*Por João Ker
Há apenas poucos quarteirões do ArtRio, no Centro Cultural Ação da Cidadania, o Art Rua enche as paredes dos dois andares do galpão com obras de artistas que, ao contrário daqueles apresentados no outro evento,são mais despojados, mas nem por isso andam à margem dos circuitos comerciais. Afinal, nos últimos anos a arte urbana tem florescido no mundo inteiro e muitos dos expoentes dessa vertente ocupam espaço premium no mercado, com trabalhos valorizadíssimos, mesmo quando expõem sua arte nos muros, fachadas e superfícies metropolitanas. Por isso, não é mera coincidência o evento ocorreu no mesmo período que a feira do Píer Mauá, mostrando a pluralidade por trás do conceito de ‘arte’ e reinventando tanto a formatação das galerias quanto o das intervenções urbanas.
Vídeo sobre a edição 2013 do Art Rua (Divulgação)
Pelo espaço, que já serviu de palco para desfile antológico da Colcci anos atrás e também da Ellus 2nd Floor neste último Fashion Rio, um público mais jovem (de cabeça) e menos “encanado” com regras formais de etiqueta se espalha em volta dos painéis e estandes – muitos deles apresentando artistas in action -, apreciando tanto a arte de nomes consagrados como Os Gêmeos e Antonio Bokel, quanto à do novíssimo sangue que anda impregnando as ruas das grandes urbes.
Quem comparece ao evento dificilmente consegue imaginar que há menos de dez anos esses artistas poderiam ser presos por vandalismo ou considerados marginais, com seus trabalhos sendo confundidos com meras pichações insignificantes. Curioso também é saber o que tanto esses artistas quanto os visitantes pensam sobre esse novo jeito de valorizar uma expressão cultural que foge ao convencional e que nasceu como uma forma de intervenção nas cidades e pelas próprias ruas. Tendo isso em foco, HT investiga pelo badalo do Art Rua 2014 aquilo que mudou para os grafiteiros nos últimos tempos e o que significa, agora, suas obras estarem expostas e à venda em uma plataforma comercial. As respostas fogem ao óbvio e dão uma dimensão muito maior sobre o que significa o termo street art, revelando que toda moeda de compra e venda tem sua cara e coroa.
Vinícius Mesquita, que estava fazendo a sua parte no evento, pintando um carrinho que em seguida estaria exposto pelo galpão, acha que a mudança de ambiente é bem vinda: “Os painéis ainda têm uma forte conexão com a rua, mais até do que as telas, que foram desenvolvidas especialmente para essa galeria. Mas isso não descaracteriza o trabalho, ele apenas apenas recebe uma nova valorização e se transforma”.
O grafiteiro Dédo vê uma diferença entre a arte feita na rua e a da galeria, mas acredita que as duas opções sejam válidas. “Sendo honesto e transparente, o trabalho vale. Mas o grafite na rua é diferente, tem regras específicas que não se aplicam aqui. Isto é uma representação do que está lá fora. Na rua,o propósito é diferente, porque o que você pinta o que não está à venda, é um presente efêmero que, quando você vira as costas, pode ser apagado a qualquer momento”.
A estudante Letícia Mello acha que o valor da galeria está na apresentação de artistas como um coletivo: “É uma super novidade isso, porque podemos ver vários artistas juntos num mesmo lugar. Com isso, podemos perceber melhor como esses caras deixam o Rio de Janeiro mais colorido, já que às vezes não prestamos muita atenção nos desenhos por causa da correria diária”.
Bernardo Bigioni, dono da galeria mineira Quarto Amado, comenta: “É um desafio interessante trazer a arte da rua para a galeria. A primazia da obra é o suporte e o artista que sabe se expressar,tanto na rua quanto no ateliê, consegue fazer esse processo inverso sem perder a sua identidade”.
Matheus Couto, responsável pela comunicação da Quarto Amado, acredita que o evento “dá um novo significado às obras, já que na rua elas muitas vezes assumem um caráter ilegal, Aqui, as pessoas estão pagando por elas, o que as inclui num processo comercial que é, por si só, formal”.
Autodeclarado como “apreciador de arte”, e envergando modelito no melhor estilo “The Blue Brothers”, o ator/dublador/produtor cultural Alexandre Betta acredita que a arte não deve ter restrição: “Ela deve se espalhar por todos os espaços e plataformas possíveis. E eu, na qualidade de observador, acredito nesse movimento livre que independe da rua para divulgar este tipo de produção”.
Peu Mello, que idealizou a galeria montada pela FYI – For Your Information no evento, vê diferenças entre os dois espaços, mas encontra mais prós do que contras: “A arte de rua abre os olhos do público que passa e, de repente, se liga na pintura e consegue atribuir valor à aquilo. Ao mesmo tempo, é gratificante poder trazer estes artistas para outros espaços; é uma evolução para o valor dessas obras”.
O artista recifense Bozó fica feliz com a valorização do seu trabalho: “Isso é um reconhecimento que veio graças à mídia e ao nosso próprio esforço. Há dez anos nós éramos vistos como marginais, como se nosso trabalho fosse mais um hobby do que uma forma de ganhar a vida. Cheguei até a pensar em desistir da carreira”.
Confira uma seleção de imagens emblemáticas, colhidas aqui e ali no evento, pelo HT:
Fotos: Amanda Déa
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