A primeira sala do Instituto Moreira Salles – pontapé inicial da exposição “A câmera inquieta de Otto Stupakoff” – estava diferente nessa quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017 por volta das 19h. Entre jovens aspirantes a fotógrafos, amantes da arte e curiosos, o espaço estava completamente ocupado. Seja nos bancos que a organização providenciou, encostados na parede ou sentados no chão no pequeno espaço que restou ao lado da icônica poltrona mole desenhada por Sérgio Rodrigues – mas não encoste por favor – todos se acomodaram para ouvir uma conversa bem informal entre o fotógrafo Bob Wolfenson, o antropólogo visual Milton Guran e o curador Sergio Burgi sobre a vida e a obra do grande nome do mundo das lentes Otto Stupakoff.
Wolfenson, fotógrafo brasileiro com grande carreira e reconhecido em todos os maiores gêneros da arte da imagem, assina a curadoria da exposição ao lado de Burgi, o curador e coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles. Já o antropólogo visual Milton Guran topou participar desse bate papo pelo amor à fotografia e admiração ao homenageado. Todos estavam em um clima alegre, descontraído e tranquilos por estarem ali. Não havia pressa no falar, não havia cuidados maiores em impressionar pelo saber e muito menos uma batalha de ego como é comum vermos em tantos outros encontros intelectuais. Os três tinham plena consciência de que a noite era de celebrar a memória de Otto.
A exposição teve seu início no dia 16 de dezembro de 2016 e perpassa por toda a vida e obra de Stupakoff. A partir das imagens expostas, é possível montar mentalmente todo o storyline e passear pelos olhos do próprio Otto através de momentos icônicos da sua vida, começando por fotografias famosas e importantes até alguns registros de momentos pessoais e familiares que ele talvez nunca imaginasse que fossem parar em uma parede exposta ao público. Guran começou o bate papo questionando os curadores sobre como eles conseguiram descobrir e organizar esse Otto que pode ser conhecido no Instituto Moreira Salles.
A questão surge porque a exposição vai além do Otto Stupakoff já conhecido pelo grande público. É possível ver o Otto que provocou a poltrona mole de Sérgio Rodrigues ao pedir para ele desenhar um sofá para seu estúdio. Assim como o Otto que realizava trabalho com colagens também pode ser encontrado nas paredes do IMS. Da mesma forma, é possível ver o Otto que escrevia e é capaz de botar em palavras toda a sensibilidade que já passava através das suas lentes. A resposta da Wolfenson é longa, discorre por todo o processo de formação e montagem da exposição, mas termina com a certeza de que ele também só percebeu a dimensão de Stupakoff quando tudo estava exposto.
Passando pelos detalhes da vida pessoal de Otto Stupakoff, eles comentam o fato do fotógrafo ter largado um casamento com quatro filhos – sendo uma delas recém-nascida – e um apartamento em construção com projeto de Marcos Vasconcelos para seguir sua vida em Nova York. Que força é essa que move esse homem a ter essa ruptura? Guran responde o que ele acha ser a característica íntegra de Stupakoff da busca pela beleza. Essa busca que se repetia até em sua vida pessoal, com as suas companheiras e esposas. Ele permaneceu nessa busca durante toda a sua carreira e trajetória. Talvez por isso a vida de Otto não seja uma eterna ascensão e tenho momentos de declínio: por ele ter se mantido íntegro ao seus objetivos.
“Talvez isso tenha a ver com integridade. Ela tem a ver com conexões estáveis de diferentes situações da gente. Ai você pensa que força move a montanha? Ninguém começa um empreendimento com um arquiteto de grife para largar no meio, muito menos um casamento com quatro filhos. Essa inteireza atravessa a disposição interna que é o que essa exposição mostra”, comenta Guran impressionado, dizendo que foi apresentado a esse Otto observando as fotografias na parede.
Na sala dos azulejos, pode ser encontrada uma série de fotografias de uma ex-namorada de Los Angeles que Stupakoff doou para o MoMa (Museum of Modern Arts) e só foi descoberta quando o curador Sergio Burgi entrou em contato quando estava organizando essa exposição: “Ele pega esse ensaio e trabalha com uma série de cartões desenhados por Charles Eames chamado ‘House of Cards’. Ele faz o ensaio inteiro montado com os cartões desenhados por Charles Eames e também com intervenções, textos, pintura e colagem. Essa é a obra que ele doa ao MoMa, que é para ser montada, interpretada. Elas são numeradas” explica Burgi.
“Não sei se alguém aqui teve a oportunidade de conhecer o Otto pessoalmente, mas ele era um sedutor, um charme em pessoa. Ele conseguia tudo o que queria de todos. Sobre o Otto pairava uma coisa que ninguém tinha chegado nas profundezas”, comenta Wolfenson. Bob foi inspirado por Stupakoff desde o início da sua carreira, quando em Nova York, ligou para o ídolo para tentar ser seu assistente, mas foi rejeitado. Anos depois, eles se encontram e Bob comenta com Otto sobre essa sua tentativa. O veterano respondeu simplesmente: “Puxa, eu perdi um ótimo assistente.”
Ao fim da conversa, os três decidem dar uma volta junto com todos que os acompanhavam para observar algumas gravuras. Milton Guran sugere de primeira as imagens da família, pelas quais ele demonstra extremo fascínio. Wolfenson destaca a intimidade presente naquelas fotografias. Eles comentam sobre a capacidade de Otto de produzir fotografias amplamente estéticas até nesses momentos familiares e o fato de o digital não ter a mesma capacidade do analógico. Eles classificam a exposição como homenagem a toda a fotografia analógica.
Os três olham para as imagens da família e enquanto contemplam, discutem como é possível por essas fotos olhar através dos olhos de Otto. É possível ver a vida dele através do seu próprio olhar. Tudo isso compõe “A câmera inquieta de Stupakoff” e a sua busca pela beleza. A mensagem que fica não só para todos os fotógrafos, mas para todos os artistas é que vale a pena manter-se íntegro a sua busca pela sua própria estética.
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