* Por Helen Pomposelli
Muitos amantes do vinho estão descobrindo a arte de apreciar as bebidas naturais, orgânicas e biodinâmicas. Apesar da falta de conhecimento e de cultura no assunto, os vinhos naturais já têm seus apreciadores de rótulos especiais e seguidores de encontros para a degustação. Criada há dez anos, a Enoteca Saint Vin Saint de Lis Cereja fica situada em São Paulo é uma das precursoras no Brasil em apostar nos vinhos naturais, orgânicos ou biodinâmicos. “Oferecemos uma carta do Brasil exclusiva de vinhos naturebas, pois é assim que chamamos carinhosamente esse estilo de bebida”, explica Lis Cereja, que idealizou a feira Naturebas que acontece nesse final de semana em sua sexta edição, primeira – e ainda única – feira do Brasil especializada em vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos, em São Paulo, além de produtos artesanais ligados à alimentação e sustentabilidade. “A idéia da feira Naturebas é fomentar o pequeno produtor, o artesão alimentar, o vinho artesanal e natural, colocando essas pessoas em contato direto com quem compra”, explica Lis.
Segundo Gustavo Guagliardi Pacheco, wine educator e criador da ViniBraExpo, festival que acontece também no final de semana, só que no Rio de Janeiro, os vinhos orgânicos podem ser feitos a partir de uvas organicamente cultivadas, evitando quaisquer pesticidas ou aditivos sintéticos, ou, indo além, que também não irão contar, em nenhum dos seus processos, com a adição de conservantes à base de sulfitos. Gustavo explica que a biodinâmica é semelhante à agricultura orgânica, na medida em que ambas ocorrem sem produtos químicos sintéticos e que a agricultura biodinâmica incorpora idéias sobre um vinhedo como um ecossistema integrado e também leva em conta aspectos como as influências astrológicas e os ciclos lunares. “A diferença é que o vinho biodinâmico é concebido através de uvas cultivadas sob tais preceitos e, ainda, sem manipulações, como adições de leveduras ou ajustes de acidez.”
A acidez dos vinhos naturais e biodinâmicos também é um desafio que se questiona na hora de falar da qualidade da bebida para o diretor da importadora Qualimpor, João Palhinha, que esteve no evento Wine Dinner promovido por José Grimberg na Bergut Castelo no Rio, promovendo o vinho orgânico e biodinâmico Esporão do Alentejo como o Esporão Colheita Branco e o Esporão Reserva 2015 Tinto. “Adaptadas ao cultivo biológico, a linha Colheita é fermentado em tulipas de alvenaria, uma recuperação incrível da cultura local. A viticultura segue práticas agrícolas de uma produção mais integrada e utilizamos os mecanismos de regulação natural, o que torna a agricultura sustentável, rendendo assim frutos de maior qualidade.É bonito ver uma região orgânica, pois a terra é sempre florida e reaproveitada com plantio de uma agricultura sustentável”, diz.
Para quem não sabe, os preparados biodinâmicos foram desenvolvidos por Rudolf Steiner, com base na Antroposofia, antes e durante o Curso Agrícola em 1924. Steiner afirma que “adubar consiste em vivificar a Terra” e com base nesta afirmação traz os preparados como sendo mediadores entre a Terra e o Cosmo, ajudando as plantas na sua tarefa de serem órgãos de percepção da Terra. Para Lis Cereja, que começou com nutrição e hoje é especialista no assunto, é impossível você não pensar também nos danos do corpo quando se bebe um vinho tradicional. “A idéia de trabalhar com vinhos orgânicos também surgiu através da preocupação de se consumir produtos saudáveis. Todo mundo acha que está bebendo uma bebida saudável quando degusta um vinho convencional, de prateleira, normal, mas a grande maioria é baseada em agricultura tradicional, ou seja, usam fertilizantes sintéticos e agrotóxicos. Existem 400 aditivos sintéticos, técnicas adição de cor, levedura para modular aroma. Tomar um vinho convencional hoje em dia é como tomar um suco de laranja de caixinha. Pela lei, você não precisa anotar o que você usou, ninguém sabe quais são os aditivos que estão no vinho. O vinho é uma indústria pesada e deixou de ser um alimento há muito tempo, por isso existe esse movimento de vinhos mais puros com menos adição de produtos sintéticos, agricultura orgânica que não polui a água e não acaba com o solo. Você não pode falar em sustentabilidade , agricultura orgânica e continuar bebendo vinho tradicional”, anunciou Lis.
Já no Rio, outro local onde você pode encontrar uma carta de vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos brasileiros e internacionais é na casa recém-aberta chamada CRU wine house, situada em Botafogo. Selene Câmara Parry, uma das sócias da wine house começou a beber vinho natural por uma questão de saúde e consumo consciente. “No rótulo do vinho convencional você não tem noção de quantas enzimas que se adicionam na bebida para dar mais sabor, para controlar a acidez, para modificar o vinho para durar , entre outras coisa. A fermentação natural não usa agrotóxicos, mas alguns vinheteiros de família engarrafam com um pouco de sulfito, que contém na uva naturalmente e que ajudam a conservar e preservar o vinho. Já comprei vinho que não tem sulfito mas esse vinho não pode ser vendido comercialmente, não tem registro no mapa e a sua conservação depende muito do ambiente e tempo”.
Selene é fá dos biodinâmicos não só por causa de toda a visão holística da realização da bebida como na qualidade. “Sempre dou esse exemplo para meu cliente, que não existiria onda do mar se não existisse a lua. Que existe a época da raiz, da folha, da flor, para você colher e você tem que respeitar isso. A idéia é produzir um bom vinho em um ambiente em harmonia. O vinho biodinâmico é um vinho mais fácil de agradar às pessoas, eles têm uma fermentação alta e contém acidez e as pessoas gostam de vinhos mais doces. O ideal é reeducar o paladar dessas pessoas e apresentar que um vinho que não precisa ser amadeirado, doce ou frutado”, explica Selene que sugere beber vinhos biodinâmicos que tenham o selo Demeter, marca que identifica mundialmente os produtos biodiâmicos que já tem uma sede brasileira.
Mas e todo o misticismo dos preparados do vinho biodinâmico? Para Lis, o entendimento é simples e pragmático. “ Para restaurar o solo você tem que manter e oxigenar a terra, hidratar as plantas e não usar produto sintético, ou seja, que o ambiente esteja em equilíbrio. A energia do sol, lua é um conhecimento prático de astronomia e as pessoas confundem com misticismo. Galinha não bota ovo em lua cheia, não se deve cortar lenha na lua minguante e os preparados das práticas biodinâmicas que são utilizados como referência são os preparados chifre-sílica, com atuação de luz solar, plantas medicinais, esterco envoltos de órgãos animais, enterrados em solo e submetidos às influências da Terra, tudo isso para a formação de uvas potentes. Acham que é magia!”
Os vinhos finos naturais e orgânicos trazem uma sensação de leveza e bem estar e são alternativas para consumidores que dizem apresentar desconfortos e alergias devido ao excesso de conservantes, sobretudo em vinhos convencionais de baixa qualidade. Para a gastrônoma e especialista em enogastronomia Tita Moraes, existe uma forte tendência na gastronomia de oferecer preparações saudáveis que respeitam os alimentos locais, frescos, sazonais em busca de riqueza de sabor e identidade. “Em conexão com essa idéia, tanto o consumidor, quanto profissionais que atuam organizando jantares e harmonizações buscam uma proposta de vinhos que se alinhem a essa tendência. O consumidor que aprecia o vinho biodinâmico mergulha numa vibração diferente, sente que esse vinho é uma verdadeira e inquestionável expressão da natureza, do equilíbrio de um vinhedo e das memórias das pessoas que vivem na região”.
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