Animação era meu sobrenome quando acordei – às 6h da manhã – em Ollantaytambo para o nosso sexto dia de aventuras (Dia 1, dia 2, dia 3, dia 4 e dia 5) culturais e físicas pelo Vale Sagrado, no programa de multiatividades que a Lares Adventure criou especialmente para a gente. Para quem não sabe, Ollantaytambo é a cidade continuamente povoada mais antiga da América Latina e onde ficam as ruínas que eu mais amo no Peru. Sei que é uma heresia falar isso, mas prefiro Ollantay a Machu Picchu. Mas isso é assunto para outro dia, já que, agora, era hora de explorar a cidadela com o grupo e nosso guia arquiastronômo – que estuda a relação da arquitetura com a astronomia -, o chileno boa-praça Andres.
A primeira parte do passeio começou desfalcada, já que os trekkeiros animados pularam da cama ainda mais cedo para poder subir a trilha das ruínas de Pinkuylluna e, depois, encontrariam com a gente na porta do complexo arqueológico de Ollantaytambo. Eu, que estava um pouco destruído da bicicletada do dia anterior, optei por ficar mais meia hora na cama e encorpar a turma que conheceria o povoado antes de nos dirigirmos às ruínas cinematográficas.
Pelas ruas margeadas por canais de águas limpas – que serviam para purificar as entradas da cidade – caminhamos até chegar em uma das casas abertas à visitação. No pátio central, os moradores, sabiamente, armam uma espécie de mercado informal para que os visitantes comprem suas lembrancinhas típicas e colaborem com a subsistência deles.
O esquema é ir entrando como se fosse um velho conhecido; e assim foi feito. Em uma das casas, via-se uma criação de cuys – os porquinhos da índia peruanos, tradicional proteína na alimentação andina – comendo calmamente sua ração no meio da sala. Eram uns trinta, com bastante fome, que comiam sem se importar com os visitantes inesperados. No fundo, duas camas, onde um senhor estava sentado e uma senhora assistia TV. Um dos integrantes da nossa turma perguntou, meio que pensando alto, se ali era, de fato, a casa deles. A moradora mais jovem, que já devia estar acostumada ao português, respondeu em espanhol que sim, que todos viviam ali e abriam as casas para que os turistas pudessem vivenciar de forma efetiva o modo de vida da cidade.
Outro ponto que me chamou a atenção – além das carnes desidratadas penduradas no teto – foram duas caveiras em cima de uma espécie de altar, também na tal sala onde tudo acontecia. Nosso guia nos explicou que faz parte da tradição da cidade cultuar os antepessados, deixando, ali, exposto, os restos mortais dos avós, bisavós e assim por diante na árvore genealógica. A conversa estava muito boa, o assunto ficando cada vez mais animado e os cuys cada vez mais entrosados com os nossos pés, mas era hora de seguir em frente. Nos despedimos e seguimos em direção ao portão de entrada das ruínas de Ollantaytambo, onde nossos amigos mais dispostos se reagruparam para subirmos todos juntos. A melhor coisa para se fazer quando se chega a Cusco – se você não está nas mãos de uma agência que cuidou de tudo, como nós – é comprar o Boleto Turístico de Cusco, que custa cerca de 130 nuevos soles – algo em torno de R$130,00 – e te dá acesso à todas as ruínas da região, com exceção de Machu Picchu.
Comumente chamado “Fortaleza”, devido a seus descomunais muros, foi na realidade um tambo, que em quechua, a língua local, quer dizer cidade-alojamento, localizado estrategicamente para dominar o Vale Sagrado dos Incas. O tipo arquitetônico empregado, assim como a qualidade de cada pedra, trabalhada e encaixada individualmente de forma simétrica e esteticamente perfeita, fazem de Ollantaytambo uma das obras de arte mais peculiares e surpreendentes que realizaram os antigos peruanos, especialmente o Templo do Sol e seus gigantescos monolitos.
Algumas das rochas utilizadas na construção são somente encontradas a alguns quilômetros da cidade, numa pedreira do outro lado do Rio, a alguns bons quilômetros dali, o que revela o domínio de técnicas avançadas de transporte de rochas e drenagem do Rio, para que pudessem atravessa-lo sem perder as pedras. Subimos a escadaria de suas terraças até o topo, onde observamos o vale como um todo, e seguimos até a outra extremidade das ruínas.
Ainda fizemos uma rápida passada pelo intricado sistema de circulação de água do complexo antes de descermos em direção à estação de trem, onde pegaríamos a primeira classe do Inca Rail a caminho de Águas Calientes, a cidade base para se alcançar, enfim, Machu Picchu. Nosso almoço ia ser a bordo do Inca Rail, a segunda companhia de trem que liga Ollantaytambo a Águas Calientes – a outra é a Peru Rail – e, portanto, uma das duas únicas formas de se chegar a Machu Picchu sem se embrenhar por trilhas intermináveis e noites ao relento. Nada contra, acho admirável, mas não dava para reclamar do vinho branco, da água fresca, da truta com crosta de quinua e redução de vinho tinto e a salada dos deuses servidas à bordo. O valor do ticket de ida e volta na primeira classe é algo em torno de US$270,00, que inclui as refeições e bebidas.
Uma hora e meia depois, desembarcamos em Águas Calientes e seguimos direto para o nosso hotel, o imponente Sumaq. Já na apresentação, por volta de uma da tarde, antes mesmo de tomarmos nossos drinks de boas vindas, já ficamos sabendo que ia rolar uma aula de Pisco Sour e Ceviche aberta a todos os hóspedes, com direito a degustação.
O convite, claro, não precisou ser feito nem duas vezes. Aula feita, era hora de desbravar a cidade – em especial o ótimo mercado de artesanato local, que fica bem na entrada da estação de trem – e procurar um bar animado para acompanhar a estreia da seleção brasileira contra o Peru na Copa América. Mais tarde mais uma refeição maravilhosa junto de todo o grupo – onde os mais ousados arriscaram uma carne de alpaca – e já estávamos prontos para dormir para encarar, enfim, o grande de dia de subir para Machu Picchu assim que o sol nascesse. Mas isso é amanhã…
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