Sonhos. Esse é, por coincidência – ou destino, o nome da série com a qual a tatuadora Luiza Fortes estreou, no mês passado, no circuito de Arte da Europa. Aos 27 anos, a carioca, que desde criança já desenhava e pintava incentivada pela avó, a artista plástica Lygia Pape, abriu o próprio estúdio de tatuagem. Localizado em Botafogo, o Artline conta com outros três funcionários e tem até lista de espera. “A minha agenda está com um esquema praticamente fechado até 2017. Quem quiser tatuar comigo entra em contato, diz o que quer e eu faço por ordem de chegada. Tem gente que já esperou dois anos, outros que são mais ansiosos, mas não dá para colocar na frente. O que eu faço é priorizar clientes antigos, que estão comigo desde que comecei, sabem como funciono”, contou.
A exposição, que está em cartaz na Galeria Graça Brandão em Lisboa, Portugal, apresenta uma série de grafismos que concretizam desejos e traz a produção da artista em grafite sobre papel vegetal, montada entre chapas de acrílico. Todas as obras foram base, claro, para as tatuagens que Luíza realiza profissionalmente há seis anos.
Em pequenos nichos, a artista aproxima o público do universo dos desenhos no corpo em um resultado que explora os limites do suporte – seja no papel ou na pele. “A mostra apresenta traços de clientes que já tatuei. Com suas tatuagens virando quadro, os clientes viram obras. É uma exposição que não é só minha, mas de todos que estavam comigo. O nome é por causa dos sonhos de cada um. Todas as pessoas tem motivos para riscar o corpo e o objetivo era transformar o espectador em parte da obra. Na exposição, o público pode ver, interagir”, explicou.
Se a Galeria Graça Brandão é conhecida por arte clássica, Luíza chegou para transformar isso. “Tatuagem é um pouco fora do ramo, é uma coisa jovem, nova no mercado”, disse ela, que, antes da experiência, só havia exposto sua obra internacionalmente em convenções e chegou até a ser premiada. “As convenções são uma maneira de divulgar o trabalho. As pessoas te veem em ação e serve como propaganda, mas não acho confortável para o cliente e nem para o tatuador. Eu ganhei um prêmio que eu me lembro bem: fiz, em um amigo meu, um dragão oriental enorme, fechando as costas. Foi a primeira tatuagem dele e ganhamos na categoria oriental, foi incrível”, contou.
Quem pensa que o prêmio comprova a especialidade de Luíza se engana. O estilo abstrato, new school, com cores e sombreado são sua marca registrada, mas ela faz de tudo e, frequentemente, dá vida a mulheres, animais, personagens, caveiras, flores e diversos outros elementos. Ainda assim, Luíza garantiu que nunca repete o mesmo desenho em diferentes clientes. “Hoje em dia as pessoas buscam mais autorais. Claro que existe aquilo de alguém copiar a sua tatuagem, inclusive já vi trabalhos muito parecidos com os meus, mas se quiser fazer comigo, não repito. Faço parecido, mas personalizo cada uma”, disse ela, que, em seu estúdio, procura deixar o cliente o mais à vontade possível.
“Ser dona do próprio negócio tem prós e contras. A pior parte são os problemas, cuidar de tudo e a responsabilidade, mas o lado bom é que faço o funcionamento do estúdio do meu jeito. Somos quatro e eu faço questão que cada pessoa que queira tatuar aqui seja respeitada. Quem paga nossas contas são os clientes”, discursou. A sinceridade não fica de lado nunca. “Às vezes alguém chega com uma ideia e eu falo se acho que não vai ficar bom. Opino, mas faço o que pedem. Todos os meus desenhos são criação própria, o cliente traz referências e eu faço algo exclusivo”, garantiu.
Se a mão boa é herança de família, a artista não se contentou com o dom e ingressou em uma faculdade para aperfeiçoá-lo. Ainda antes de se formar em desenho industrial, Luíza passou mais de uma década produzindo quadrinhos japoneses na revista independente Taari. “Apesar de todo meu traço ter vindo dos quadrinhos que eu fazia antes, a universidade contribuiu com a questão das formas na minha obra”, contou ela, que começou a trabalhar cedo. “Na verdade tatuei pela primeira vez aos 18, mas considero profissional só aos 21, porque foi quando engatou. Antes era só com amigos e conhecidos, porque nesse meio não existe curso, você vira aprendiz em um estúdio. É como um estágio não remunerado”, explicou ela, que já passou por temporadas internacionais em Londres, Hamburgo e Estocolmo.
Ela, que deve muito do sucesso a visibilidade que as exposições geram, pretende fazer uma em seu próprio estúdio. “Penso em um ‘flash day’, que é um dia aberto ao público sem hora marcada. Cada tatuador prepara desenhos e o cliente pode chegar, escolher e tatuar. É um dia especial porque quem é do meio ou simpatiza pode trocar ideias, conversar e os artistas fazem no máximo três trabalhos, que não podem ser repetidos. Também queria ver outros tatuadores e exposições, mas tudo tem que ser programado”, ponderou. Perguntada sobre o machismo no meio, respondeu enfática. “Hoje em dia não é mais tanto. Eu já sofri, claro, de acharem que não daria conta, mas o trabalho fala por si. Se você mostra a qualidade, te respeitam imediatamente. A autoconfiança também ajuda”, entregou.
Se marcar a pele das pessoas é uma tarefa corriqueira na vida de um tatuador, Luíza considera-se especial. “Eu penso muito nisso. É uma honra, quem tem um desenho meu vai lembrar para o resto da vida. Lógico que a responsabilidade vem junto, por isso nunca trabalho cansada ou passando mal. Tento fazer com que a experiência da pessoa seja a melhor possível, até porque tem gente que espera por muito tempo”, garantiu. Alguém duvida que a longa fila só vai aumentar?
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