Berna Reale: entre a perícia criminal e performances que refletem momento sociopolítico. Vem saber sobre a artista!


Um dos grandes nomes da arte brasileira, a paraense conversou com o site Heloisa Tolipan sobre as doenças da humanidade, a dualidade entre a riqueza e a miséria no Brasil e como conquistou o mundo com a sua criatividade. “A arte e a filosofia proporcionam reflexão. Por isso são capazes de fazer o ser humano pensar sobre a sociedade e tentar transformá-la em uma realidade melhor”, pontua

Performance ‘Cantando na chuva’, 2014: A dualidade de um Brasil entre a riqueza e a pobreza” (Foto: reprodução)

*Por Rafael Moura

Éééégua! O site Heloisa Tolipan teve o prazer de conversar com um dos maiores nomes da arte brasileira, a paraense Berna Reale, mas antes de  apresentar essa mulher fabulosa que se divide entre o trabalho de perita criminal e referência quando se fala em performances, a gente explicar o significado de enfatizar o ‘égua’. A expressão muito usada no Pará pode traduzir admiração, surpresa, felicidade, espanto, raiva… tudo dependendo da entonação com que é dita. Nascida em 1965, Berna ingressou no universo das artes como ceramista, criando instalações e objetos de decoração. Um convite para realizar uma instalação no Mercado Municipal de Carnes de Belém foi a oportunidade para mudar o foco de suas obras. Na ocasião, colocou fotografias de vísceras humanas obtidas a partir de cadáveres do Instituto Médico Legal (IML) dentro dos boxes de venda de carnes.”Eu queria provocar a reflexão do mercado como um grande estômago do ser humano, onde se convive com a fatura e com a miséria”, revela.

Em suas criações, Berna Reale pensa sempre três pilares: a referência à violência, o corpo como ferramenta e o espaço como parte da obra. Por isso, ela não faz apresentações ao vivo dentro de museus ou galerias fechadas. “As pessoas têm uma ideia muito errada do que é fazer uma performance. O trabalho que eu faço parte da rua, da cidade, onde as pessoas comuns estão no dia a dia”, comenta, acrescentando: “Todo artista que vive no seu tempo procura fazer um trabalho que tenha um alcance social e que as pessoas reflitam sobre o momento que elas vivem”.

Formada em artes pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Berna faz jornada dupla: como artista, representada pela galeria Nara Roesler, e como perita criminal há quase 10 anos, atuando no Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, em Belém. Uma mulher nascida e criada no Norte do Brasil, que começou a moldar sua carreira nas artes plásticas depois dos 30 anos, ganhando a vida como servidora pública, acostumada com a dureza do trabalho como perita criminal. A trajetória de Berna mergulha em um infinito muito particular, cheio de plot twists e experiências.

A primeira das performances, ‘Quando todos calam’, 2009, resultou numa foto icônica da artista deitada nua em uma cama branca, coberta de vísceras (de gado) e rodeada por urubus. O Mercado Ver-o-Peso serve de pano de fundo. Um cenário bem marcante em sua carreira. “Foi ali que comecei a ter esse gostinho de querer ocupar a cidade”, conta.

A primeira performance de Berna Reale ‘Quando todos calam’ no Mercado Ver-o-Peso, Belém (Imagem: reprodução)

Em 2014, Berna deu muito o que falar ao encarnar Gene Kelly e apresentar sua versão do clássico ‘Singing in the Rain‘, de 1952. Reale estendeu o tapete vermelho no Lixão do Aruá, na capital paraense, e munida de seu um figurino dourado com direito a terno, gravata, sapato Oxford, guarda-chuva e máscara de gás protagonizou a icônica cena do filme. “É o poder desfilando. A riqueza e a miséria de um país de contrastes”, enfatiza.

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Confira abaixo o nosso papo com a artista:

Heloisa Tolipan – Como a Berna se descobriu artista?

Berna Reale – Penso que foi uma construção gradual, no início da faculdade de artes. Na realidade, eu não sabia realmente o que queria fazer. A certeza eu tive quando participei de uma oficina de arte em uma fundação para menores carentes.

HT – Como o Pará influência em suas criações e na construção de mensagens?

BR – Eu não sou uma artista que trabalho com questões regionalistas, mas o fato de ter nascido aqui me fez criar resistência para enfrentar problemas. O Norte do Brasil é um lugar esquecido, sem muito acesso e com pouquíssimo incentivo à arte. Temos que ter muita garra para continuar fazendo arte aqui e dar acesso à nossa sociedade.

HT – Você utiliza o corpo como instrumento para criar performances. Como essas narrativas influenciam na quebra e ruptura dos ‘padrões’?

BR – Performance é uma expressão já utilizada por muitos artistas de gerações anteriores à minha. O Grupo Fluxus, fundador desse movimento, tem sua origem na Alemanha há mais de 50 anos. O meu corpo é a forma que encontrei como parte da composição de um trabalho que reflete meu olhar para uma realidade.

Berna Reale na performance Soledade, 2013 (Foto: Janduari Simões)

HT – Você já exibiu suas criações em diferentes partes do mundo. Qual a diferença de apresentar sua arte no Brasil e no exterior?

BR – Aqui é minha casa, algumas pessoas já conhecem meu trabalho. Nos diversos países onde estive senti a conquista de outros olhares. Foi como alçar voo.

HT – Você acredita que os artistas brasileiros ainda precisam dessa ‘chancela’ internacional para serem valorizados?

BR – Penso que muitos artistas querem ver seus trabalhos ultrapassando fronteiras. Rompendo as barreiras da sua língua e cultura.

A obra ‘Os Jardins Pensus da América’, de 2012, de Berna Reale (foto: reprodução)

HT – Na sua visão, qual a importância da arte na construção de uma sociedade?

BR – A arte e a filosofia  proporcionam reflexão. Por isso são capazes de fazer o ser humano pensar sobre a sociedade e tentar transformá-la para uma realidade melhor.

HT – O que podemos esperar de Berna Reale?

BR – Quero estudar e preciso estudar. Me recolher à minha insignificância de um ser ignorante em tantas coisas e tentar aprender sempre.