Em meio à revitalização do centro do Rio de Janeiro, o Píer Mauá recebe até dia 13 a 5ª edição da Art Rio, feira já consolidada no calendário artístico carioca e nacional, que mescla nomes já consagrados no mercado a profissionais e galerias emergentes, oferecendo não apenas uma plataforma para o comércio, mas também para a apreciação de obras importantes. Com uma programação extensa que, além de lotar quatro armazéns do cais, ainda se espalha pelos arredores com projetos paralelos, HT conferiu logo na abertura do evento que, sim, o setor de artes resiste bravamente à crise, sem nenhum sinal de desaceleramento (por enquanto).
Os números da Art Rio já impressionam por si só: um público estimado de 50 mil pessoas é esperado nos quatro dias de feira. Pelos corredores, se espalham 80 galerias que abrigam mais de 1220 artistas vindos de 11 países, isso sem contar com os nacionais. E, por onde se andava, a resposta dos galeristas e artistas é a de que, além de a produção cultural do país estar se renovando com propostas criativas, o brasileiro tem comprado arte mesmo em meio à crise financeira.
Mas qual o perfil desse “consumidor” que consegue colecionar obras que podem chegar a mais de dezenas de milhares de reais? “Atores, empresários de atores e, principalmente, quem atua no mercado financeiro”, comenta Ronaldo Simões, da Luciana Caravello Arte Contemporânea. A observação é compartilhada por Cristina Magalhães Pinto, da galeria Mul.ti.plo Espaço Arte. Há 20 anos trabalhando no setor, ela nota que banqueiros e outros profissionais da indústria financeira têm ajudado a rejuvenescer o mercado e as coleções de arte. “Vejo muita gente jovem em busca de artistas também jovens, como uma forma de investimento naquela obra e naquele nome que, mesmo apesar de ser emergente, ainda pode cobrar um valor alto”, diz, sem citar números específicos.
Se houve algum efeito da crise no consumo de arte, ele foi mínimo, como conta Paulo Kassab Jr., da Galeria LUME, em São Paulo. “As compras de valores menores diminuíram, mas o faturamento não caiu. Eu percebo um medo mais crescente, de as pessoas estarem visitando menos os espaços, mas os novos colecionadores têm procurado aprender mais e comprado muito, principalmente como recomendação de arquitetos”, opina. Lara Brotas, responsável pelo Clube do Colecionador, ainda comenta que sempre teve um bom retorno no Art Rio e, já na abertura, havia vendido quase metade das peças que levou.
Em sua primeira participação no evento, Jess de la Hunty e Megan Foster, responsáveis pela galeria Other Criteria: New York & London, comentam que mesmo nos EUA ou na Inglaterra, banqueiros e RPs sempre compraram obras de seu estabelecimento, com um foco curioso nos trabalhos de Damien Hirst. “Vejo que, hoje, a dimensão de pessoas que consomem arte aumentou, e elas compram tanto como forma de investimento como pelo simples prazer de apreciar um bom artista”, comenta Megan. Quem também opina na tendência é Viviane Soares Sampaio, museóloga e marchand que se diz inserida no universo artístico “desde que nasceu”. “A arte está chegando de e para jovens, e esse novo cliente compreende a linguagem atual das obras. Acho que quem está apostando nas novas propostas vai sair ganhando no final das contas”. E até Elizabeth Jobim comenta que “está vindo um movimento muito forte de pessoas jovens no mercado”, afirmando que também tem reparado na renovação do setor.
Apesar do inevitável cunho comercial do Art Rio, é impossível que a arte deixe de lado o seu papel crítico à sociedade. De uma performance onde uma pilha de sal era anunciada por um artista aos berros com “Tenho o melhor sal do mundo/Tenho o melhor sal-lário do mundo” ao espaço Prisma, no Armazém 4, que questiona simultaneamente a aceleração do sistema capitalista com o tempo da vida urbana. “O mercado se apropria de uma manifestação cultural, mas a arte sempre precisou ser paga por alguém, mesmo que fosse pela Igreja, como acontecia antigamente. Nesse momento que vivemos, onde o capitalismo está em xeque, é necessário fazer uma grande revisão sobre o papel do consumo, da ostentação, e pensar que mundo é esse onde somos reféns de uma imagem”, opina Bernardo José de Souza, responsável pela curadoria do Prisma, ao lado da holandesa Carolyn H. Drake.
Fotógrafo e também galerista, o paulistano Marcos Chaves, que expõe na Galeria Carbono, declara fazer o máximo para que seu trabalho não chegue apenas à elite. “Sempre faço múltiplos, que é uma forma de atender as pessoas que gostam verdadeiramente de arte, mas às vezes não têm tanta condição para comprar uma peça única. Sou contra o exclusivo, quero que minhas obras atinjam o maior número possível de pessoas, porque a arte em geral educa o olhar do público”, comenta. O artista plástico Alexandre Mazza, por sua vez, frisa: “Sempre gostei de feiras porque elas permitem uma visão panorâmica do que está acontecendo no mundo, por mais que seja um ambiente comercial. Não dá para focar apenas no mercado. Não gosto de elitizar a arte e acho que, aqui, há a oportunidade de oferecer algo para as massas, basta postar uma foto no Instagram que a dimensão do seu trabalho já aumenta”, diz.
Mesmo que tal escolha não seja consciente, grande parte dos artistas sabe como dosar o cunho conceitual com o comercial em suas produções, sem sentirem uma necessidade muito forte de se apegar a valores, e sempre procurando uma maior abrangência de seu trabalho, buscando transitar no caminho entre o erudito e o popular. “É preciso cuidar do corpo e do espírito. Claro que o dinheiro vinculado à arte estimula o artista, isso é fundamental. Mas a essência do seu trabalho não pode ser essa – é preciso levar um pensamento crítico às massas, o povo também precisa alimentar a alma”, opina Antonio Bokel, que exibia a obra “Vai idade”, no Clube do Colecionador, lançando uma reflexão sobre a megaexposição do “Narciso contemporâneo” na era online.
Pelos corredores da Art Rio, é possível ver como essa reformulação do mercado de arte pelas mãos dos jovens compradores e artistas tem resultado nas mais diferentes maneiras de expressões culturais. Desde o grafite d’OsGemeos às obras de Vik Muniz, passando por inúmeras instalações e projeções de videoarte, todos os gostos são contemplados e todos os sentidos mexidos pelo evento. Os amantes do design encontram o paraíso na IDA, que ocupa o quarto armazém do local, enquanto os apreciadores de joias se encantam com o Joia Brasil, onde Nelusha Araújo lançou, repleta de elogios, a coleção “Cores do Brasil”. E até uma exposição comemorativa dos 30 anos de Rock In Rio atraía os aficionados pelo festival.
Por lá, até o marketing assumiu tom artístico. A Minalba proporcionou uma experiência sensorial, através da qual evidenciava o elo entre o ser humano e o mundo através de um elemento básico na formação de ambos: a água. A H.Stern, que comemora seus 70 anos, criou uma espécie de programa integrado ao celular, capaz de reproduzir uma realidade fictícia onde é possível ver todo o universo e encontrar as constelações. Já a Heineken, por sua vez, incentiva a produção artística e oferece a chance do próprio visitante customizar uma long neck com jatos de tinta.
Pelos arredores, o Rio ainda transpira arte para além das paredes do evento. No Galpão 139, a “Ocupação Mauá” reúne obras de nomes como Vik Muniz, Zanini de Zanine, Oskar Metsavaht, Carlos Vergara, dentre outros. A gastronomia também resolveu se unir à programação, com o funcionamento extra de restaurantes como a Brasserie Lapayere, aumentando o leque de opções que o próprio evento já oferece. E até o Museu de arte Moderna recebe exposições especiais como “Iole de Freitas – O peso de cada um”, “Marcos Bretas”, “Iberê Camargo: um trágico nos trópicos”, “Genealogias do contemporâneo – Coleção Gilberto Chateaubriand” e “Daniel Steegmann & Philipp Van Snick”.
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