*por Luísa Giraldo
Além de psiquiatra e psicoterapeuta, Natalia Timerman é escritora de uma impactante obra feminina contemporânea: “Copo Vazio”, publicada em 2021. Com maestria e sensibilidade, a narrativa aprofunda as dores e traumas do abandono amoroso para uma mulher. Natalia se propôs a mergulhar em assuntos ainda mais complexos em “As Pequenas Chances”, um best seller. Luto feminino, a busca pela ancestralidade e a solidão da mulher adulta são algumas das temáticas trabalhadas pela autora. Em conversa exclusiva ao site Heloisa Tolipan, ela revela que escreveu a obra como forma de lidar com a perda do próprio pai, Artur Timerman, e reflete sobre as raízes judaicas familiares.
Natalia relembra que havia ganhado uma bolsa para participar de uma residência literária quando o pai dela morreu em 2019. “Tinha um projeto específico, mas o meu pai morreu e percebi que não conseguia escrever sobre outra coisa. Então, mudei esse projeto. A maioria de ‘As Pequenas Chances‘ foi escrita muito pouco tempo depois da morte do meu pai: em três meses. O livro foi se transformando muito conforme a escrita e, também, conforme a passagem do tempo”, descreve.
A escritora disse que seu processo de escrita se deu “em um todo”, além de ter feito com que ela exercitasse a paciência de permitir que o livro se desenvolvesse aos poucos. Ao mencionar a sensação de “total impotência” causada pelo luto, Natalia pontua que a escrita “a mobiliza e movimenta”, elementos essenciais no momento do entendimento e da superação das dores do falecimento do pai.
A escritora declara, por outro lado, que “As Pequenas Chances” é sua obra “mais declaradamente ficcional e, ao mesmo tempo, mais autobiográfica”.
O livro tem muito pouca coisa da minha experiência clínica, já que ele foi escrito em um lugar de muita falta e dúvida. ‘As Pequenas Chances‘ pergunta sobre o que é o luto, o que é a falta e o que se fazer [em situações do tipo]. Ele enfrenta a perplexidade diante da morte. Agora, ‘Copo Vazio’ é uma mistura das coisas que eu vi no consultório, com coisas que inventei e vivi. Acredito que a Natalia psiquiatra que faz surgir a Natalia escritora – Natalia Timerman
“A minha relação com meu pai era muito boa na maior parte das vezes. Por isso, me sinto muito autorizada por ele para escrever. Foi a partir da falta dessa relação que escrevi. Até hoje, em alguns momentos, me dá uma saudade e uma vontade de conversar com ele, que era uma figura de segurança mesmo. O livro é sobre a perda, mas também sobre a existência e a vida dele, sobre a simplicidade”.
Ancestralidade judaica
Homônima ao nome da autora, a protagonista Natalia mergulha em um resgate cultural da cultura judaica. Ela lembra que, em sua familia, “todos são judeus”. Em consonância, a psiquiatra identifica que um dos principais assuntos abordados em “As Pequenas Chances” é justamente esse: o culto e a descoberta da ancestralidade.
“Esse livro tem muitas histórias dentro dele. Acredito que a principal é sobre a morte de um pai. E tudo que circunda ela, como os cuidados paliativos da vivência no hospital e a dinâmica familiar diante do adoecimento de alguém. Mas também é sobre o nascimento de um interesse pela história, o que faz com que a personagem coincida com o meu nome”.
Segundo Natalia, o interesse da protagonista nasce assim que ela constata que não tem mais para quem perguntar sobre sua origem familiar. Este é um tópico que interesse e toca profundamente a autora.
Ela abre o coração sobre a própria história familiar. “A gente não tem acesso ao nosso passado. E ele não começa no dia que a gente nasce, mas começa muito antes. É toda uma questão das pessoas que vieram antes, da ancestralidade. A minha família veio do Leste europeu, da Ucrânia, da Lituânia e da Moldávia. A personagem vai atrás dessas raízes, como uma tentativa de se entender depois que esse pai se vai. É uma tentativa de juntar futuro e passado em direção ao futuro mais bonito do passado”.
“No final do livro, há uma cena muito simbólica de uma discussão com relação ao nome das mulheres, que é apagado no casamento. A personagem descobre sobrenomes que não sabia que tinha, então é quase como se, ao cadastrar o nome, ela descobrisse as duas avós que perderam os nomes de solteira quando se casaram. É como se ela descobrisse mais um galho e um entrocamento da árvore genealógica. Também é um indício dos apagamentos, principalmente da história das mulheres. O livro termina fazendo uma ligação entre futuro e passado”, atesta.
Sinopse de “As Pequenas Chances”
A autora Natalia Timerman está determinada a fazer com que sua nova obra, “As Pequenas Chances”, tenha o mesmo sucesso do aclamado livro “Copo Vazio”. Esta é a sinopse do livro.
“Enquanto aguarda um voo, Natalia encontra o médico de cuidados paliativos que atendeu seu pai Artur. A conversa desperta nela toda a experiência da perda, ainda próxima e repleta de cicatrizes. E é a memória dos meses e dias finais do pai da narradora que compõe a base deste romance de extraordinária beleza, uma indagação cortante sobre família, lembrança, judaísmo, vida e morte. Artur era médico, então a notícia de que o câncer havia retornado vem seguida da certeza da finitude ― não há meias-palavras ou possibilidade de esperança. Assim, a morte vira um assunto de família, e acompanhamos não apenas o declínio físico de Artur, mas seus efeitos na vida dos filhos, da esposa e dos netos, narrados com rara delicadeza. Conforme a doença avança, cada momento ganha contornos definitivos: a última viagem, a última gargalhada, a última ida ao teatro. Se o fim é inevitável, à narradora cabe reconstruir todo esse caminho que, embora dramático, vem carregado de ternura. Em meio à tristeza, a autora traz à luz os pequenos gestos, os acontecimentos insignificantes que, vistos pela lente do tempo, formam um retrato belo e doloroso da relação de uma filha com o pai. Natalia Timerman segue, à sua maneira, a trilha de autores como Karl Ove Knausgård e Annie Ernaux ao criar um poderoso retrato do luto e do amor”.
Sinopse de “Copo Vazio”
Atualmente, “Copo Vazio” está no ranking dos livros mais vendidos da Amazon Brasil. Durante a entrevista, a autora frisou estar em um esforço de desviar as atenções e louros de sua obra prima ao pedir que o assunto principal da matéria fosse “As Pequenas Chances”. Mas, é inevitável, pois é sucesso literário.
“Mulheres abandonadas. Desde sempre, a literatura é permeada de histórias trágicas de figuras fascinantes, como Medéia e Dido, que se desfazem diante do abandono masculino. Emma Bovary e Anna Kariênina, personagens inesquecíveis, também sucumbem. A mesma Simone de Beauvoir de O segundo sexo escreveu A mulher desiludida, antologia de contos sobre personagens despedaçadas, uma delas por essa mesma via. Elena Ferrante atualiza a tradição, criando personagens que definham ou enlouquecem depois de dispensadas ― é o caso de Olga, em Dias de abandono, que se vê confrontada com novas questões: Como pode uma mulher padecer “de amor” nos anos 2000? A própria ideia de abandono já não soa anacrônica em nossos dias? Agora é a vez de Natalia Timerman e seu “Copo Vazio“. O romance conta a história de Mirela, uma mulher inteligente e bem-sucedida, que acaba submergida em afetos perturbadores quando se apaixona por Pedro. O livro perscruta a vulnerabilidade de sua protagonista sem constrangimentos. Há algo de ancestral, talvez atemporal, no sofrimento de Mirela, que ecoa a dor de todas essas mulheres. Mas há também elementos contemporâneos: a forma de vida nas grandes cidades e as redes sociais são questões que acentuam os dilemas. Mirela tem emprego, apartamento, família e amigos, porém parece ser bastante solitária. Quando conhece Pedro, ela se preenche de energia e entusiasmo, e fica obcecada não só por ele, mas por essa versão de si mesma. O que fazer quando ele desaparece de repente, sem explicações? Depois de publicar contos, poemas e ensaios, Natalia Timerman comprova a versatilidade de sua escrita num mergulho de fôlego no mundo psíquico de sua protagonista”.
Artigos relacionados