Atriz Rafaela Ferreira lança livro sobre bullying e gordofobia e aponta a falta de representatividade no audiovisual


Rafaela, atriz de “Poliana Moça”, do SBT, referência do ativismo gordo, partindo do seu primeiro romance, ‘Eu só cabia nas palavras’, chama atenção para a falta de respeito, acessibilidade e direitos dos corpos gordos. Nesta entrevista, a atriz fala da inclusão na dramaturgia e até nos realities. “Acho que falta muita representatividade. E também entendo, que esse corpo quando está em um BBB, por exemplo, passa por muitas situações constrangedoras. Quando o Tiago Abravanel esteve confinado, a toalha não cabia nele, o roupão não ficava confortável, muitas coisas eram incômodas. É complicado. Para levar esse corpo para o reality, ele tem que ser bem recebido, ter acesso a todos os lugares. Quero, sim, ver esses corpos onde quiserem estar, mas com respeito”

*Por Brunna Condini

Considerada referência do ativismo gordo, a atriz Rafaela Ferreira, a Nanci da novela ‘Poliana Moça’, do SBT, estreia como autora em ‘Eu Só Cabia em Palavras‘, que aborda temas como autodescoberta, primeiro amor, amizade, gordofobia e o bullying na adolescência. “Gostaria de ter lido um livro como este quando vivi situações muito parecidas com as da minha personagem, a Giovana, e não encontrei uma palavra amiga. Espero que descubram com ela que nosso lugar é onde a gente quiser”, diz, sobre o livro que narra a trajetória de Gio, de 16 anos, que no início da história não consegue se olhar no espelho e gostar do que vê, depois de anos sofrendo bullying e ouvindo ofensas gordofóbicas.

Ninguém vende a romantização da obesidade, mas a da magreza, sim. Só pedimos respeito e direitos – Rafaela Ferreira, atriz e autora

Nas redes sociais, Rafaela soma mais de 3 milhões de seguidores, espaço em que compartilha sua rotina e debate temas como o amor próprio, incentivando outras pessoas a descobrirem e se apropriarem das suas potências, destacando a importância da representatividade. Nesta entrevista, a atriz comenta sobre a falta de protagonismo do corpo gordo no audiovisual, seja na dramaturgia ou no entretenimento, como nas novelas e em realities nos moldes de um Big Brother Brasil, por exemplo. “Apesar de sermos diversos e já vermos corpos com diversidade na mídia e obras audiovisuais, ainda identificamos uma hegemonia do corpo padrão. E isso não acontece só com os corpos gordos, mas com os corpos dissidentes de uma forma geral. Então, eu ainda espero mais protagonismo de corpos diversos, apesar de termos tido evoluções”, aponta.

Romance de estreia da atriz Rafaela Ferreira, ‘Eu só cabia nas palavras’ aborda temas como gordofobia e sexualidade (Foto: Adriana Libini)

Romance de estreia da atriz Rafaela Ferreira, ‘Eu só cabia nas palavras’ aborda temas como gordofobia e sexualidade (Foto: Adriana Libini)

Quero, sim, ver corpos gordos no BBB e onde quiserem estar, mas com respeito e acessibilidade – Rafaela Ferreira, atriz e autora

“Acho que o agravante do corpo gordo é que ele é visto como tabu, como problema de saúde, como uma questão ainda intocável, pouco falada, o que dificulta ainda mais. Além de ter sobre ele um julgamento de preguiça, incapacidade, que já vimos que não é verdadeiro. Ainda somos invizibilizados, e isso acaba deixando essa mensagem subliminar de que não devemos ser vistos. Essa era a mensagem que eu enquanto criança recebia, tendo muito medo de seguir a carreira de atriz porque não me sentia representada. Hoje já vemos mais corpos fora do padrão, só que ainda é uma questão muito velada, tratada como se fosse uma romantização da obesidade, algo que nem existe. Não tem ninguém por aí divulgando uma ‘dieta tiro e queda’ para ninguém engordar 20 kg, não é mesmo? Ninguém vende a romantização da obesidade, mas a da magreza, sim. E nós que estamos na luta antigordofobia, não estamos pedindo para alguém ser de um jeito ou de outro. Só pedimos respeito aos corpos que já são gordos neste momento. Respeito, acesso, direito e visibilidade”, completa.

"Ninguém vende a romantização da obesidade, mas a da magreza, sim. Só pedimos respeito, direitos e acessibilidade (Foto: Adriana Libini)

“Ninguém vende a romantização da obesidade, mas a da magreza, sim. Só pedimos respeito, direitos e acessibilidade (Foto: Adriana Libini)

No BBB por exemplo, a maior parte dos corpos do participantes é sempre padrão, o que acha disso? “Acho que falta muita representatividade. E também entendo, que esse corpo quando está lá passa por muitas situações constrangedoras. Quando o Tiago Abravanel esteve, por exemplo, a toalha não cabia nele, o roupão não ficava confortável, muitas coisas eram incômodas. É complicado. Para levar esse corpo para o reality, ele tem que ser bem recebido, ter acesso a todos os lugares. Quero, sim, ver esses corpos no BBB, onde quiserem estar, mas com respeito”.

Apesar de sermos diversos e já vermos corpos com diversidade na mídia e obras audiovisuais, ainda identificamos uma hegemonia do corpo padrão. E isso não acontece só com os corpos gordos, mas com os corpos dissidentes de uma forma geral – Rafaela Ferreira, atriz e autora

“Quero, sim, ver corpos gordos no BBB e onde quiserem estar, mas com respeito e acessibilidade” (Foto: Adriana Libini)

A atriz de 34 anos também fala de um desejo natural na carreira: “Sonho em fazer uma protagonista. Seja ela psicóloga, advogada, uma mulher de sucesso, poderosa, que viva suas questões de relacionamentos, familiares, mas que esteja em evidência e que mostre o seu corpo, sem viver necessariamente dramas relacionados a ele, mas sim, tendo prazer, exercendo seus direitos. Protagonistas gordas que sejam o que quiserem ser”, diz a carioca, radicada em São Paulo.

O que as pessoas precisam entender sobre gordofobia que ainda não entenderam? “Que não podemos limitar esse debate à uma questão de saúde. É a famosa despatologização dos nossos corpos. É parar de enxergar a pessoa gorda como alguém doente. E também entender que precisaremos nos adaptar e incluir corpos diversos. Então, é preciso ter lugares para essas pessoas sentarem confortavelmente, sem ter que incomodar ninguém apenas por existirem. Terem direitos, uma medicina mais humanizada para lidar com esses corpos, mais consciente; mais espaços nas atividades físicas, mais lugares em que esse corpo seja bem recebido, com um espaço para nos exercitarmos porque queremos, gostamos, sem ser ‘punição estética’, mas por prazer. Lugares de acesso livre de julgamentos”.

O livro

“Uma das formas que esse livro pode ajudar as pessoas a entenderem o que é gordofobia é através da empatia. Ao verem a protagonista passar pelas situações que experencia, principalmente em relação ao bullying. Algumas pessoas podem se reconhecer ou até perceberem que já fizeram o que fazem com ela. Mas o livro não é um manual antigordofóbico e nem foi feito para os gordofóbicos, apesar de ser de bom proveito para eles também, já que podem ter um contato com um ponto de vista super exposto como o da Gio”, esclarece.

Romance de estreia da atriz Rafaela Ferreira, ‘Eu só cabia nas palavras’ (Divulgação)

Romance de estreia da atriz Rafaela Ferreira, ‘Eu só cabia nas palavras’ (Divulgação)

“Na infância e na adolescência o bulliyng acontece muito através dos apelidos, dos nomes pejorativos, mas acho que a pior coisa que pode acontecer é a exclusão. Quando uma pessoa deixa de ser convidada porque é de tal forma. Do tipo: ela não pode jogar com a gente, sentar com a gente…excluir pessoas, negar o acesso delas à uma praia, uma piscina, a um esporte, por julgamento, achando que não vai gostar ou que o seu corpo não é capaz, é a pior parte e vemos isso em nossa sociedade. As pessoas gordas ainda têm muitos acessos negados. Esse é  o pior bullying que podemos sofrer”.

Não podemos limitar esse debate à uma questão de saúde. É a famosa despatologização dos nossos corpos. É parar de enxergar a pessoa gorda como alguém doente – Rafaela Ferreira, atriz e autora