em quarentena oficial, as ruas estavam vazias, algo surreal em se tratando de Nova York”, descreve Candice.

“A pandemia ainda é assustadora, mas muitas informações que sabemos hoje, não tínhamos à época. Eu vivi isso tudo como jornalista e como moradora. Tudo estava caótico. Uma das cidades mais ricas dos Estados Unidos e os hospitais não tinham espaços para os corpos das pessoas que morriam pelo vírus. As ruas ficavam cheias de caminhões necrotério. O nome do livro faz essa alusão: das pessoas nos hospitais não conseguindo respirar, algo vital. E, ao mesmo tempo, o episódio com o George Floyd que morreu violentamente asfixiado”.

O metrô em uma das fotos do livro: a cidade tinha entrado em quarentena oficial, as ruas estavam vazias, algo surreal em se tratando de Nova Iorque” (Foto: Candice Feio)

O metrô em uma das fotos do livro: a cidade tinha entrado em quarentena oficial, as ruas estavam vazias, algo surreal em se tratando de Nova Iorque” (Foto: Candice Feio)

Longe da vista, mas perto do coração

Aos 36 anos e com 12 de jornalismo, a gaúcha de Porto Alegre recorda sua ida para a metrópole. “Vim para cá estudar Relações Internacionais, ia ficar seis meses. Por indicação de amigos, tentei um estágio no escritório da Globo e tive sorte. Inicialmente seriam três meses de estágio, mas não quis mais voltar, só que não tinha vaga. Consegui ficar fazendo freelas. Dois meses depois, pintou uma vaga na Globonews”, conta, acrescentando: “Moro no Harlem. Divido apartamento com uma amiga. Minha namorada mora no Rio de Janeiro, então é um relacionamento à longa distância. Com a pandemia está mais complicado da gente se ver, mas temos driblado bem”.

E não pinta saudade do Brasil? “Saudade é algo que já me acostumei. A vida inteira tive saudade das pessoas que amo. Meu pai já faleceu, mas era piloto da Varig, passou a vida viajando. Morei fora quando adolescente e conheci vários lugares, muito pela profissão dele. Então, sempre entendi que estar perto não é necessariamente estar fisicamente. Sempre tive uma relação com as pessoas de afeto, amor, proximidade, mesmo na distância. Amo o Brasil, penso em voltar um dia. Morar no Rio de Janeiro, mas agora não é o momento”.

A saudade é uma coisa ótima. Imagina que horror não ter motivo para ter saudade das pessoas? (risos). Amo o Brasil, penso em voltar um dia. Morar no Rio de Janeiro, mas agora não é o momento” (Divulgação)

A saudade é uma coisa ótima. Imagina que horror não ter motivo para ter saudade das pessoas? (risos). Amo o Brasil, penso em voltar um dia. Morar no Rio de Janeiro, mas agora não é o momento” (Divulgação)

Morando nos Estados Unidos há oito anos, Candice fala da vida por lá. “Minha rotina muda bastante. Depende da época, da notícia. Sobre a pandemia, o cenário está um pouco melhor com a vacina. Me vacinei em 10 de abril. Quase a metade da população do país inteiro já tomou a primeira dose. Vacinação ampla e aí no Brasil essa escassez. A mudança de presidente no Estados Unidos foi fundamental para esse enfrentamento (Joe Biden assumiu em janeiro de 2021). A pessoa que sair do seu posicionamento político, seja ele de esquerda ou direita, vai admitir que é inegável que o governo negacionista gerou mortes e caos no país. Já um governo que segue a ciência, as autoridades de saúde, gera o resultado mais importante, que é salvar vidas”, analisa.

Sobre a realidade brasileira diante de políticas públicas para encarar a pandemia, que tem sido avassaladora por aqui, ela observa: “O Brasil estaria em crise, porque o mundo todo está crise, mas é inegável, que essa crise profunda, onde mais da metade da população brasileira não sabe se vai ter comida na mesa no dia seguinte, se deve por opção das pessoas que estão em lugares de tomar decisões. O fato de termos um governo que negou a gravidade da pandemia desde o início, a falta de consciência de um líder em entender que o que ele fala tem influência e está causando a morte de pessoas, é terrível. O mundo inteiro está seguindo orientações e números e vem avançando no combate ao vírus. O Brasil está indo ladeira abaixo e é o único país que segue o ‘achismo’ de um líder que não é médico, cientista. É muito triste o que está acontecendo no Brasil. Eu tenho medo diariamente pela minha família e meus amigos”.

Candice fala sobre a realidade do Brasil: No Brasil se precisa do básico, o direito de viver” (Divulgação)

Candice fala sobre a realidade do Brasil: No Brasil se precisa do básico, o direito de viver” (Divulgação)

Se tivesse que carregar um cartaz em protesto, como vemos nas imagens de seu livro, diante do que acontece no Brasil, o que estaria escrito? “Escreveria ‘Vidas importam’. Porque o que estamos vendo no Brasil é um descaso absurdo com a vida. E uma falta de compaixão neste governo de não se solidarizarem com as mortes. De não dar uma palavra de conforto, não que adiante algo, mas vejo um distanciamento inexplicável. No Brasil se precisa do básico, o direito de viver”.

Amor à distância

Namorando a editora da mesma emissora, Monica Barbosa, há dois anos, Candice revela que os quilômetros que as separam fisicamente são uma realidade desde o princípio. “Começamos a namorar à distância. Quando a gente se conheceu eu já morava aqui e ela no Rio”, lembra. “E ela já morou em Nova Iorque, olha que engraçado. No ano que cheguei aqui, ela voltou para o Brasil e não nos conhecemos. Então, já começamos a nos relacionar com a distância no meio, acho que isso ajuda, porque nunca tivemos essa oportunidade de estar juntas todo dia”.

Candice e Mônica: "Com a pandemia, criamos alternativas. O México virou nossa segunda casa (risos). Nosso ponto de encontro" (Reprodução)

Candice e Mônica: “Com a pandemia, criamos alternativas. O México virou nossa segunda casa (risos). Nosso ponto de encontro” (Reprodução)

Candice conta como elas têm feito para se encontrarem, já que por estratégia de combate ao coronavírus, os Estados Unidos mantém a restrição de entrada no país para passageiros vindos do Brasil. “Antes da pandemia era mais fácil. Mas nos falamos o tempo todo, trocamos mensagens, fazemos vídeos. E, agora, criamos alternativas. O México virou nossa segunda casa. Nosso ponto de encontro. Porque ela não consegue entrar agora nos Estados Unidos. Te digo que sei tudo do México, posso até indicar lugares para passeios. É um pais incrível. As pessoas geralmente vão para Cancún, Tulum, para a Costa Leste. Mas a Costa Oeste do México é muito mais interessante. É lindo, exótico”.