“A frente fria que a chuva traz” leva jovens ricos à favela e levanta questões sobre o distanciamento entre os dois mundos


O longa de Neville D’Almeida tem como objetivo propor uma análise sobre o abuso das comunidades pelas classes altas: “Falamos sobre a cafetinização das favelas pelos ricos sem fazer concessões”

Jovens ricos e drogas ilícitas em uma festa dentro do Morro do Vidigal. Esse é o pano de fundo de “A frente fria que a chuva traz”, do diretor Neville D’Almeida, que, quase duas décadas desde seu último filme, “Navalha na carne”, decidiu levantar uma análise sobre o abuso da favela pelas classes mais abastadas. “Falamos sobre a cafetinização da favela pelos ricos. O nosso filme é implacável, não faz concessões a ninguém e está destinado a abrir um novo sentido, de transgressão verbal”, garantiu. Com um elenco de jovens cheios de energia como Bruna Linzmeyer, Chay Suede, Johnny Massaro, Michael Melamed e outros, a história, que foi lançada no Festival do Rio, promete chocar os mais tradicionais. “É assombroso ver um filme sobre a estupidez, a insensibilidade, a imbecilidade, a desonestidade. Todos os personagens são assim, e não é ficção. Eles são verdade, são pessoas que vemos nas ruas o tempo todo”, disse o diretor.

frentefria4

O elenco de jovens se reuniu com o diretor Neville D’Almeida durante a sessão no Festival do Rio (Foto: AgNews)

Bruna Linzmeyer vive Amsterdam, uma jovem viciada em heroína e que se prostitui para manter a demanda. “Ela tem alguma vida dentro dela e, durante o filme, fica vagando por entre as ruas de Copacabana e essa festa para conseguir drogas e se manter”, contou. Ao longo da sequência de um dia de ficção, a personagem tem uma decadência visível. “O filme se passa em algumas horas, a Amsterdam começa num vício médio e não se vê ninguém definhar, mas todos decaem dentro de um dia. Tudo o que se imagina acontece com eles”, explicou a atriz, emendando que ter um longa no Festival do Rio é especial. “É um evento muito bonito. Ele oferece uma gama de filmes que muito provavelmente não entram em circuito e só se tem oportunidade de ver agora, alguns até gratuitamente. Além disso é um reencontro com outros colegas de profissão”, falou.

frentefria7

Bruna Linzmeyer falou sobre sua personagem, Amsterdam, e declarou que estar no Festival do Rio é especial (Foto: AgNews)

Michael Melamed também comentou sobre o projeto e contou que a intensidade fez com que o elenco ficasse totalmente entregue. “Só tem ator incrível. O meu personagem é Raposão, um cantor sertanejo de raiz, ícone pop. Só que não se sabe o quão verdadeiro é isso. Ele viaja mais na imagem do que qualquer coisa”, contou o ator, que acredita que Raposão é um catalisador dos problemas que já existiam. “Ele é chamado para a festa e, sua chegada, do meio para o final do filme, precipita conflitos que já estavam acontecendo”, adiantou. Se o cantor sertanejo criado dentro da favela desperta os mais diferentes tipos de sentimentos nos jovens ricos, a ideia de Neville D’Almeida era exatamente isso. “Esses jovens não tem uma visão de inclusão social das comunidades. Quero levantar essa questão. No Vidigal só há uma estrada para subir e descer e é a mesma há 50 anos. Já está na hora de ter duas pistas”, opinou o diretor.

frentefria

Em meio a boatos de separação do casal na vida real, Michel Melamed e Bruna Linzmeyer brincam antes da sessão especial de “A frente fria que a chuva traz” (Foto: AgNews)

Já Chay Suede deixa de vez o posto de bom-moço e assume uma personalidade duvidosa. Seu Espeto é um dos jovens fúteis, mas com um diferencial: fornece drogas aos outros. “É ele quem abastece as festas, é quase um ‘drug dealer’, mas não chega a isso porque não necessariamente vende, mas contribui para a parte lisérgica da ideia”, contou o ator, que não precisou fazer laboratório. “Nós, do elenco, criamos juntos um universo e atmosfera específica para que tudo fosse permitido”, explicou.

frentefria2

Chay Suede vive um drug dealer no longa e contou que o elenco criou uma atmosfera permissiva (Foto: AgNews)

Baseado em um texto de Mário Bortolotto para o teatro, o longa mostra o luxo e o lixo convivendo através do morro e do asfalto. As gravações no Vidigal, em uma das vistas mais privilegiadas da cidade, também contribuiram para o clima de distanciamento entre os dois mundos. O título é uma referência ao mau tempo que impede o grupo de continuar a festa, fazendo com que alguns conflitos e diferenças apareçam ainda mais fortes durante o temporal.

frentefria6

Michael Melamed, Bruna Linzmeyer e Chay Suede antes da exibição do filme (Foto: AgNews)

“A frente fria que a chuva traz” tem como objetivo levantar reflexões sobre a relação entre as classes abastadas e os moradores de comunidades e mostrar um pouco do abuso dos ricos para com os pobres, fazendo com que o espectador acompanhe de perto a falta que a inclusão social das favelas faz para os jovens brasileiros. É para sair do cinema pensativo. Cumpriu o papel.